tag:blogger.com,1999:blog-16392985984075997762024-03-08T14:55:05.072+00:00Histórias Da Arca No SótãoPersonagens, romances, intrigas, ambientes, personalidades... Uma arca cheia de histórias.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.comBlogger88125truetag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-3828933853216248062012-04-15T13:33:00.000+01:002012-04-15T13:33:18.139+01:00A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada, Episódio 6 - Mateus<div style="text-align: justify;">O cozido à portuguesa estava delicioso. A Dona Leonor é deveras uma cozinheira sensacional. Tento ajudá-la a arrumar as coisas na cozinha, depois do almoço, mas ela não me permite.</div><div style="text-align: justify;">- A minha avó é sempre assim, deixa lá. - explica Mateus. - A cozinha é dela e só lá deixa entrar alguém quando é para comermos o que cozinha...</div><div style="text-align: justify;">Eu sorrio face ao comentário, e ele guia-me até à sala. Liga a televisão, oferecendo um barulho de fundo que cortaria qualquer silencio constrangedor que se pudesse formar entre nós.</div><div style="text-align: justify;">- Então, Ivo, conta-me mais sobre ti. - pede.</div><div style="text-align: justify;">- um... Não há muito para contar... - Hesito.</div><div style="text-align: justify;">- Força.</div><div style="text-align: justify;">- Bom... há cerca de meio ano atrás, mudei-me de casa dos meus pais... Fui viver com outros quatro amigos meus para uma casa grande, mas depois aconteceram umas quantas coisas que tornaram o ambiente entre mim e eles de cortar à faca. Por isso acabei por ir morar para a mercearia.</div><div style="text-align: justify;">- Ah... BOm, mas então, sempre quiseste ter uma mercearia, foi?</div><div style="text-align: justify;">- Na verdade... Nunca soube muito bem o que eu queria ser. Acabei por tirar o curso de arquitectura e de Artes. - Contei, encolhendo os ombros e sentando-me no sofá.</div><div style="text-align: justify;">Ele pareceu surpreendido.</div><div style="text-align: justify;">- Hum, arquitectura?</div><div style="text-align: justify;">- Sim, eu sei, não é muito original, mas pronto... - Murmuro.</div><div style="text-align: justify;">- Ora essa, não tenho nada contra arquitectura, aliás, até é disso que vivo.</div><div style="text-align: justify;">- És arquitecto?</div><div style="text-align: justify;">- Sim.</div><div style="text-align: justify;">- uau... - Exclamo. - A única coisa que eu fiz foi desenhar a casa onde morava com os meus amigos... E tu, já desenhaste que estruturas?</div><div style="text-align: justify;">- Um centro comercial em Nova Iorque, umas quantas casas nos subúrbios de Londres, algumas moradias em Los Angeles... Um pouco de tudo por aqui e por ali. Mas, para ser sincero, acho que tenho uma veia da minha avó e adorava ter algum trabalho relacionado com culinária...</div><div style="text-align: justify;">Eu sorrio, encorajando-o. Entretanto, a sua avó entra na sala.</div><div style="text-align: justify;">- Hum, eu não confio muito em chefs de cozinha, não desde que o último que conheci partiu o coração do meu neto. - Rosnou a senhora.</div><div style="text-align: justify;">Formou-se um silêncio constrangedor no ar.</div><div style="text-align: justify;">- Avó... - Ele suspirou. - Bom, com a minha avó, já se sabe, uma pessoa que acabo de conhecer fica a descobrir tudo o que há a saber sobre mim em apenas minutos, mesmo as minhas cartas na manga...</div><div style="text-align: justify;">Rio-me. A senhora olha para o neto e encolhe os ombros.</div><div style="text-align: justify;">- Ora, se ele tem alguma coisa contra homossexuais, então não é bem vindo nesta casa e não daria um bom amigo para ti, por isso mais vale ficar a saber e...</div><div style="text-align: justify;">- Não, não tenho nada contra! - Corto, em minha defesa. - Pelo contrário... Jogo na mesma equipa.</div><div style="text-align: justify;">Subitamente, arrependo-me de o dizer, ao ver um brilho estranho nos olhos da Dona Leonor.</div><div style="text-align: justify;">- Ora, já têm bastante em comum, vêem? Arquitectos, gostos iguais!</div><div style="text-align: justify;">- Não vás por aí avó...</div><div style="text-align: justify;">Eu olho para o relógio e desculpo-me, pois teria de abrir a mercearia pouco tempo depois. Mas não seria a última vez que veria Mateus ou a Dona Leonor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A rotina impôs-se sem eu sequer me aperceber. Todas as manhãs, a Dona Leonor aparecia, pedia-me dicas para ingredientes frescos, e acabava a convidar-me para almoçar. Depois, todas as noites, enviava o neto, com restos do almoço par ao meu jantar, e eu e ele acabávamos a conversar até tarde, até que Matt saía, de volta a casa da avó. Nisto se passou um mês, rápido e em flecha. Nessa noite, Matt tinha ficado até mais tarde.</div><div style="text-align: justify;">neste momento ele está a olhar para uma embalagem de pickles, com um sorriso nostálgico e melancólico.</div><div style="text-align: justify;">- O que é que te está a deprimir tanto nesses pepinos em conserva? - Interrogo, quase sem levantando os olhos dos papéis das contas.</div><div style="text-align: justify;">- Oh... É só que... O Billy adorava pickes...</div><div style="text-align: justify;">Ergo uma sobrancelha.</div><div style="text-align: justify;">- Deixa-me adivinhar, o cão morreu intoxicado por lhe dares pickles a mais? - Interrogo, ironicamente.</div><div style="text-align: justify;">ele solta uma gargalhada e volta apousar o jarro na prateleira.</div><div style="text-align: justify;">- Billy não era o meu cão de estimação, é o meu ex-namorado, o tal chef que me partiu o coração, como disse a minha avó.</div><div style="text-align: justify;">Levo a mão à boca, pedindo desculpa.</div><div style="text-align: justify;">- Meu deus... com um nome desses, nem devias ter começado a relação... - Critico, jocosamente. - Mas... O que aconteceu?</div><div style="text-align: justify;">- Bom.... uma noite fui ao restaurante dele, fazer-lhe uma surpresa. Era o nosso segundo aniversário. Quando entrei na cozinha, apanhei-o a ter relações sexuais com uma das empregadas de mesa.</div><div style="text-align: justify;">Trinco o lábio.</div><div style="text-align: justify;">- Auch... - Praguejo.</div><div style="text-align: justify;">- Pois... Então e tu, alguma relação falhada?</div><div style="text-align: justify;">Sustenho a respiração e solto um suspiro. Ele testa-me com um olhar.</div><div style="text-align: justify;">- Se não quiseres falar disso, compreendo... Mas torna-se fácil demais falar contigo sobre mim, e acabamos por quase nunca falar sobre ti. És tão misterioso e enigmático para mim como és interessante e divertido.</div><div style="text-align: justify;">Sinto as faces corarem, mas acabo por ceder.</div><div style="text-align: justify;">- Bom... Quando ainda andava no secundário, a minha melhor amiga tinha um namorado. no início eu não me dava com ele, mas depois ele começou a aparecer mais vezes junto a ela. Não demorou muito até que eu e ele nos tornássemos bons amigos. Um dia ele pediu-me ajuda para um trabalho e fui até casa dele... Uma coisa levou à outra. repetiu-se a situação durante meses sem que ninguém soubesse... Senti que estava a trair a minha melhor amiga, e que estava a ser usado para satisfazer desejos escondidos dele, e ainda que ele também a estava a usar para esconder o que realmente sentia. Mas as coisas começaram a mudar... Ele começou a ficar mais aberto á possibilidade de assumirmos a relação... isso destroçaria a minha amiga... Entretanto fizemos dezoito anos, e quando ele estava prestes a contar-lhe, ela desapareceu.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, e o que aconteceu a essa tua amiga?</div><div style="text-align: justify;">Trinco o lábio.</div><div style="text-align: justify;">- Voltou quatro anos depois, e foi morar para a mesma casa que eu.</div><div style="text-align: justify;">- Ela... Ela ainda não sabe de nada?</div><div style="text-align: justify;">- Não valeria de nada. Eles já não estão juntos, e isso só serviria para a magoar.</div><div style="text-align: justify;">- Compreendo...</div><div style="text-align: justify;">Ele olha pra o relógio, e adivinho as suas palavras seguintes, as mesmas que dizia todas as noites.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, olha para as horas! Tenho de ir, a avó deve estar preocupada!</div><div style="text-align: justify;">- Tudo bem, vai. - Respondo, sorrindo.</div><div style="text-align: justify;">Ele apercebe-se da tristeza nos meus olhos e no meu sorriso.</div><div style="text-align: justify;">- Desculpa ter-te feito relembrar isso... - Murmura, aproximando-se do balcão.</div><div style="text-align: justify;">Ele pousa a sua mão por cima da minha, observando os meus dedos. Depois, sobe com ela pelo meu braço até ao meu pescoço, e puxa a minha face para junto da dele, pousando levemente os ses lábios nos meus. EU correspondo, aproximando-me mais, e pressionando os meus lábios mais contra os seus. A sua língua acaricia a minha, e com relutância quebramos o beijo. Agora, volto a sorrir, desta vez genuinamente feliz.</div><div style="text-align: justify;">- Gosto mais desse teu sorriso iluminado do que do sorriso sombrio de há pouco. - Comenta, também sorrindo, e depois sai, deixando-me a suspirar. </div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-75627096279754820852012-04-11T12:14:00.001+01:002012-04-11T13:14:57.485+01:00A.M.I.G.O.S - 1ª Temporada, Episódio 5 - ConsequênciasSuspiro. Estou neste exacto momento ao balcão da Mercearia parada. Há algum tempo que tenho dormido ali. Os outros expulsaram-e de casa. Bom, tecnicamente não o fizeram... Mas o Daniel é o ponto fraco de todos eles e senti-me deslocado. Sandra então, criticava-me com ada olhar que me lançava. De vez em quando vejo o pobre Óscar e a tímida Matilde passarem em frente à Mercearia, numa tentativa falhada de me falarem. Giuseppe ou Sandra acabam sempre por aparecer. Andreia tem estado ocupada com um novo caso que a poderá ajudar a subir na carreira. Espera... Foi há quase uma semana que o Giuseppe contou aos restantes que eu fora ter com Daniel. Suspiro novamente. Uma senhora de idade entra na mercearia. Tem os cabelos de um branco prateado, e os olhos são azuis enevoados. Caminha determinada, apesar de ser baixa. Observo-a atenta e discretamente. Vejo então um jovem, nos seus vinte e cinco anos, de cabelos ruivos e olhos verde-vivo, corre pela mercearia a dentro.<br />
- Avó! - Exclama, animado.<br />
Ela gira de fora surpreendentemente ágil nos seus calcanhares, e sorri-lhe.<br />
- Matt! Ora que surpresa agradável, pensei que só voltasses de Nova Iorque daqui a duas semanas!<br />
- Decidi vir mais cedo para visitar a minha avó preferida.<br />
Ela faz uma careta.<br />
- Sou a tua única avó viva!<br />
Ele revira os olhos e dá-lhe um abraço.<br />
- Já viste, descobri esta mercearia agora mesmo... - Comenta, agora mais baixinho.<br />
Eu mexo-me, desconfortável, e finjo estar demasiado atento num rótulo para ouvir.<br />
- É agradável... Lá eu NY costumamos comprar tudo em centros comerciais...<br />
- Éne Uai? O que e isso? - Interroga a idosa, provocando-me um sorriso.<br />
- Nova Iorque, avó, mas são as iniciais em inglês.<br />
- Ah, meu filho, sabes perfeitamente que comigo só o português bem falado... Mhm, e se eu te fizer para o almoço um bom cozido à portuguesa como tu gostas?<br />
- Parece-me ótimo, avó. Mas ao jantar cozinho eu uma especialidade americana!<br />
A senhora faz uma cara de enjoada.<br />
- A especialidade da América é comida de plástico, não me convence muito...<br />
Eu sorrio. Ela está já ao balcão, com uma ramada de couves e um saco de feijões. Ela responde-me com um sorriso.<br />
- Bom dia, o meu nome é Leonor, e este é o meu neto, Mateus.<br />
- Matt para os amigos. - Apressa-se ele a corrigir.<br />
- Ivo, muito pazer, Senhor Mateus e Dona Leonor. - Digo, educadamente. - É tudo o que vai levar?<br />
- Sim, penso que sim. - Afirma.<br />
Eu sorrio.<br />
- Se me permite fazer a sugestão, chegou ainda hoje um chouriço alentejano que era capaz de ficar delicioso no cozido... - Murmuro, como se lhe contasse um segredo.<br />
Ela olha para mim de forma simpática.<br />
- Ora, vejo que o menino percebe disto... Por mim acho que sim, de qualquer das formas iria ao talho arranjar chouriço, que já tenho pouco em casa...<br />
- Então sente-se aqui, que eu vou lá buscá-lo. - Convido, oferecendo-lhe a cadeira atrás do balcão.<br />
<br />
Quando volto, vejo a Dona Leonor colocar alguma moedas na caixa, e interrogo-a com um olhar, pousando chouriço no balcão.<br />
- A Dona Gertrudes passou por cá para deixar o euro que estava a dever das alfaces. - informa.<br />
Eu sorrio, agradecido.<br />
- Ora, não precisaa de se incomodar! - Exclamo, dando-lhe o chouriço.<br />
- Não me custou nada, já trabalhei numa papelaria e num café, sei fazer as minhas contas. Então quanto é o chouriço?<br />
- Oferta da casa. - Aviso. - É um presente por cá ter vindo.<br />
- Tem a certeza...?<br />
- Claro!<br />
Ela paga as couves e o feijão, e depois guarda tudo num saco de pano, sob o olhar atento do neto.<br />
- Então o resto de um bom dia e bom apetite para o almoço. - Despeço-me.<br />
Ela está prestes a sair e depois vira-se de novo para mim.<br />
- Daqui a uma hora o meu neto vem buscá-lo. Vem almoçar connosco e não aceito não como resposta! - Diz convidativamente. - Gostaria de trocar mais impressões culinárias com o menino Ivo, e assim smpre testa por si mesmo se o chouriço alentejano foi uma boa indicação.<br />
Fico pensativo por uns momentos.<br />
- Bom... Não tenho onde ir, por isso acho que posso aceitar o convite, mas não quero incomodar.<br />
- Ora essa, não incomoda nada. Até já.<br />
O par sai, e eu fico satisfeito por me sentir convidado. Há mais de uma semana que tudo o que sentia era rejeição.<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-2607145754873490072011-06-30T19:19:00.000+01:002011-06-30T19:19:39.353+01:00A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 4 - Daniel<div style="text-align: justify;">Há já uma semana, desde a conversa que Giuseppe e Óscar tiveram comigo na mercearia, que a agenda me tem chamado silenciosamente, instigando-me a curiosidade. Finalmente, deixo de resistir ao impulso e agarro o livro de capa preta, folheando-o apressadamente. O seu nome salta-me à vista o meu coração embate contra o meu esterno aceleradamente. Olho em volta, procurando por alguém que me possa impedir de fazer o que estou prestes a fazer. Agito a cabeça e tiro o meu telemóvel do bolso. Marco o número e espero que atendam.</div><div style="text-align: justify;">- <i>Estou sim, quem fala?</i> - Pergunta uma voz masculina do outro lado.</div><div style="text-align: justify;">O número ainda é o mesmo. Reconheço-lhe perfeitamente a voz.</div><div style="text-align: justify;">- Daniel...? É o Ivo...</div><div style="text-align: justify;">- <i>Ah, Ivo?! Há quanto tempo! Tudo bem?</i> - Cumprimenta vivamente.</div><div style="text-align: justify;">- Não sei bem... Há algo que eu queria falar contigo, mas preferia fazê-lo pessoalmente...</div><div style="text-align: justify;">- <i>Mm... Eu estou em Coimbra neste momento, vai ser difícil ir aí...</i></div><div style="text-align: justify;">- Não há problema. Diz-me uma hora e eu lá estarei para conversarmos.</div><div style="text-align: justify;">-<i> Tudo bem...</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: justify;">Tal como combinado, ele sai do edifício àquela hora. Ele reconhece-me rapidamente. Tem os cabelos negros, os olhos castanhos, estatura alta e um andar determinado. Aperta-me a mão, cumprimentando-me.</div><div style="text-align: justify;">- Então... A que se deve este súbito interesse em mim? - Interroga, sorrindo.</div><div style="text-align: justify;">- Há algo que me tem andado na cabeça. Uma pergunta cuja resposta só duas pessoas têm, e uma vez que a outra pessoa não ma quer dar, recorro agora a ti...</div><div style="text-align: justify;">- E que pergunta é essa?</div><div style="text-align: justify;">- Daniel... Porque é que a Susana desapareceu?</div><div style="text-align: justify;">Ele agitou-se, desconfortável, trespassando-me com os seus olhos como se de lanças se tratassem.</div><div style="text-align: justify;">- Porque é que vens com essa conversa agora, Ivo?!</div><div style="text-align: justify;">- Apenas... Porque sim.</div><div style="text-align: justify;">- Mentes mal, disfarças ainda pior... Ela contactou-te? - Inquire, esperançoso.</div><div style="text-align: justify;">- Sim...</div><div style="text-align: justify;">- O que é que ela te disse? Ela está bem? Onde é que ela está?</div><div style="text-align: justify;">- Em minha casa... - Murmuro.</div><div style="text-align: justify;">A sua expressão fica como a de quem leva um par de estalos sem os esperar. A sua boca move-se como a de um peixe - abrindo e fechando sem soltar som algum.</div><div style="text-align: justify;">- Quando é que...?</div><div style="text-align: justify;">- Há uns meses... Ela ainda não te falou?</div><div style="text-align: justify;">- Não... Mas se ela não te contou é porque prefere que não saibas... Não sou a pessoa indicada para te contar, Ivo...</div><div style="text-align: justify;">- Pois...</div><div style="text-align: justify;">- Desculpa... Então e como é que tu estás com esta história toda? Lembro-me bem que ficaste de rastos quando ela se foi embora...</div><div style="text-align: justify;">- Estou a tentar aceitar. - Respondo, pensativo, relembrado os momentos que eu e ele passáramos juntos após o desaparecimento de Sandra.</div><div style="text-align: justify;">- Acredito que seja difícil...<br />
O telemóvel toca, sobressaltando-me. Sem ler o nome que aparece no ecrã, reconheço quem está do outro lado da linha.<br />
- <i>Ciau! Onde estás, caro?</i><br />
- Porque perguntas...? - Interrogo, na defensiva.<br />
- <i>Hey, porquê tão agressivo? - </i>Exclama. -<i> Era só para saber se vais abrir a mercearia? A Matilde pediu-me para ir buscar uns ingredientes para salada, mas...</i><br />
<i>-</i> Eu agora não posso, Giuseppe. Eu não estou em Sintra...<br />
- <i>Então onde raios te foste enfi... Oh... Tu foste ter com ele?! E não disseste nada?</i><br />
- Ouve, Giuseppe! - Gaguejo, olhando suplicante para Daniel.<br />
- <i>Espera só até a Sandra saber disto, traidor! - </i>Replica, chantageando-me.<br />
O telefone desliga-se, deixando-me com o som do meu coração bombeando o sangue através do meu corpo, espalhando a adrenalina e os suores frios<br />
- Acho que o melhor é eu ir andando... O Giuseppe está prestes a criar uma revolução...<br />
- Mm... Pensei que fosses ficar mais algum tempo... - Comenta, convidativamente, olhando para o céu.<br />
- Não. Antes talvez ficasse. Mas já não...<br />
E caminhei para longe dele recordando os tempos de antes.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-35421936565012696482011-06-27T14:12:00.001+01:002011-06-27T14:17:51.931+01:00Sonho à beira-mar<div style="text-align: justify;">Sopra forte um vento gelado. Observo as estrelas brilhantes, pontos brancos a alaranjados contra um céu negro da noite que vai a meio. As ondas requebram na areia granulada que sinto debaixo dos dedos das mãos que me apoiam, ali sentado na praia, à beira mar. A minha mente divaga por fantasias - príncipes bem vestidos convidando princesas elaboradamente arranjadas para uma dança ao som de violinos e do piano; heróis sombrios de capuz tapando a cara, correndo pelos telhados de uma cidade medieval agitada, fugindo de uma qualquer injustiça que lhes manchara erroneamente o nome de família outrora reconhecido; homens no espaço pisando pela primeira vez a poeira fina da superfície marciana, observados de longe por hominídeos de pele semelhante a couro cinzento queimado pelo sol abrasador; piratas esgrimando com os seus sabres floreados, tentando conquistar ou defender o seu navio de que se orgulham, com as velas estendidas a todo o pano prontas a saborear aquela brisa marítima que se levanta por perto; sereias curiosas que nadam até à costa, deitando-se maravilhadas na areia à vista de um naufrago de faces angulosas e firmes marcadas pela angústia.</div><div style="text-align: justify;">Algo me acorda destas minhas divagações sonhadoras com outros tempos idos ou que estejam por vir. É um som fraco, suave. Grãos de quartzo que formam aquela areia da praia a serem esmagados por pés humanos que caminham lentamente na minha direção. Mas o meu olhar mantém-se no céu. Não preciso de olhar para trás para saber quem é. Os seus passos são me inconfundíveis, quer estivessem sobre areia, sobre mármore ou sobre a relva. Ele cai de joelhos junto às minhas costas, envolvendo-me o peito e os ombros com os seus braços quentes. A minha mão, mais por instinto do que por planeamento, afaga-lhe o pulso, enquanto ele me cumprimenta com um delicado beijo no pescoço e me sussurra um olá ao ouvido.</div><div style="text-align: justify;">- <i>Buona sera, mio caro.</i> - Digo, num murmúrio.</div><div style="text-align: justify;">Não é a minha língua nativa, mas sei que ele gosta de me ouvir falar em italiano. Consigo adivinhar o sorriso na sua face, apesar de ter agora os olhos fechados, enquanto sinto o seu aroma que tanto me faz desejar estar a todo o momento com ele.</div><div style="text-align: justify;">- Como estás?</div><div style="text-align: justify;">A sua voz é-me tão familiar aos ouvidos e, no entanto, cada vez que ele fala, sinto que estou a ouvir aquele som angelical pela primeira vez. A sua mão acaricia-me o peito um pouco mais, antes de ele aproximar os seus lábios dos meus. Quando as nossas bocas se tocam, sinto-as. E sei que ele também as sente. As borboletas no estômago. Aquela sensação de que o meu peito pode rebentar de alegria a qualquer momento. A minha outra mão desloca-se em direção à sua cara e acaricia-lhe a face, enquanto ele se põe lentamente ao meu lado. Quando quebramos o beijo, ele está sentado junto ao meu ombro, e entrelaça os seus dedos nos meus. E ficamos simplesmente a observar as estrelas.</div><div style="text-align: justify;">Já me haviam perguntado. E eu tinha medo disso. Perguntaram-me se eu gostava dele o suficiente para o fazer feliz. Mas agora o medo já é apenas uma nuvem negra sobre o meu passado. Sim, gosto dele o suficiente para o fazer feliz, para o fazer o rapaz mais feliz do Universo! Sei que farei tudo ao meu alcance para estar sempre com ele, para o apoiar sempre que ele precisar, para conversar com ele quando tudo parecer estar a falhar, para simplesmente partilhar com ele os bons momentos das nossas vidas que se cruzaram.</div><div style="text-align: justify;">- Em que estás a pensar? - Pergunta-me, curioso, fitando os meus olhos.</div><div style="text-align: justify;">- Em ti. Como sempre faço. Penso em ti. - Respondo, com uma voz séria e profunda.</div><div style="text-align: justify;">Um sorriso desenha-se novamente na sua cara. Aquele sorriso que me faz sentir o centro do mundo de alguém. É aquele sorriso que quero ver sempre a toda a hora na sua cara. Nunca aquelas lágrimas dilacerantes de mágoa e desespero, mas sempre aquele sorriso pacífico e genuíno. Sinto de novo a sua mão mexer-se um pouco entre os meus dedos.</div><div style="text-align: justify;">- Nunca pensei vir a amar uma Estrela, algo tão distante e inalcançável pelos homens... - Suspiro, olhando de novo para os míticos pontos luminescentes no céu.</div><div style="text-align: justify;">Subitamente, o céu começa a ficar alaranjado, e azul turquesa. Um fogo ergue-se sobre o mar. É aquele astro gigante, que nos presenteia a ambos com o seu brilho e calor.</div><div style="text-align: justify;">- Mas apaixonei-me por uma estrela e observo-a na praia. Mas não é ao Sol que me refiro. É a ti, que brilhas mais para mim do que o Sol, porque me guias no escuro mesmo quando o Sol se parece ter abatido e abandonado a minha vida. - Completo, com um sorriso atordoado na cara.</div><div style="text-align: justify;">Ele volta a beijar-me carinhosamente, e eu sinto o coração bater fortemente. Já não bate por mim. Apenas bate para me manter vivo para aquele rapaz, aquele rapaz que tanto adoro e que tanto merece o melhor que o Universo lhe possa dar. Aquele rapaz que me faz querer escrever sobre o que sinto por ele.<br />
<br />
<div style="text-align: right;"><i>Adoro-te, mio caro, mais do que ao próprio Sol.</i></div></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-74910932647421702832011-06-22T11:48:00.000+01:002011-06-22T11:48:26.531+01:00A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 3 - Mexericos<div style="text-align: justify;">Peso o saco com as mação que a D. Lídia me entregara para a mão. Depois de um sonoro bip, indico-lhe o preço:</div><div style="text-align: justify;">- São dois euros e trinta e oito cêntimos, por favor.</div><div style="text-align: justify;">- Ah, acho que não tenho certo para te dar, meu filho... - Queixa-se a idosa.</div><div style="text-align: justify;">- Ora, não seja por isso, eu tenho troco! - Tranquilizo, sorrindo-lhe amavelmente.</div><div style="text-align: justify;">Enquanto ela procura por moedas, chega-me aos ouvidos a conversa de outras duas senhoras já de idade.</div><div style="text-align: justify;">-... o italiano, se queres que te diga, também não é nada inocente. Se ele refreasse os cavalos, o casamento deles não chegaria ao fim...</div><div style="text-align: justify;">- Estão a falar do episódio da novela de ontem? - Sussurra-me a voz de Sandra, por trás de mim, junto do meu ouvido.</div><div style="text-align: justify;">- Provavelmente.</div><div style="text-align: justify;">- Conheço-te. Vi que a conversa te afetou. E se falam de um italiano, provavelmente é do Giuseppe. Que se passou?</div><div style="text-align: justify;">- Já te conto. - Digo, apressado, entregando o troco à D. Lídia e registando as compras das outras duas mulheres.</div><div style="text-align: justify;">Elas encontram-se caladas, olhando-me de alto abaixo, avaliando a minha expressão. Finjo que não ouvira nada do que acabaram de dizer e despeço-me dela da forma mais simpática que consigo.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, era sobre o Giuseppe... Sabes que os Arcada se vão separar...?</div><div style="text-align: justify;">- Ah, sei. Não se ouve outra coisa na vila a não ser que ela traiu o marido... - Sandra pausa repentinamente, e quase posso imaginar uma luz acender-se por cima da sua cabeça. - Ela traiu-o com o Giuseppe?</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Eu tive que lá ir contar ao pobre coitado do marido, para ela parar de o chantagear...</div><div style="text-align: justify;">A pedido dela, conto-lhe o que se passara três noites antes. A sua expressão vai evoluindo à medida que o grau de surpresa que ela sente vai aumentando cada vez mais. No final da história ela olha para o vazio.</div><div style="text-align: justify;">- É por isso que tens andado tão ausente...?</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Esta história toda... Eu não me sinto no direito de destruir uma relação...</div><div style="text-align: justify;">- Mas ela não é mulher para ele. Foi melhor assim. Olha, vou andando. Tenho de ver se consigo algum trabalho...</div><div style="text-align: justify;">Despeço-me dela com um beijo na cara e olho em volta. A mercearia está vazia, mas não por muito tempo. Óscar e Giuseppe entram de rompante pela loja.</div><div style="text-align: justify;">- Não me digam que estavam à espera que ela saísse para virem aqui falar comigo... - Comento, apontando para o local onde tinha estado Sandra.</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Nunca ficaste curioso sobre o que é que a levou a desaparecer da forma que o fez? - Pergunta Óscar.</div><div style="text-align: justify;">As suas sardas dão-lhe um aspeto de criança, e a sua expressão atual apenas ajuda a fazer com que ele pareça ainda mais jovem.</div><div style="text-align: justify;">- Não quero esta conversa agora. - Resmungo, fitando ligeiramente o italiano.</div><div style="text-align: justify;">- Vá lá, sabes bem que queres saber! - Exclama ele, em resposta ao meu olhar.</div><div style="text-align: justify;">- Sim... - seduz o ruivo. - Vá lá, bebé...</div><div style="text-align: justify;">Rosno-lhe, tirando a minha bata e atirando-a para cima do balcão. Ele chama-me assim quando me quer levar a fazer algo. Não que eu sinta algo por ele. Mas é a forma como ele o diz. Faz-me sentir especial. E é raro alguém me fazer sentir assim. Mas Óscar sabe como entoar aquela palavra de forma a que eu o siga como um cachorro. Ele consegue imitar na perfeição a voz que um ex-namorado me fazia quando me chamava por aquela alcunha.</div><div style="text-align: justify;">- Vocês já sabem de alguma coisa? - Pergunto.</div><div style="text-align: justify;">- Não... Mas há uma pessoa que talvez saiba...- Comenta Giuseppe.</div><div style="text-align: justify;">- Quem?</div><div style="text-align: justify;">- Estás mesmo a fazer essa pergunta? - Interroga Óscar. Ao ver que eu estava a falar a sério, ele revela o que estava a pensar. - Tenho um nome para ti: Daniel Rodrigues.</div><div style="text-align: justify;">Daniel era o namorado de Sandra quando ela desaparecera. Na altura, ele dera a entender que sabia qual o motivo da fuga da rapariga, já que dizia ser o culpado por tal ter acontecido. Mas ele já nem morava em Sintra.</div><div style="text-align: justify;">- E como pensam contatá-lo? - Inquiro, tentando demovê-los daquela ideia.</div><div style="text-align: justify;">- Sabemos que ele mora em Coimbra... Sabemos quem ele é... - Murmura Óscar.</div><div style="text-align: justify;">- E tu sabes a morada dele... - Atirou Giuseppe.</div><div style="text-align: justify;">- Como é que... Quero dizer! Não, não sei! - Gaguejo.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, sabes!</div><div style="text-align: justify;">- Ok, mas não quero falar com ele! - Replico.</div><div style="text-align: justify;">- Porquê? - Exclamam em uníssono</div><div style="text-align: justify;">- Porque não. Estamos a invadir a privacidade de ambos! - Argumento. - E agora saiam-me daqui que devem aparecer clientes a qualquer altura!</div><div style="text-align: justify;">Abano a bata à minha frente afugentando-os. Eles saem do estabelecimento com caras de desapontamento. Eu corro para o balcão e procuro pela agenda que costumo guardar comigo. Lá está ela, intacta, com todos os meus apontamentos que fizera ao longo da vida sobre lugares, pessoas e sobre mim mesmo. Se eles tomassem mão àquele livro, desvendariam segredos que eu não lhes queria revelar nem mesmo a eles, os cinco amigos que me são mais próximos.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-49013990341408582112011-06-20T17:14:00.000+01:002011-06-20T17:14:39.866+01:00A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 2 - Chantagem<div style="text-align: justify;">Fecho a máquina de lavar, esfregando as mãos. Finalmente, acabo a minha tarefa dessa noite. Olho em volta. Ainda me estou a habituar àquela casa, apesar de já nos termos mudado para lá há uma semana e meia. Giuseppe entra na cozinha, sobressaltando-se com a minha presença.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, que se passa? - Interrogo, desconfiado.</div><div style="text-align: justify;">- Ah, nada, nada... - Responde.</div><div style="text-align: justify;">Ele procura por algo nos armários da cozinha, de forma agitada. Percebo que ele está a tentar disfarçar.</div><div style="text-align: justify;">- Giuseppe. - Rosno. - O que é que te está a dar cabo dos nervos...?</div><div style="text-align: justify;">- Ok, olha, se eu te disser, promete-me que fica entre nós...</div><div style="text-align: justify;">Cruzo os braços e batuco com o meu pé descalço nos mosaicos brancos, esperando as suas palavras seguintes.</div><div style="text-align: justify;">- Então... Há uns dias, eu conheci uma rapariga... E ela era girinha... Estava convidativa... Notava-se à distância que ela queria brincadeira...</div><div style="text-align: justify;">- Oh, se me vais dar pormenores do que fizeste com ela, esquece, meu querido! - Exclamo, fazendo uma careta.</div><div style="text-align: justify;">- Nada disso... Pronto, para resumir, deixei-me levar. Estava inclinado para raparigas naquela noite...</div><div style="text-align: justify;">- Sim, já percebi que foste para a cama com ela! - Corto eu, erguendo uma sobrancelha.</div><div style="text-align: justify;">- Só houve um pormenor que ela me ocultou...</div><div style="text-align: justify;">- Que foi...?</div><div style="text-align: justify;">- Ela era casada...</div><div style="text-align: justify;">Eu estou prestes a chamá-lo uma série de nomes pouco bonitos, mas o italiano apercebe-se e deita-me a mão à boca, cortando-me a respiração.</div><div style="text-align: justify;">- O pior ainda está para vir... - Informa, olhando-me nos olhos.</div><div style="text-align: justify;">Vejo a aflição naquelas duas auras cor de avelã. O assunto parece sério.</div><div style="text-align: justify;">- Ela não é casada com um tipo qualquer... Ela é casada com um polícia.</div><div style="text-align: justify;">- E isso interessa para a história porquê?! - Pergunto. - Ela era casada, não ias para a cama com ela. Bom, muito menos sabendo que o marido dela é polícia...</div><div style="text-align: justify;">- Sim, mas eu só soube disso anteontem...</div><div style="text-align: justify;">- E...?</div><div style="text-align: justify;">- E ela gostou tanto de estar comigo... Que queria mais, eu disse-lhe que não. E ela chantageou-me... Ameaçou que, se eu não me continuasse a encontrar com ela, contava ao marido que eu a tinha violado...</div><div style="text-align: justify;">Os meus olhos abrem-se de espanto. Se ele não estivesse tão sério, a fitar-me os olhos, eu não acreditaria naquela história.</div><div style="text-align: justify;">- E sabes o nome dela...? - Interrogo.</div><div style="text-align: justify;">- Sei... Cristina. Cristina Arcada. - Informa.</div><div style="text-align: justify;">Engasguei-me ao ouvir o apelido. Giuseppe tentou ajudar-me mas eu afastei-o.</div><div style="text-align: justify;">- Meu grandessíssimo pitosga! - Exclamo. - Mas não sabias que ela é a mulher de um Polícia?!</div><div style="text-align: justify;">- Conhece-la?</div><div style="text-align: justify;">- Claro, o marido dela passa todas as manhãs pela mercearia para comprar os vegetais frescos, depois de vir do turno... - Sento-me numa das cadeiras. - Meu Deus... depois disto não sei como vou olhar para cara do homem...</div><div style="text-align: justify;">- Fala com ele! Conta-lhe a verdade!</div><div style="text-align: justify;">- Vamos lá a casa deles! - Digo, erguendo-me.</div><div style="text-align: justify;">- Agora?</div><div style="text-align: justify;">- Sim! Esta história tem de ser tirada a limpo!</div><div style="text-align: justify;">- Que história? - Pergunta Matilde, que entretanto entra na divisão, alertada pelo tom alto das nossas vozes.</div><div style="text-align: justify;">- Não há tempo para explicar. Anda! - Ordeno.</div><div style="text-align: justify;">Puxo pelo braço de Giuseppe, arrastando-o até ao meu <i>mini cooper</i>. Ele tenta ainda fazer-me voltar atrás, mas estou decidido a resolver toda aquela trapalhada rapidamente, antes que tome medidas desproporcionadas. A dada altura da viagem, ele começa a suplicar-me na sua língua materna.</div><div style="text-align: justify;">- Não vale a pena, caro, eu não te percebo! - Minto, olhando em frente par a estrada.</div><div style="text-align: justify;">- Ah, percebes sim! - Replica, já em português.</div><div style="text-align: justify;">quando finalmente chegamos, ele recusa-se a sair do carro. Eu caminho determinado em direção à vivenda. É ela quem me atende a porta. Algo na sua expressão me diz que ela sabe porque estou ali.</div><div style="text-align: justify;">- Posso falar com o seu marido...? - Pergunto, amavelmente.</div><div style="text-align: justify;">- Não sei se podes...</div><div style="text-align: justify;">- Oh, Ivo! Entra! - Exclama uma voz poderosa do interior da casa.</div><div style="text-align: justify;">Eu aceito o convite dele e peço-lhe para falar com ele em privado. Subitamente vem-me à cabeça que posso estar prestes a destruir um casamento. Mas aquele homem merece melhor do que uma mulher daquelas.</div><div style="text-align: justify;">- Sr. Arcada, tenho algo para lhe dizer... Lembra-se de eu ter falado no meu amigo Giuseppe...?</div><div style="text-align: justify;">- Sim! Claro. Meteu-se em alguma alhada de novo?</div><div style="text-align: justify;">- Pois... E o Sr. não vai gostar de saber em qual foi...</div><div style="text-align: justify;">Conto o sucedido pausadamente, avaliando a reação do homem. Os sinais indicam que ele está desapontado e zangado.</div><div style="text-align: justify;">- O Giuseppe tem sorte em ter um amigo que se preocupe tanto com ele como tu... Eu vou falar com a Cristina... As coisas não podem continuar assim... Peço desculpa por ela me ter usado como forma de obrigar o teu amigo a fazer o que ela queria...</div><div style="text-align: justify;">Sento-me de novo ao volante, respirando fundo. Giuseppe observa-me.</div><div style="text-align: justify;">- Tu tens um jeito para as pessoas... Não devias ter escolhido a mercearia...</div><div style="text-align: justify;">- Cala-te... - Rosno, com voz profunda e cansada. - Não quero ter essa conversa agora. Apenas certifica-te de que não destróis mais nenhum casamento...</div><div style="text-align: justify;">Faço pressão no pedal com o meu pé, fazendo o carro avançar de novo em direção à nossa casa. Sinto-me mal comigo mesmo quando me vou deitar, depois do que eu acabara de dizer aquele homem tão paciente e justo. Cristina era uma das razões que me faziam ter dificuldade em confiar nas pessoas. As aparência iludem, e cada um aparenta ser apenas aquilo que quer que os outros vejam neles.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-51840765287052028882011-06-18T22:45:00.000+01:002011-06-18T22:45:19.742+01:00A.M.I.G.O.S.- 1ª Temporada; Episódio 1: A Mudança<div style="text-align: justify;">Sandra deixa cair pesadamente uma das caixas de cartão em frente ao portão da casa. À sua frente estendia-se uma estrada alcatroada em direção à garagem. A casa ergue-se acima do muro, com os seus dois andares repletos de janelas a intervalos regulares.</div><div style="text-align: justify;">- Onde foram desencantar esta beleza?! - Pergunta, gaguejando.</div><div style="text-align: justify;">- Aqui! - Informa Giuseppe, tocando com um dedo na minha testa.</div><div style="text-align: justify;"> A boca de Sandra abre-se ainda mais e eu reviro os olhos, girando a cabeça na direção do meu amigo.</div><div style="text-align: justify;">- Foste tu que a desenhaste? - Inquire.</div><div style="text-align: justify;">- Sim. Com ideias de todos, obviamente... - Respondo apressadamente. - Está ao gosto de todos... Mas isto foi feito antes de tu voltares, por isso, não há um bocadinho teu naquela casa.</div><div style="text-align: justify;">Já não posso retirar as palavras duras que acabo de expressar. Mas ela sorri-me.</div><div style="text-align: justify;">- Nesse caso, terei de dar o meu melhor para que tal mude.</div><div style="text-align: justify;">Andreia aparece subitamente do monovolume que conduz e arrasta-me pela estrada a cima, virando repentinamente à esquerda e empurrando-me para dentro da cabana de arrumações. à minha volta predomina o material para manutenção da piscina, algumas bóias, uma quantas bolas já cheias, cadeiras de metal articuladas e arrumadas a um canto... E uma mulher a olhar para mim indignada.</div><div style="text-align: justify;">- Que queres? - Interrogo, com as mão erguidas em minha defesa.</div><div style="text-align: justify;">- Ainda perguntas? Será que não és capaz de dar uma hipótese que seja à rapariga que mais te ajudou no secundário?</div><div style="text-align: justify;">- Ajudou, e muito. E depois desapareceu como se os que a rodeiam não se importassem. - Replico.</div><div style="text-align: justify;">Ela suspira, desesperada. A porta da cabine abre-se de rompante. Giuseppe olha para nós espantado, espreitando sobre o ombro para verificar se estava mais alguém nas redondezas.</div><div style="text-align: justify;">- Caro, pensei que não estavas afim de meninas... - Graceja.</div><div style="text-align: justify;">- E não estou. E em particular a fim de uma certa menina. - Silvo.</div><div style="text-align: justify;">- Desisto. - Desabafa Andreia, empurrando o italiano para longe do seu caminho.</div><div style="text-align: justify;">- Discussão sobre a Sandra de novo? - Pergunta. - Devias tentar fazer um esforço.</div><div style="text-align: justify;">- Estou a tentar.</div><div style="text-align: justify;">- Nota-se... Anda lá, a Matilde acabou de fazer o tal arroz de pato que nos prometeu!</div><div style="text-align: justify;">Ele puxa-me pelo braço, fechando a porta atrás de mim. A cheiro adocicado que paira na entrada da casa convida-nos a caminhar em direção à sala de jantar. Lá, encontra-se uma mesa posta, onde já se encontram todos os outros. Sandra, Andreia e Óscar sentados, e Matilde pousa um tabuleiro fumegante na mesa. Sento-me numa das cadeiras vagas, lambendo os lábios com antecipação. A reação do italiano é idêntica.</div><div style="text-align: justify;">após começarmos a comer, Giuseppe, sempre juvenil, ergue o seu copo que já enchera pela segunda vez.</div><div style="text-align: justify;">- Proponho um brinde. - Incita. - A nós, amigos inseparáveis, que agora arranjaram um lar onde continuar assim!</div><div style="text-align: justify;">Cinco outros braços segurando copos se ergueram, em resposta àquelas palavras. O meu olhar pousa em Sandra e o dela em mim. Noutros tempo, eu e ela havíamos sido muito próximos. No entanto, numa altura em que eu precisava da sua ajuda, ela desapareceu sem deixar rasto, apenas um bilhete informando que estava bem e que levava a sua mota e o seu casaco de cabedal preferido - o que eu lhe tinha oferecido nos anos. Ela olha-me, convidando-me a segui-la.</div><div style="text-align: justify;">Levantamo-nos, sem troca alguma de palavras, pois ainda conseguimos ler as expressões faciais um do outro. A divisão fica em silêncio e sinto os olhos dos restantes fitarem as minhas costas. Ela guiou-me até ao seu quarto. De uma das caixas tirou uma peça de roupa preta gasta e de aspeto pesado. Subitamente, reconheci as faixas vermelho-escuras nos ombros.</div><div style="text-align: justify;">- Cristo! Ainda tens isso contigo? - Exclamo, admirado.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, Ivo. Eu nunca me esqueci de ti. Andei sempre com o casaco, desde que mo ofereceste. Claro... Ainda o tentei usar mais, mas como ficou muito gasto... Acabei por ter medo de o estragar completamente com o uso. Mas guardei-o sempre comigo... Não sabes a razão por detrás da minha ida, nem por detrás do meu regresso. No entanto, fica a saber que continuo a ser a tua amiga.</div><div style="text-align: justify;">- Veremos. - Respondo, com um tom de teimosia falsa.</div><div style="text-align: justify;">Ela sorri.</div><div style="text-align: justify;">- Aos novos tempos... - Sussurra.</div><div style="text-align: justify;">- Para que tenham tudo de com que os velhos tempos tiveram. - Completo, saindo da divisão, adivinhando o sorriso que se forma na sua cara.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-78206342381280759872011-06-14T21:02:00.000+01:002011-06-14T21:02:10.662+01:00O Tesouro do Grão-Mestre - Capítulo 1<div style="text-align: justify;">Uma gota escorreu-lhe pelo nariz arqueado. Os seus olhos abriram-se, revelando-se castanhos, transparecendo bondade e preocupação. As nuvens cinzentas refletidas nos seus olhos ameaçavam desabar sobre Lourdes. Olhou à sua volta, vendo as gentes atarefadas, correndo de um lado para o outro, fugindo da chuva. Olhou para o seu peito. O manto de lã castanha escondia-lhe a túnica branca e imaculada, onde se encontrava bordada a cruz vermelha dos templários. Ao longe, um estranho burburinho ergueu-se no ar, chamando-lhe a atenção. Um pequeno grupo de guardas da cidade moveu-se rapidamente em direção aos portões da cidade. O jovem estava prestes a dar maia volta, para se afastar da confusão, quando ouviu o trote de um cavalo. Era uma criatura magnifica, de pêlo negro luzidio, em tratado, mas já carregando com o seu cavaleiro o fardo do cansaço. Mas algo lhe chamou a atenção naquele jovem cavaleiro. Soube nesse mesmo instante que tinha de intervir. Um guarda preparava-se para desferir um golpe no pobre animal, perto de atirar com o cavaleiro ao chão. O som de metal a morder aço troou no ar, silenciando todos. A sua capa castanha caíra. A sua túnica branca brilhava levemente.</div><div style="text-align: justify;">- Pierre, que fazeis aqui...? - Perguntou o Templário num francês áspero.</div><div style="text-align: justify;">- Uma mensagem do Grão-Mestre, e algo mais que ele me pediu para lhe entregar.</div><div style="text-align: justify;">- Tratemos disso depois, agora tereis de me ajudar a subir para esse fantástico animal, para que possamos partir o quanto antes.</div><div style="text-align: justify;">Os guardas não se mostraram alheios à conversa e investiram. Habilmente o templário afastou-os com a sua espada, que soprava o ar, com um ameaçador silvo e um brilho de metal sedento de sangue. O assobio de uma flecha passou-lhe perto do ouvido, terminando com um som seco de carne a ser perfurada e um grito contido do desafortunado mensageiro. Fernando, o Templário, decidiu finalmente erguer-se para o dorso do cavalo, fazendo-o galopar pela cidade. Os homens do Rei tentavam correr atrás do animal, sem sucesso. Os portões fechados barravam o caminho dos dois homens.</div><div style="text-align: justify;">- Teremos de usar outra via... - Comentou o Templário.</div><div style="text-align: justify;">- Não, senhor, deixai-me para trás, que eu sou dispensável e estou ferido. Levai o cofre e a carta lacrada. As instruções do Mestre de Molay estão aí nesse papel. Ide, e que o Senhor vos acompanhe.</div><div style="text-align: justify;">Fernando era jovem, mas já tinha batalhado contra os mouros lado a lado com os seus companheiros. Sabia melhor que ninguém que às vezes um homem tinha de ser sacrificado por um bem maior. O próprio Jacques de Molay um dia lhe dissera:</div><div style="text-align: justify;">- Quando é necessário sacrificar uma vida para salvar milhares de outras, a única escolha que temos é esquecer que ele morreu, ou rezar para sempre pela sua alma. Mas se essa vida tem de encontrar o Senhor lá no alto para que mais possam usufruir da sua na Terra, então que seja, meu filho.</div><div style="text-align: justify;">Pegou na pequena caixa de madeira e na carta que o jovem Pierre lhe entregava, ergueu-se no dorso do cavalo, e saltou para um telhado baixo de uma das casas. Saltando de telhado em telhado, esquivando-se de flechas que ameaçavam morder-lhe os calcanhares, conseguiu finalmente chegar a uma casa cujo todo quase chegava ao da paliçada. Um salto de fé e transpôs as defesas da cidade, caindo nos ramos de uma árvore que ali repousava há anos. As folhas ampararam a queda, mas os espinhos afiados das ramagens atravessavam-lhe a túnica e picavam-lhe a pele. Deixou-se escorregar do ramo e caiu no chão lamacento. Teria de ir para algum lado onde os homens do Rei não o pudessem alcançar. Teria de fugir de França. À sua frente, majestosos, erguiam-se os Pirenéus, com os cumes brancos com neve, manchados do cinzento da rocha. Por trás deles escondia-se a Península Ibéria - Espanha e Portugal. Decidiu rumar até ao país vizinho, antes de abrir o envelope lacrado, decorado habilmente com tinta negra.<br />
- Para Espanha sigo então... - Comentou para si mesmo, correndo rapidamente por entre os arbustos.<br />
Atrás de si, podia ouvir o trotar de cavalos e o som de botas metálicas a pisarem a gravilha do caminho que se estendia em frente à cidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-54570541180900612162011-06-06T20:33:00.001+01:002011-06-06T20:34:11.764+01:00O Tesouro Do Grão-Mestre - Prólogo<div style="text-align: justify;"><i>Toctoc toctoc.</i> O cavalo trotava rapidamente, ao som dos incentivos do homem que o montava. Assim que chegou à pequena mansão na floresta, saltou do dorso do animal e correu em direção à porta pesada de carvalho, abrindo-a com estrondo.</div><div style="text-align: justify;">- Preciso de falar com o Grão-Mestre! - Berrou a um servente, num francês fluído e cuidado.</div><div style="text-align: justify;">Um homem com o topo da cabeça calvo, longas barbas onduladas brancas e alguns cabelos espessos no lado da cabeça também brancos aproximou-se. Deveria ter os seus sessenta e poucos anos, mas mantinha-se possante, numa túnica branca, com uma grande cruz vermelha ao peito.</div><div style="text-align: justify;">- Meu caro Pierre, o que o traz aqui?</div><div style="text-align: justify;">- Mestre Molay! - Exclamou o mais jovem, inclinando a cabeça respeitosamente, deixando os seus longos cabelos castanhos escorrerem-lhe pela testa e taparem-lhe os olhos lacrimosos. - O Papa Clemente V ordenou a dissolução da ordem. As nossas fortalezas estão a ser atacados. Fui enviado para vos avisar da tragédia. Brevemente as tropas do Rei chegarão para vos levar cativo...</div><div style="text-align: justify;">- Eu, meu caro, não sou importante. Os tesouros da Ordem, esses sim, têm de ser protegidos. E vou dar-te um dos mais preciosos tesouros da Ordem dos Cavaleiros templários. Vem comigo.</div><div style="text-align: justify;">O mais novo seguiu-o de perto, olhando em volta atento, procurando por inimigos nos recantos escuros da mansão. Jacques de Molay guiou o jovem até uma cave escondida habilmente, inserida na própria rocha que formava a floresta. Havia tesouros riquíssimos vindos de todo o oriente naquela sala. Mas o Grão-Mestre apenas lhe entregou um pequeno e pobre cofre de madeira com um selo de ouro e prata. No topo da tampa reluzia em marfim uma pomba habilmente trabalhada. A insígnia do Templário em prata era já um trabalho recente na parte da frente daquele pequeno cofre, mas era digno de admiração.<br />
- Senhor, que é isto?<br />
- Ficarás melhor se não saberes.... Mas a ignorância também mata. Quero que leves isso a quem sabe o quão valioso é. Vai até Lourdes, na base dos Pirenéus. Lá procura por um jovem português de cabelos castanhos e olhos cor de avelã de nome Dom Fernando da Rocha. Ele saberá o que fazer com o cofre, apenas dá-lhe esta minha mensagem. Mas esse tesouro <i>tem </i>de ficar a salvo.<br />
Pierre acenou afirmativamente e voltou para o exterior. uma gota de água caiu-lhe na testa. Ajeitou a sua longa capa branca, abrigando-se da água e do vento e instigou o seu cavalo negro a correr de novo pela floresta, dirigindo-se para Sul. Os seus olhos e ouvidos estavam sempre atentos a qualquer movimento. Já nem mesmo no seu próprio reino estava a salvo. Agora, o seu inimigo era o rei Filipe. Uma traição que lhe trespassava o coração e, certamente, que entristecia também o Grão-Mestre da sua ordem. Oficialmente, os Templários já não existiam. Clandestinamente, continuavam unidos moralmente, apenas se haviam retirado para outras zonas mais seguras. Perguntava-se se deveria fazer o mesmo. Não, como mensageiro designado para levar informações entre o Grão-Mestre e os descendentes dos fundadores, Pierre tinha altos deveres a cumprir. Deveres divinos, ditado pelo próprio Senhor lá no alto.<br />
Apertou mais contra o seu corpo a pequena caixinha de madeira. Uma pontada de curiosidade despertava-lhe a vontade de abrir o cofre, mas o Grão-Mestre dera ordens expressas para que aquele objeto fosse levado até Dom Fernando da Rocha. mas porquê? um Português? Sim, fazia sentido que não fosse um Francês. E de facto, os portugueses haviam sido um povo bravo na luta contra os Mouros, mas não eram uma não tão forte como Espanha, por exemplo, ou como Inglaterra.<br />
- Pierre, não te preocupes, Jacques de Molay sempre soube o que faz... Não é agora que vai falhar.<br />
E o cavalo galopava pela floresta que recebia agora nas suas folhagens os primeiros farrapos de noite escura, que morosamente se resignavam a assentar naquele local agora manchado pelas incertezas dos Templários.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-25005541294272800292011-05-28T22:09:00.000+01:002011-05-28T22:09:45.963+01:00A Rosa Negra - Capítulo 5<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;">Traída</span></div><div style="text-align: justify;">Olho de novo para o indicador do tanque de gasolina. Estou quase a ficar sem combustível. Observo a paisagem que passa depressa. A estrada, finalmente, cruza-se com uma via rápida. Leio uma placa. Rejubilo ao reconhecer o nome de uma das localidades. A partir daquele local, sei ir até à sede da <i>Scotland Yard</i>. Agora acelero ainda mais, sentido a respiração aumentar de ansiedade. Apanha-me de surpresa. O embate sem aviso agitou o carro por todos os lados. Pouco depois, voo pela berma. O meu carro está a virar-se de rodas para o ar. Um jipe continua a embater violentamente no meu veículo. Algo no meu peito me diz que é ele. Quando finalmente o meu carro para. Solto o sinto de segurança. Sinto a minha perna ferida e o meu pulso torcido latejarem. Rastejo para a parte de trás do carro virado do avesso. Vejo os seus pés caminharem em direção à porta do condutor. Ele abre-a. Eu saio pela porta de trás e corro o mais que posso em direção ao jipe, que tem as portas fechadas. Abro a porta, e rejubilo ao ver que ele deixara as chaves na ignição. Ah! Pensas que eu não sou dura?! Que me ias conseguir matar assim?! Não, meu caro! Estás a lutar contra uma mulher com treino militar. Ele corre na direção do jipe. O meu pé pisa o acelerador e o carro obedece instantaneamente, quase levando-o à frente. Olho para ele, fazendo uma careta de vitória, e volto a olhar em frente. A estada parece-me prometedora.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Chego já de noite à sede. A primeira pessoa que vejo é Frederic Gale, um dos novatos. Ele fica surpreendido ao ver-me ali. A sua mão moveu-se suspeitosamente para o seu coldre.</div><div style="text-align: justify;">- Miss Stanley... - Chamou. - Não se mexa...</div><div style="text-align: justify;">- O quê? - Perguntei, indignada. - Eu acabei de escapar ao Assassino da Rosa Negra! O únic sítio onde estou segura é aí dentro.</div><div style="text-align: justify;">Ele aponta-me a arma.</div><div style="text-align: justify;">- Que quer dizer? Temos provas de que a senhor é a Assassina...</div><div style="text-align: justify;">Eu olho para ele, embasbacada.</div><div style="text-align: justify;">- Só podes estar a brincar comigo, miúdo!</div><div style="text-align: justify;">- Nós revistámos a sua casa... Encontrámos o resto do papel que a ex-<i>marine </i>tinha no bolso em sua casa...</div><div style="text-align: justify;">- Mas eu nunca vi aquela mulher na minha vid... -Sinto o meu peito colapsar. - Oh meu deus... Ele esteve em minha casa...</div><div style="text-align: justify;">Dou um passo em frente e oiço o clique da arma de Frederic.</div><div style="text-align: justify;">- Eu não te vou fazer mal... Fui incriminada.</div><div style="text-align: justify;">Mostro-lhe a perna. Ele olha para mim, indeciso.</div><div style="text-align: justify;">- Achas mesmo que se eu fosse o assassino ia deixar em <i>minha</i> casa algo que me ligasse à vítima? E aposto que receberam um telefonema anónimo a darem-vos um empurrãozinho na minha direção...</div><div style="text-align: justify;">Ele ergue uma sobrancelha.</div><div style="text-align: justify;">- Bem me parecia. - Digo, arrastando-me até ao acento.</div><div style="text-align: justify;">- Karen, põe as tuas mãos onde eu as possa ver... - Diz uma voz conhecida.</div><div style="text-align: justify;">- Kyle... Também tu? - Pergunto, desiludida.</div><div style="text-align: justify;">- Desculpa, tenho de seguir as leis. - ele aponta com a cabeça em direção às traseiras, onde ficam as celas.</div><div style="text-align: justify;">Caminho para dentro de uma das celas. Nunca pensei ver as barras metálicas daquele lado...</div><div style="text-align: justify;">- Não devias ter voltado aqui, querida...</div><div style="text-align: justify;">Algo no meu âmago gelou. Aquela entoação daquela palavra, já a tinha ouvido antes. AS minhas suspeitas são confirmadas. Um toque de telefone. <i>Aquele</i> toque. O toque que eu ouvira antes de o Assassino atender.</div><div style="text-align: justify;">- Cabrão! És tu! - Exclamei.</div><div style="text-align: justify;">Ele pegou no telefone. Alguém falou. Ele acenou.</div><div style="text-align: justify;">- Tenho de ir. Até logo, querida... - Despede-se, tal como o assassino fizera.</div><div style="text-align: justify;">- Marshall, não vais sair impune disto! - Grito enraivecida.</div><div style="text-align: justify;">Sinto o peso do mundo cair-me sobre os ombros. Estou a ser acusada de crimes atrozes que não cometi, e o meu colega, o meu parceiro, era o verdadeiro autor daqueles crimes. Faz sentido. Um polícia teria fácil acesso à minha morada. Ele podia muito bem ter-me tirado as chaves de casa quando me capturara. Só um polícia saberia que provas procuraria para não as deixar para trás e desvanecer-se como um fantasma. E afinal, que sabia eu de Marshall? Nada. Apenas que ele tinha começado a trabalhar comigo pouco depois de a ex-<i>marine</i>, a última vítima do Assassino da Rosa Negra, ter sido encontrada. Fazia sentido. Ele estava a assistir de perto à investigação, aos meus movimentos. E se eu, tal como ele, era uma polícia, então também eu poderia ser a Assassina.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passaram meses. Enfrentei hoje o julgamento. Declararam-me culpada e sentenciaram-me a prisão perpétua. olho desgostosa para Marshall. Ele havia plantado todas as provas. Provavelmente teria guiado os polícias até à casa. Era uma das provas que haviam usado: O corpo de Tania, com uma bala da minha arma. As minhas impressões digitais na casa. Sangue das vítimas seco dentro da casa. Tinham um caso sólido contra mim. E agora, estou prestes a cumprir a pena de um assassino. Mas as coisas não vão ficar assim...</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-12912563056237381522011-05-18T20:03:00.000+01:002011-05-18T20:03:51.586+01:00A Rosa Negra - Capítulo 4<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Lutadora</u></span></div>Passam-se algumas horas, antes de eu reparar no cheiro. Aquele cheiro que eu reconheço tão bem. O cheiro a morte. Olho em volta, tentando descobrir o cadáver. Os meus olhos, já habituados à penumbra, detetam lá ao fundo uma sombra. Tento mover a cadeira. O som da madeira a arrastar no chão irregular de betão fere-me os ouvidos. Quando finalmente chego perto do corpo, constato que é a Tania. Uma lágrima corre-me pelo rosto. Procuro pela bolsa que ela costuma trazer à cintura. Ainda lá está. Faço a cadeira girar, e tento tirar-lhe a bolsa. O meu objetivo é encontrar o canivete que ela trazia sempre consigo. Inclino-me um pouco mais. A cadeira perde o equilíbrio, caindo sobre o corpo. Sinto um dos meus pulsos torcer num ângulo duvidoso e trinco o lábio para trancar na garganta um grito de dor. Mexo-me mais um pouco. Encontro o fecho da bolsa. Tento, em vão, abri-la. As minhas pernas estão atadas à cadeira. Tento dobrá-las com toda a minha força, para fazer a madeira dos pés da cadeira ceder. Só mais um pouco...</div><div style="text-align: justify;"><i>Crack!!</i></div><div style="text-align: justify;">- Aahhhh! - Grito, chorando de dor.</div><div style="text-align: justify;">Havia conseguido partir as pernas da cadeiras, mas pago um grande preço por isso. Olho para baixo, gemendo ao ver um bocado de madeira espetado na minha perna. O sangue escorria-me pelas calças de ganga, quente e espesso. Inclino a cabeça para trás. Apesar das dores, tento erguer-me, passando as mãos por trás das costas da cadeira. Quando finalmente as minhas mãos se vêm livres das costas da cadeira, tento alcançar de novo a bolsa. É-me extremamente difícil abrir o fecho, pois não consigo vê-lo e ainda sinto o meu pulso latejar de dor. Mas a dor na perna trespassada sobrepõe-se rapidamente a tudo o resto. <i>Zip. </i>Consigo finalmente alcançar o interior da bolsa e tiro o canivete. Procedo então à árdua tarefa de cortar as cordas que me prendem as mãos.<br />
Passam cerca de dez minutos até eu conseguir arrancar as cordas. Analiso o pulso. Não está inchado nem roxo, deve ter sido apenas um mau jeito. Olho para a perna. Felizmente, o bocado de madeira não espetou muito fundo. Arranco-o, trincando o lábio. O som da madeira roçar a carne é enjoativo. Olho em volta, mas tudo o que vejo são paredes de betão. Rastejo em direção à porta. Trancada! Volto a servir-me do canivete para arrombar a fechadura. A porta abre-se com um bem-vindo <i>click</i>. Arrasto-me com a perna ferida latejante pelas escadas que me parecem conduzir a uma casa. Abro o alçapão. Um tapete pesado cobre a abertura, dificultando-me o trabalho. Mas eu não posso desistir agora. Não, não vou deixar que o Assassino da Rosa Negra me entregue ao mesmo destino das sua vítimas. Se vou morrer, não o farei sem luta. Arrasto-me pela pequena sala. O meu sangue manchou o chão. Mas um assassino em série é uma mente bem ordenada. Sabe sempre como deixou as coisas. Procuro por algo com que possa limpar o chão e estancar a ferida. Encontro um velho lençol no topo de um armário e improviso. Depois de limpo o chão, volto a pôr o tapete tal e qual como estava antes de eu ter saído. Assim, terei o elemento surpresa quando ele voltar a casa. Encontro a minha arma numa arca num dos quartos pequenos. Dou-me ao luxo de observar a casa onde estou. É antiga, pouco usada, com chão em madeira, paredes cobertas de um papel gasto verde e decadente que deixa ver o cimento das paredes através de alguns rasgões. As janelas estão todas fechadas, assim como a porta de entrada. Tento espreitar lá para fora pelo orifício da porta. À minha frente está uma estrada, antiga de terra batida, e floresta à volta. Estou no meio do nada. Oiço o som de um carro. Ele vem aí!<br />
Oiço atentamente os passos dele. Carrego a minha arma. A porta abre-se. Já vem encapuçado. Espera? Será que isso quer dizer que ele já sabe que eu estou livre? Não, ele continua a caminhar. Aponto a arma. Ele trava ao som do metal.<br />
- Nem. Mais. Um. Passo. - Ordeno friamente.<br />
- Mmmm... - Diz ele, com a voz distorcida por um aparelho preso à máscara. - És a primeira que consegue escapar.<br />
- E serei a última que capturas-te, filho da mãe.<br />
Ele olha para mim. Na sua mão pende uma Rosa Negra, a sua imagem de marca.<br />
- A Rosa da Morte, é como lhe chamo. - Comenta.<br />
Ele, num movimento rápido, aponta-me também a sua pistola. Ficamos num impasse. Que estás a fazer, parva? Dispara! <i>click. </i>O gatilho... Primo o gatilho mas a arma não dispara. Ele solta um riso diabólico.<br />
- Achas mesmo que eu ia deixar-te o carregador cheio? Não sou parvo. Sugiro que voltes lá para baixo... - Diz-me, com uma voz gelada.<br />
Baixo os braços. Não me vou deixar apanhar assim tão facilmente. Num movimento ágil e rápido, tiro o canivete do bolso e atiro-o. A lâmina espeta-se no seu ombro, a arma desvia-se, dispara e parte o vidro de uma janela da cozinha. Salto para cima do balcão, rebolo pelos estilhaços, sentido alguns cortarem-me os braços, caio na relva do exterior. De seguida corro acocorada até ao carro, e entro lá dentro. Não há chaves, como seria de esperar. Mas ainda tenho um truque na manga. Baixo-me e tento fazer ligação direta ao carro. O motor funciona. Arranco sem hesitar. As minhas mãos soadas escorregam no volante. Ele dispara novamente, partindo uma das janelas do carro. Sinto a bala arranhar-me a testa, dou meia volta ao carro e acelero pela estrada fora, sabendo apenas que me vai levar para longe dele. </div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-29918412878589463442011-05-07T23:52:00.005+01:002011-05-08T00:13:19.273+01:00Perto ao Longe<div style="text-align: justify;">Sinto-o perto. Sempre, desde que o conheci. Sempre nos demos bem, sempre contámos confidências um ao outro. Mas nunca tive coragem de lhe contar o segredo que melhor guardo. Nunca tive coragem de lhe dizer o que realmente sinto por ele. Todos os dias o via chegar-se perto de mim, cumprimentar-me. Todos os dias tinha vontade de tocar os seus lábios com os meus, abraçá-lo ternamente, sussurrando ao seu ouvido o que sentia. Mas isso não poderia acontecer. Eu era um rapaz. E ele também. Eu tinha medo das palavras ásperas dos que nos rodeiam. Pior, tinha medo de perder a sua amizade se ele alguma vez soubesse o que sentia por ele. E sempre fui aguentando, porque ter a sua amizade, era sempre melhor do que não ter absolutamente nada. Um dia ele confessou-me que havia algo que o incomodava. Mas não me queria dizer o que era. E eu nunca iria a saber até mais tarde. Dois dias depois de me ter contado que algo o perturbava, ele foi a uma festa de uns amigos. Eu tinha um mau pressentimento. Nessa noite, não dormi. Na minha cabeça ecoavam os avisos que eu lhe tinha feito antes de ele sair de minha casa: "Não conduzas embriagado, ou com sono, ou drogado, melhor, não te drogues, por favor? Já não te peço para não beberes, mas pelo menos não conduzas se o fizeres.". Ele gracejou que eu parecia a sua mãe e saiu. Mas não havia meio de eu não ficar preocupado. Foi na manhã seguinte, a um sábado, tocaram à porta às nove. A mãe e o pai já tinham saído para ir às compras. Eu atendi a porta, pensado que eles se teriam esquecido de algo. Afinal era a mãe dele. Ela tinha uma olheiras negras e profundas, quase como covas de um cadáver em tardio estado de decomposição. Soube que ela era a mensageira da morte. Uma única palavra bastou. Não foi "morreu", nem sequer foi o seu nome. Foi o meu nome. Ela proferiu o meu nome, num suspiro solto, que ansiava por se libertar. Eu não consegui mexer-me. Ela esticou-me o braço, entregando-me um papel que trazia com ela. Era uma folha branca. Toquei-lhe. Não era um folha branca qualquer. Era daquelas folhas do bloco de desenhos dele. Já as conhecia pela textura sedosa. Olhei para o papel. As lágrimas já só me deixavam ver indistintamente a sua letra desenhada, redonda, direita. Finalmente, consegui ler o que ele tinha escrito.</div><div style="text-align: justify;">"<i>Dia 1. Contei ao meu melhor amigo que algo me preocupa. Ele perguntou-me o que era. Mas como posso eu, um rapaz, dizer a outro que... Que o amo? Ele provavelmente diria 'Sim, também te amo como a um irmão'. Mas não, não o amo como a um irmão. O amor que sinto por ele, é aquele amor que me faz querer abraçá-lo, sussurrando-lhe coisas românticas ao ouvido, beijá-lo ternamente quando ele precisar de apoio. Mas não quero perder a amizade que tenho com ele, que, apesar de não tão boa como o seu amor, é algo que me acalma esta dor, esta ansiedade... Que batalha decorre no meu coração... Tive de escrever, de desabafar... Não sei o que fazer..." </i>O papel estava um pouco borrado. Era uma lágrima sua. "<i>Quero tanto estar com ele... Só me apetece morrer. Mas tenho medo da morte... Da morte que sinto que se aproxima de mim a cada batimento do meu coração. Do meu coração que já não bate por mim, mas sim por ele. Amo-o. E quero tanto dizer-lhe isso. Mas não sei como."</i></div><div style="text-align: justify;">Primeiro, perguntei-me a mim mesmo. Como foste capaz de não me dizer? Como foste capaz de me ocultar isso? Como foste capaz de beber demais, não seguir os meus conselhos e morreres num acidente estúpido de automóvel? Como fui eu capaz de te deixar ir, sem te dar aquele beijo, aquele abraço... Que agora ficam aqui perdidos, no tempo, nos "e ses" que atormentarão ternamente a minha vida. Abraços e beijos, que imagino dar-te, agora que olho para a lápide à cabeceira da tua sepultura. Estás perto... Mas tão longe... Inalcançável. Nunca mais voltarei a ouvir a tua voz, a ver o teu sorriso, a sentir o teu cheiro. Nunca mais poderei saber como era abraçar-te, ouvir o teu sussurro no meu ouvido, sentir os teus lábios tocar os meus. E assim, fica a minha vida dominada por tristes e melancólicas suposições, e imaginações e nostálgicas recordações de quem eras, mas já não és.</div><div style="text-align: justify;"><i><br /></i></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-89357285810122873132011-05-01T14:00:00.000+01:002011-05-01T14:00:27.943+01:00A Rosa Negra - Capítulo 3<div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Atacada</u></span></div><div style="text-align: justify;">- Temos um novo avanço no caso do Assassino! - Exclama Tania Glyde, a chefe do departamento de homicídios.</div><div style="text-align: justify;">Ela é uma mulher fogosa, de cabelos ruivos encaracolados e entroncada. Apesar de agressiva para com os criminosos, é amável para nós. Entre os agentes, dizemos que ela é a Boudica e nós os celtas sob o seu domínio e proteção.</div><div style="text-align: justify;">- Temos? - Interrogo, estupefacta.</div><div style="text-align: justify;">- Parece que há uma testemunha ocular! - Informa, guardando o seu distintivo e a sua arma. - Vem comigo, vamos falar agora com ela.</div><div style="text-align: justify;">Marshall abriu a boca, para dizer qualquer coisa, mas não lhe saiu nenhum som. Estava tão surpreendido quanto eu.</div><div style="text-align: justify;">- Mas, isso é impossível! Ele foi sempre tão cauteloso... - Comenta, seguindo-me a mim e a Tania.</div><div style="text-align: justify;">- Parece que não! - Replica a nossa chefe.</div><div style="text-align: justify;">- Então vão vocês, eu tenho de fazer um telefonema! - Suplica, correndo para a sua secretária.</div><div style="text-align: justify;">A casa é nos arredores de Londres. Uma casa simples de madeira, típica daquela zona. A chuva começa a cair, molhando a terra do campo já saturada de água.Tania e eu corremos para a casa, tentando escapar das gotas de chuva. Ela bate à porta, mas ninguém responde.</div><div style="text-align: justify;">- <i>Miss </i>Saint-Lane?! - Chama, sem obter resposta. - Somos da <i>Scotland Yard</i>. Podemos entrar?</div><div style="text-align: justify;">Ouço o ferrolho da fechadura arrastar-se pesadamente. A porta abre-se, revelando uma mulher de cabelos castanhos, dentro dos seus trinta anos, deitada no chão. Uma das suas mãos agarrava o pescoço. O sangue jorrava-lhe descontroladamente de um golpe na garganta. Eu e Tania acudimo-la, mas morreu-nos nos braços poucos segundos depois. Algo se moveu na outra ponta da casa.</div><div style="text-align: justify;">- Eu vou lá. - Sussurra-me ela. - Cobre-me.</div><div style="text-align: justify;">Ela tira a sua <i>Glock</i> do coldre, e eu imito-a, caminhando agachada. A casa cai num silêncio desconcertante. Parece que consigo detetar cada gota que bate no telhado da casa de um andar. O vento uiva por entre as traves antigas de madeira, adicionando ainda mais stress àquela situação. Sinto movimento atrás de mim. Uma mão enluvada prende-me o braço e outra tapa-me a boca antes que eu consiga gritar. Tania apercebe-se que algo está errado e gira sobre si mesma. A sua cara reflete surpresa. Ela aponta a sua arma ao meu atacante. Está prestes a dizer qualquer coisa, quando sinto a mão enluvada do atacante enrolar-se na minha, premindo o gatilho da minha arma, atingindo Tania entre os olhos. O estrondo faz-me dar um salto, e um círculo vermelho surge-lhe na testa em segundos. O sangue escuro corre-lhe pela cara, e o seu corpo cai inanimado. O atacante torce-me o braço, roubando-me a arma, e atinge-me com a coronha na nuca, fazendo-me perder os sentidos.<br />
<br />
Quando acordo, estou num sítio completamente desconhecido. Estou amarrada a uma cadeira de madeira, no centro do que me parece ser um pequeno armazém. Sinto o chão de betão por baixo dos meus pés. Tento libertar-me, em vão. A minha boca está selada com um pedaço de fita adesiva, que me impede de gritar por ajuda. Um único raio de luz proveniente de um buraco no tecto ilumina uma pequena área à minha volta. O resto do sítio está oculto na penumbra. Deteto movimento atrás de mim.<br />
- Não devias ter ido até àquela casa. - Diz uma voz distorcida por um aparelho eletrónico.<br />
- Mm! Mmmmm! - Tento responder.<br />
Ele caminha, sempre na escuridão, andando às voltas. Apenas consigo distinguir um vulto alto. Uma lágrima de frustração corre-me pela cara.<br />
- Não chores, minha querida... Sei que há anos que andas atrás de mim...<br />
Os meu olhos abrem-se de espanto e medo. Ele atira uma rosa para o chão, que caí em frente aos meus pés. As pétalas da flor são negras como a noite, frescas, ainda libertando o aroma tão característico. Fecho os olhos, tentando lembrar-me de alguma parte do caminho. Nada. Um telemóvel toca.<br />
- Tenho de ir. Até logo, querida... - Despede-se friamente.<br />
Oiço uma porta pesada de metal abrir e fechar atrás de mim. O Assassino da Rosa Negra tinha estado na mesma sala que eu. O meu coração bombeia-me o sangue rapidamente, enchendo-me as veias de adrenalina. Mas nem assim consigo libertar-me daquelas cordas apertadas.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-89595355394838994262011-04-28T22:06:00.001+01:002011-04-29T23:00:05.322+01:00A Rosa Negra - Capítulo 2<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><u><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;">Beco Sem Saída</span></u></div>- O último número que lhe ligou foi este aqui. - Informa o homenzinho baixo de cabelos escassos.</div><div style="text-align: justify;">- Mm... Já contactaram o proprietário do aparelho com este número de telemóvel? - Interrogo.</div><div style="text-align: justify;">- Já tentámos, mas parece que era de um aparelho descartável, que já não está ativo... - Revela.</div><div style="text-align: justify;">- Então há boas hipóteses de que fosse o Assassino da Rosa Negra a última pessoa a ligar-lhe, correto? - Pergunto, ansiosa.</div><div style="text-align: justify;">- Sim. Está aqui a morada da família. Talvez consiga descobrir mais alguma coisa se falar com eles.</div><div style="text-align: justify;">Aceito o papel que me dá. O nome da Vítima é Susan Hale. Os seus pais são Mary e Joshua Hale. Olho para Marshall. Ele tira as chaves do carro do bolso e segue à minha frente para o exterior da <i>New Scotland Yard</i>.</div><div style="text-align: justify;">A família Hale mora numa pequena casa em estilo francês, rodeada de flores, nos arredores de Londres. Respiro fundo, preparando-me para a carga emocional que é contatar com a família de uma vítima que, provavelmente, ainda não sabe que o seu ente-querido faleceu de forma violenta e humilhante. Marshall pergunta-me educadamente se quero mesmo fazer aquilo.</div><div style="text-align: justify;">- Não quero, mas tenho de fazer, faz parte do trabalho. - Comento, abrindo a porta e caminhando para o alpendre.</div><div style="text-align: justify;">Marshall toca à campainha. Demoram a responder. Uma mulher de idade avançada, de cabelos prateados e semblante austero abre a porta.</div><div style="text-align: justify;">- Que querem? - Pergunta, grosseiramente.</div><div style="text-align: justify;">- A senhora é... - Interroga o meu parceiro.</div><div style="text-align: justify;">- Meredith Hale, quem quer saber? - Pergunta, esticando o pescoço para admirar o metro e oitenta de Marshall lá do fundo do seu pouco mais de metro e meio.</div><div style="text-align: justify;">- Somos do departamento de...</div><div style="text-align: justify;">- Somos da <i>Scotland Yard, </i>minha senhora. - Corto, lançando um olhar reprovador a Kyle. - Gostariamos de lhe fazer umas perguntas sobre a Susan.</div><div style="text-align: justify;">- A minha neta? Que quer a polícia dela? - Interroga, surpreendida. - Ela é tão boa menina.</div><div style="text-align: justify;">O orgulho na sua voz faz-me pesar ainda mais o coração. Nunca aprendi a lidar com esta situação. Ela dá-nos passagem, após mostrarmos os nossos distintivos dourados. Na sala, está um jovem sentado, a assistir à televisão.</div><div style="text-align: justify;">- Avó, quem é? - Pergunta, desinteressado.</div><div style="text-align: justify;">- São da polícia, querido. Querem fazer perguntas sobre a tua irmã...</div><div style="text-align: justify;">- Da polícia? - Diz, erguendo-se.</div><div style="text-align: justify;">O seu cabelo é curto e castanho, os seus olhos verdes fazem-me lembrar os olhos vidrados de Susan. Treta, já estou a desenvolver sentimentos pela vítima. Observo o jovem. Ele é entroncado, e veste uma t-shirt verde justa. Militar.</div><div style="text-align: justify;">- De que departamento são? - Inquire, desta vez mais interessado. - A minha irmã não fez nada de mal.</div><div style="text-align: justify;">- Somos do departamento de homicídios... - Revela Marshall, antes que eu tenha tempo de dizer algo mais. - Temo que a sua irmã faleceu hoje de madrugada, pela uma da manhã, em Londres.</div><div style="text-align: justify;">A mulher idosa deixa cair a bengala, pondo a mão no peito. O homem, apesar de em estado de choque, corre a socorrer a sua avó. Depois de lhe trazer um copo de água, pede a Marshall e a mim para falarmos com ele em privado.</div><div style="text-align: justify;">- O que é que aconteceu à Susie? - Pergunta, com voz trémula.</div><div style="text-align: justify;">- Acreditamos que ela tenha sido assassinada por um <i>serial-killer</i>, a que chamamos o Assassino da Rosa Negra.</div><div style="text-align: justify;">- Espera, esse tipo não tinha deixado de matar pessoas há um ano ou assim? - Diz, agitado.</div><div style="text-align: justify;">- Sim. - Respondo. - Mas, a sua irmã corresponde ao padrão que ele seguia. E as circunstâncias do crime são as mesmas que outros crimes praticados pelo Assassino da Rosa Negra.</div><div style="text-align: justify;">- Só queremos saber se ultimamente a sua irmã tem agido de forma estranha, ou se tem algum inimigo que lhe quisesse mal. - Afirma Marshall.</div><div style="text-align: justify;">- Ela... Nestes últimos tempos parecia assustada. Anteontem recebeu um telefonema de um tipo qualquer que a deixou assustada, por isso pedi uns dias para ficar cá em casa com ela, para a proteger. Parece que não... - A sua voz falha-lhe, e os seus olhos húmidos deixam escapar uma lágrima que lhe corre por cada face. - Parece que não serviu de nada...</div><div style="text-align: justify;">Acabamos por nos despedir dele, já que não conseguimos mais nenhuma informação relevante, para além de que a Susan se dava bem com toda a gente que conhecia. Mas, a mim parece-me que o Assassino da Rosa Negra deve estar desesperado por não matar há tanto tempo. Não era hábito dele ligar às vítimas antes de as matar. Sento-me ao volante, pensativa.</div><div style="text-align: justify;">- Queres que eu conduza? - Oferece-se Marshall.</div><div style="text-align: justify;">- Não... Obrigado. - Recuso. - Estava só a pensar... Há algo que não bate certo aqui...</div><div style="text-align: justify;">Ligo o motor, ainda a matutar no caso. De algo eu tenha a certeza: o Assassino da Rosa Negra voltou a atacar.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-26106332533346349622011-04-27T21:29:00.000+01:002011-04-27T21:29:53.282+01:00A Rosa Negra - Capítulo 1<div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Um Dia Como Todos os Outros</u></span></div><div style="text-align: justify;">Uma. Duas. Quatro. Nove. Milhares. Finalmente. As nuvens ameaçam já há algum tempo despejar a sua carga líquida nas ruas Londrinas escuras. Mas aquele beco, outrora enegrecido pelas trevas, é agora iluminado pelas berrantes luzes vermelhas e azuis dos carros da Polícia. A fita amarela com letras pretas dava a mensagem de passagem proibida. Um detetive, meu parceiro, aproxima-se, vindo de um dos carros que acabara de chegar.</div><div style="text-align: justify;">- Bom dia, Karen. - Cumprimenta, amigavelmente.</div><div style="text-align: justify;">- Olá, Marshall. - Respondo, aceitado o copo de café que me oferecia.</div><div style="text-align: justify;">Quando era nova, sempre preferira o chá. Muito britânico. Mas desde que Ryan Marshall, americano de nascença, começou a trabalhar comigo, tenho bebido mais café. Ajuda-me a não adormecer quando tenho casos para tratar a altas horas da noite. Lanço um olhar ao médico legista, que me revela o que está escrito nos papeis que tem na mão.</div><div style="text-align: justify;">- Vítima do sexo feminino, entre os vinte e cinco e os trinta anos, morreu estrangulada, com ferimentos que indicam uma luta contra o atacante... Ah, e tem um traumatismo <i>post mortem</i>, o que, juntamente com o facto de não haver aqui sangue nenhum, indica que o corpo foi removido do local original do crime.</div><div style="text-align: justify;">- Temos de nos apressar, antes que a chuva apague as provas. - Comenta Marshall, com o seu sotaque americano, dando-me passagem por entre dois veículos.</div><div style="text-align: justify;">A mulher é loira, e está deitada de cabeça para baixo. Um dos seus braços repousa de uma forma retorcida em cima das suas costas, mostrando alguns cortes profundos, mas limpos. Agacho-me, colocando a luva fina de borracha.</div><div style="text-align: justify;">- Tudo de acordo com o relatório... - Informo, virando a cara da vítima.</div><div style="text-align: justify;">Os seus olhos verdes vidrados são perturbadores. Nunca me habituei aos olhos dos mortos.</div><div style="text-align: justify;">- Provavelmente foi violada durante a noite. - Diz Marshall, olhando para o céu e estremecendo. - Odeio o vosso tempo.</div><div style="text-align: justify;">- Eu também. - Retorquo, analisando a garganta da vítima. - Parece que tem a garganta inchada... Pode ser a causa da asfixia...</div><div style="text-align: justify;">- Talvez seja melhor esperarmos pela análise do médico Legista, não?</div><div style="text-align: justify;">- Espera, acho que consigo puxar... - Afirmo, pondo os dedos dentro da boca do cadáver.</div><div style="text-align: justify;">Sinto algo fino tocar-me os dedos. Agarro-o e puxo. Parece um fio grosso, verde. O caule de uma planta? Espinhos cobertos de sangue coagulado surgem. O meu coração bate acelerado. Não pode ser. Não. Depois de tanto tempo. Não pode. Finalmente, o caule revela-se ser de uma rosa. Mas não uma rosa qualquer. Uma rosa negra, de pétalas cuidadas. Se não é ele, é um copiador, mas dos bons.</div><div style="text-align: justify;">- Marshall...</div><div style="text-align: justify;">- Isso é o que estoua pensar Karen...? - Interroga.</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Liga para a sede. - Ordeno. - Diz-lhes que o Assassino da Rosa Negra está de volta.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O caos instala-se no edifício da <i>New Scotland Yard</i>. O departamento onde trabalho está agitado, como há muito já não o vira. O vil Assassino da Rosa Negra está de novo ao activo. Seis anos antes, durante cinco anos, duas vezes por mês, aparecia o corpo de uma jovem vítima, morta por estrangulamento, com uma Rosa Negra entalada na garganta. Nunca houve vestígios, e muito poucas pistas foram encontradas que apontassem para o Assassino. Tornou-se um dos mais temidos <i>Serial-Killers,</i> não só pela população, como também pela <i>Scotland Yard. </i>Marshall está neste momento a ligar à mulher dele. Ela encaixa no padrão do assassino. é loira de olhos verdes. Só uma das vítimas escapou ao normal. Encontrámos uma mulher de cabelos negros, morta nas mesmas condições, com a Rosa Negra na garganta. Mas ela fora uma lutadora. Era uma ex-<i>marine,</i> que lutou bastante contra o assassino. A única coisa que conseguimos foi um pedaço de papel com um número incompleto. Então, deu-se o intervalo de um ano. Pensámos que talvez ele fora ferido em combate e tivesse morrido, na melhor das hipóteses. Ou ficado inválido. Mas pelos vistos, tal não tinha acontecido. Ele voltara. Cinco longos anos procurei por ele, sem nenhuma pista. Mas desta vez, eu estava com o pressentimento que conseguiríamos descobrir algo.</div><div style="text-align: justify;">- Já avisei a Tara. - Informa Marshall, guardando o telemóvel. - Ela vai levar o Cory para casa da mãe dela.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, o melhor é deixarem o vosso filho num local onde não corra risco... - Concordo. - Espero que voltem depressa os testes ao corpo... Acho que vou passar lá por baixo para dar uma olhada aos pertences da vítima, vens comigo?</div><div style="text-align: justify;">- A caminho, vou só fazer mais um telefonema. - Avisa, agarrando no telefone fio da sua secretária.</div><div style="text-align: justify;">- Vais ligar à amante? - Gracejo.</div><div style="text-align: justify;">- Com um <i>serial-killer </i>à solta mas mantens o sentido de humor, hun? - Ri-se, revirando os olhos.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-2875000472991446082011-04-27T13:04:00.001+01:002011-04-27T13:04:33.347+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Epílogo<div style="text-align: justify;">A folha cai-lhe no cabeça, fazendo-o coçar os cabelos castanhos. Jaime olha para o homem que o acompanha.</div><div style="text-align: justify;">- Então, que vamos fazer par a festa? - Pergunta Jaime, ansioso.</div><div style="text-align: justify;">- Não faço a mínima ideia! - Responde Quim. - Acho que devíamos deixar o aniversariante escolher como quer passar o seu décimo aniversário, a passagem para a idade dos dois dígitos! Que te parece, Quico?</div><div style="text-align: justify;">Olho para ele, pensativo. Dez anos. Parece-me realmente muito. Imenso, na verdade.</div><div style="text-align: justify;">- Não sei! - Exclamo, esticando os braços. - Mas quero algo graaande. Enorme aliás!</div><div style="text-align: justify;">Eles riem-se, olhando para mim com ternura. Dez anos. É muito tempo. Mas não tanto como doze. Quando eles casaram. E mais seis, quando eles começaram a namorar. O Pai Jaime e o Pai Quim já estão juntos à doze anos mais seis. E tal como o Avô Fred e o Avô Carlos, amam-se muito. Eu não entendo como um homem pode amar outro. Eu Só gosto de raparigas, aliás, até tenho uma namorada...</div><div style="text-align: justify;">- Oh sim, temos de convidar a Belinha! - Informo, mencionando a minha namorada.</div><div style="text-align: justify;">- Claro! - Replicam em uníssono.</div><div style="text-align: justify;">Não. Não compreendo o amor. Mas nem mesmo o amor que um rapaz sente por uma rapariga. É apenas isso. Amor. Os meus dois pais amam-me. E amam-se. Não há problema nenhum nisso. Algumas pessoas da aldeia não gostam disso. Mas quem são elas? Velhas mexeriqueiras. Nada mais. Chapinho com o pé numa poça de água.</div><div style="text-align: justify;">- Podíamos ir ao circo, não? Ouvi dizer que vai estar lá na cidade... - Comenta o Pai Quim.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, mas temos de convidar a Belinha. - Repito.</div><div style="text-align: justify;">- Ela não pode faltar, não. - Confirma o Pai Jaime.</div><div style="text-align: justify;">E assim caminhamos pela aldeia, sob o sol alaranjado de Outono, pensando como vai ser o dia de amanhã. O dia em que eu faço dez anos. Tanto tempo... Dez anos... Mas não tanto como doze mais seis. Como o tempo que o Pai Jaime e o Pai Quim estão juntos. E muito menos do que doze, mais seis, mais dezassete, mais três. O Avô Fred e o Avô Carlos já estão juntos há tanto tempo... Esse tempo todo, a amarem-se como se fosse o primeiro dia... Mas já lá vão doze, mais seis, mais dezassete, mais três anos, desde que se conheceram.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-40345595441373856712011-04-27T12:47:00.001+01:002011-04-27T20:56:50.555+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro IV - Capítulo 2<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Herói Escondido</u></span></div>Quim engole sofregamente o bocado de pão que acabara de mastigar. ele fita-me, com os seus olhos castanhos ainda húmidos.</div><div style="text-align: justify;">- Então, vais-me contar porque é que te foste embora...? - Pergunta.</div><div style="text-align: justify;">- Tu ias-te matando por minha causa. Se eu não tivesse aparecido, a tua avó ainda estaria viva e tu não te terias atirado daquela torre. - Afirmo, sentando-me na cadeira em frente a ele.</div><div style="text-align: justify;">Ele olha para mim. Os meus olhos estão pregados no chão.</div><div style="text-align: justify;">- Desculpa teres assistido à minha queda... Eu lembro-me de te ouvir chamar... - Comenta.</div><div style="text-align: justify;">- Oh ele fez mais do que assistir... - Começa o meu pai.</div><div style="text-align: justify;">- Pai! - Corto. - Agora não, por favor.</div><div style="text-align: justify;">Frederico deteta o olhar confuso de Joaquim.</div><div style="text-align: justify;">- Não lhe contaste? - Pergunta, escandalizado.</div><div style="text-align: justify;">- Não me contou o quê? - Interroga Quim.</div><div style="text-align: justify;">Araújo contorce-se, desconfortável. O sobrinho dele percebe que estamos a esconder-lhe algo. Quim ergue-se.</div><div style="text-align: justify;">- O que é que me estão a esconder.</div><div style="text-align: justify;">- Quem te salvou a vida. - Revela Araújo. - Mas é melhor explicares-lhe tu, Jaime.</div><div style="text-align: justify;">Eu olho furioso para o velho. Eu não quero recordar aquilo que se passara um ano antes, no campanário da Igreja. Não quero relembrar a dor... A dor psicológica e física.</div><div style="text-align: justify;">- Conta-me, por favor. - Suplica Quim.</div><div style="text-align: justify;">Eu suspiro, preparando para lhe contar o que se passara naquela noite.</div><div style="text-align: justify;">- Eu fui ter contigo à Igreja, e vi-te lá em cima. Corri que nem um desalmado para lá chegar antes de te atirares. Quando finalmente alcancei o topo, já te estavas a soltar. Eu chamei por ti, e segurei-te o braço. Bateste com o peito na parede da torre, e perdeste os sentidos... A tua mão começou a escorregar, e eu não estava a aguentar contigo, por isso... Atirei-me, envolvi-te com os meus braços, e quando atingimos o chão, rebolei, para dissipar alguma energia... Ainda assim tu partiste uma perna e eu parti uma perna e desloquei um ombro...</div><div style="text-align: justify;">Sinto uma lágrima escorrer pela minha face, ao relembrar-me do que sentira, do ar a passar pelo meu corpo, do meu estômago parecer subir-me à garganta.</div><div style="text-align: justify;">- Porque é que... Porque é que o fizeste? - Sussurra Quim, pegando-me na mão.</div><div style="text-align: justify;">- Porque não suportava a ideia de te ver ali, caído, morto no chão, sabendo que pelo menos poderia tentar alguma coisa para te ajudar...</div><div style="text-align: justify;">- E porque te foste embora quando eu mais precisava de ti?</div><div style="text-align: justify;">- Tu... Eu... Não sei... Não te queria fazer sofrer mais do que fiz... - Digo, olhando para o tecto.</div><div style="text-align: justify;">- Tu não me fizeste sofrer... Nem tu nem ninguém. Foi apenas obra do destino. Mas eu preciso de ti. Preciso do teu apoio, do teu abraço... Eu amo-te, Jaime...</div><div style="text-align: justify;">Araújo endireita as costas com aquela revelação. É-lhe ainda difícil de enfrentar o facto de que o seu sobrinho nutre aquele sentimento por outro rapaz. </div><div style="text-align: justify;">Eu envolve-lhe o pescoço com os braços, puxando-o para mim, beijando-o carinhosamente. Quim corresponde, acariciando-me a cara e os cabelos. O beijo é interrompido por alguém a entrar de rompante na pequena cozinha.</div><div style="text-align: justify;">- Cristo! Frederico! Eu estava preocupado! Disseram-me que tinhas vindo para aqui! O que é que se passou, querido?! - Exclama o Pai Carlos.</div><div style="text-align: justify;">A sua voz morre num beijo caloroso dado por Frederico, que o faz corar. Carlos olha em volta e apercebe-se do que se passara.</div><div style="text-align: justify;">- Como estás, Quim? - Pergunta, amigavelmente.</div><div style="text-align: justify;">- Muito bem. Melhor do que nunca. - Afirma, olhando para mim com um sorriso rasgado.</div><div style="text-align: justify;">- Vocês deviam ter dito o que se passou. - Comenta o Pai Carlos. - Têm noção e que deixaram a Laika sozinha em casa?</div><div style="text-align: justify;">- Oh, onde é que ela está? - Interrogo, preocupado.</div><div style="text-align: justify;">- Trouxe-a comigo. Está no quintal a brincar com o Pluto... Acho que aqueles dois estão a seguir o exemplo dos donos... - Responde, rindo-se. - Mas fico feliz por vocês.</div><div style="text-align: justify;">Araújo ausenta-se, dizendo que se vai deitar. Os meus pais avisam que vão dar um passeio pela aldeia, antes de voltarem à Casa Amarela. Eu fico ali, sentado, olhando para Quim. Ele volta a beijar-me, desta vez mais calorosamente. Sinto a saudade nos seus lábios que se movem em uníssono com os meus, transparece o desejo na sua língua que toca a minha timidamente, demonstra carinho nas suas mãos que percorrem lentamente o meu corpo. Ele quebra o beijo, encostando a sua testa à minha.</div><div style="text-align: justify;">- Quero que isto nunca mais acabe. - Diz, mantendo os olhos fechados, como que fazendo um desejo. Quando os abre, fixa-os nos meus. - Promete-me que não te voltas a ir embora... Por favor, promete.</div><div style="text-align: justify;">- Eu prometo. Nunca mais vou ficar longe de ti. - Afirmo, beijando-o novamente.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-85157572028853678982011-04-26T21:10:00.003+01:002011-04-27T20:58:35.644+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro III - Capítulo 3<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>A Casa Amarela</u></span></div>Observo o pequeno cordeiro que adormecera no meu colo. O Ti Araújo observa o céu. Ele, tão bem como eu, sabe que dia é hoje. Um ano. Faz hoje exactamente um ano que a Avó faleceu. Faz hoje um ano que eu me tentei atirar do campanário da Igreja. E há um ano que não os vejo. Nem o Frederico, nem o Carlos, nem o... Jaime. Pura e simplesmente desvaneceram-se da aldeia. E sempre que tento trazer o assunto ao de cima, ninguém me diz nada. Ou ficam calados, ou desviam a conversa, fingindo que não sabem de quem estou a falar. Acaricio a lã macia do animal, encostando a cabeça ao tronco.</div><div style="text-align: justify;">- Quim. Anda lá, a missa em honra da alma da Alzira deve estar quase a começar...</div><div style="text-align: justify;">- Sim, Tio... Eu vou já, podes ir andando.</div><div style="text-align: justify;">Ele arrasta-se, cansado e velho, pelo campo, seguido de perto por Pluto. Observo a Lua, fraca, apagada pelo Sol que se ergue alto naquela tarde de Segunda-Feira. Arregaço uma das mangas da camisa negra, que deslizara até ao meu pulso. O antigo caminho de terra batida que leva à Igreja serpenteia à minha frente, e percorro-o, vagarosamente.</div><div style="text-align: justify;">A cerimónia havia começado minutos antes. Passou, lentamente, tal como o meu estado de espírito. Finalmente, o Padre Joaquim começou a citar a sua homilia.</div><div style="text-align: justify;">- Hoje estamos aqui reunidos para recordar alguém. Alguém cujo nome era conhecido por muitos, amado por todos. Alzira, carinhosamente tratada entre a sua família - ouve-se um burburinho e oiço alguém comentar que tinha sido a família que a matara. - sempre foi uma mulher de carácter forte, justo e honesto.</div><div style="text-align: justify;"><i>Justo. Justo? É justo o que ela me está a fazer passar? Não, Quim, não a culpes... Ela morreu por tua culpa.</i></div><div style="text-align: justify;">- Caminhei muitas vezes lado a lado com ela, discutindo sobre como decorar a igreja para as festas, como melhorar a vida aqui na aldeia. Ela sempre se mostrou disponível para tudo isso. Mas há um ano atrás, mesmo em frente a esta mesma Igreja, o seu coração frágil de anciã bateu pela última vez. Ela era uma amiga, um irmã, uma... - O Padre hesita, olhando para mim, fitando-me com os seus olhos expressivos e húmidos. - uma avó. Palavras duras saíram da sua boca. Palavras que ela certamente se arrepende de ter dito, palavras que poderiam ter destruído mais uma vida, para além da dela...</div><div style="text-align: justify;">O meu coração contorce-se, o meu estômago dá um nó. Não aguento e sinto a água escorrer-me pelos olhos. Giro sobre os meus calcanhares, saí a correr da Igreja, chorando. Corro, sem destino. Corro para me escapar. Salto o muro. A porta emoldurada pela parede amarela barra-me o caminho, mas pontapeio-a com todas as minhas forças, que já são poucas. Ela cede, dando-me passagem. Atravesso a cozinha, subo as escadas e entro de rompante no quarto dele. No quarto agora vazio de Jaime. É a primeira vez em doze meses que volto a entrar naquela casa assombrada pela alegria outrora ali vivida. Ajoelho-me no chão, soluçando, gemendo.</div><div style="text-align: justify;">- Porque te foste embora?! Porque me abandonaste quando precisava de ti! Todos me abandonaram! Deus, a minha Avó, Jaime! Que mal fiz eu! - Berro. - Que mal fiz eu...?</div><div style="text-align: justify;">A minha voz morre-me na garganta e encolho-me, chorando. Nunca me disseram como sobrevivi à queda. Apenas me disseram que foi a sorte. Mas eu lembro-me da voz. A voz dele chamar pelo meu nome. É única coisa de que me lembro. Jaime a chamar por mim. Fecho os olhos. Tudo o que posso ver são so seus olhos verdes, alegres. Jaime a correr em frente a Laika, a sua cadela Serra-da-Estrela. Vejo-o sentado na cama, à minha frente, contando-me como eram as coisas em Lisboa. Recordo-me de lhe ensinar onde estavam as constelações, nas noites quentes do Verão que ele cá passara. Sinto de novo o seu corpo quente sob o meu, naquela noite em que entrei pela sua janela, trepando pela árvore perto da Casa Amarela. A voz dele, grave, sábia, alegre, enche-me os ouvidos. Mas é abafada pelos gritos da minha avó.</div><div style="text-align: justify;"><i>Larga-me, Larga-me! Ai, que me morro aqui!</i></div><div style="text-align: justify;">O seu corpo inerte, caído na poeira em frente à igreja. Encolho-me ainda mais, deixando-me cair no chão, em posição fetal. A minha testa toca os meus joelhos que tremem. Estou sem apoio, sem ninguém. A solidão avassaladora invade-me o corpo, toma-me a alma, corrói-me o ser.</div><div style="text-align: justify;">Sinto um patinhar tímido perto de mim. A língua húmida de Pluto lambe-me a orelha, fazendo-me cócegas. Soluço, abraçando-me ao seu pescoço enquanto ele gane. Os seus olhos tristes e castanhos observam-me, desesperados por me ajudar.</div><div style="text-align: justify;">- Está tudo bem, rapaz, eu estou bem. Não há problema. Vai ter com o Tio. Ele precisa de ajuda com as ovelhas. Eu fico bem. Vai.</div><div style="text-align: justify;">Ele caminha para a porta do quarto, hesitando. Vira-se para trás, ladrando-me gentilmente. Aceno-lhe com a cabeça e ele saí, de orelhas em baixo, cabeça caída e cauda entre as pernas. Espero até ter a certeza que ele se foi embora. Não quero que o único amigo que me resta me veja assim vulnerável. Uma lágrima escorre-me pela face. Volto a deitar-me, enroscado em mim mesmo. Nem mesmo a dor da foice a dilacerar a minha pele quando ainda era novo é mais forte que esta dor no meu peito. Já não tenho forças para chorar. As minhas pálpebras pesam-me. Adormeço. Os sonhos depressa me atormentam.</div><div style="text-align: justify;"><i>Corro. Estou quase a chegar à Igreja. Mas a avó já está caída no chão. Os seus olhos abrem-se, a sua boca abre e fecha, como um peixe fora de água. A sua voz ecoa, gritando-me para eu a soltar, insultando-me, por a ter morto. "Acabaste com a minha vida, seu bastardo, és uma maldição. És o Demónio, estás possuído. Naquela casa caminha a Besta como caminha Deus no céu!", berra, enchendo a minha cabeça que parece querer explodir. Choro. Grito pelo primeiro nome que me ocorre. "Jaime! Jaaaaaaaime! Voltaaaa!!" mas ele afasta-se cada vez mais sem olhar para trás. Laika caminha ao seu lado, puxando Pluto consigo. O Tio afasta-se também, levando consigo o meu cordeiro. Carrega-o às costas como uma mercadoria. Olha para mim, sorrindo sadicamente. "Matas-te a minha irmã, agora sofre as consequências!". Volto a gritar pelo seu nome, chorando. "Jaime! Jaime! Por favor! Jaime!". Ele surge ao meu lado, tocando-me no ombro. Chama pelo meu nome. "Meu Deus, Quim! Joaquim!"</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- </i>Amor, acorda!</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-86604195289840694102011-04-26T21:10:00.002+01:002011-04-27T20:57:17.847+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro IV - Capítulo 1<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Desaparecido</u></span></div><i>Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Ta...</i></div><div style="text-align: justify;">- Filho, anda almoçar. - Chama o Pai Fred, interrompendo o relógio.</div><div style="text-align: justify;">- Argh, que tédio! - Exclamo, sentando-me à mesa. - O pai Carlos, ficou de novo a trabalhar até tarde?</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Teve de ser... Mas deve estar mesmo aí a chegar. - Diz, tentando convencer-se a si próprio.</div><div style="text-align: justify;">- Sim... Deve estar.</div><div style="text-align: justify;">Comemos em silêncio, apenas olhando de vez em quando um para o outro. Laika também está a comer a sua refeição, na cozinha, junto aos meus pés. Olho para o calendário. Um ano. O meu pai apercebe-se onde está pousado o meu olhar.</div><div style="text-align: justify;">- Filho...</div><div style="text-align: justify;">- Tenho tido um mau pressentimento... Pai... Sonhei que ele... Sonhei que o Quim tinha mesmo... - Um soluço interrompe-me, e as lágrimas correm-me pelos olhos.</div><div style="text-align: justify;">O Pai Frederico salta da cadeira, contornando a mesa e abraçando-me ternamente.</div><div style="text-align: justify;">- Pronto, está tudo bem, ele está bem, filho.</div><div style="text-align: justify;">- Como podes ter a certeza?! Há um ano que não temos notícias. Um ano de incertezas e de dor!</div><div style="text-align: justify;">O telefone toca. O meu pai ergue-se, certificando-se de que estou bem. Ele pega no aparelho e atende.</div><div style="text-align: justify;">- Estou, sim, quem fala?</div><div style="text-align: justify;">Oiço um sussurro vindo do auscultador, mas não percebo nada. No entanto, o meu pai começa a demonstrar sinais de surpresa e de pânico.</div><div style="text-align: justify;">- Meu Deus... E encontraram-no...? Não?</div><div style="text-align: justify;">Comecei a temer pelo pai Carlos.</div><div style="text-align: justify;">- Ok, Araújo, tenha calma, sim, eu vou para aí. Sim, já.</div><div style="text-align: justify;">Um ano tinha passado antes de ouvir aquele nome. É o tio de Quim. O meu peito aperta-se. Algo estava errado. Algo estava muito errado.</div><div style="text-align: justify;">- Filho, mantem a calma... - Pede o meu pai, com voz trémula. - Mas esta manhã, deram uma missa em honra da Dona Alzira. O Quim estava lá, mas saiu a meio a chorar e a correr. Ainda não o encontraram e ninguém sabe onde está...</div><div style="text-align: justify;">Levanto-me de um salto, agarro no meu casaco e no meu telemóvel.</div><div style="text-align: justify;">- Então de que estás à espera! Vamos!</div><div style="text-align: justify;">A viagem de carro dá cabo dos nervos aos dois. Primeiro porque temos medo de chegar tarde demais, depois porque não queremos abusar da velocidade na estrada. Três horas depois, começo a ver a entrada da Vila. Não se vê ninguém nas ruas. O meu pai para o carro em frente à casa. A casa de Alzira. Entro, sentindo o cheiro a velas e incenso.</div><div style="text-align: justify;">- Frederico, ainda bem que pôde vir. Estamos desesperado. A vila anda toda à procura dele, mas ninguém o descobre. - Diz Araújo, saindo da cozinha.</div><div style="text-align: justify;">Discutimos um pouco onde ele poderá estar, e procuramos em seguida. Percorremos a vila de uma ponta a outra, mas nada nos dá pistas onde ele possa estar. O meu medo de que ele se queira matar de novo enche-me a alma. Não o quero perder. Prometo a mim mesmo que depois disto moverei montanhas para estar com ele. A noite começa a cair e voltamos a casa de Araújo. O homem idoso está sentado numa poltrona, respirando com dificuldade. O meu pai tenta acalmá-lo. Sento-me no chão, meditando. Sinto um corpo quente atrás de mim. Viro-me, olhando para o enorme Pastor alemão castanho que me olha, suplicante.</div><div style="text-align: justify;">- Pluto... Anda cá, rapaz. - Chamo carinhosamente.</div><div style="text-align: justify;">Ele aproxima-se, deixando cair algo no chão, que trazia na boca. Olho para o que ele deixara no soalho.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, meu porco agora andas a arrancar bocados de azulei...</div><div style="text-align: justify;">Reconheço o padrão. Reconheço a forma. Não era um azulejo, mas sim um fragmento de porcelana. Uma porcelana branca pintada de azul. Numa das brincadeiras com Pluto e Laika, dento de casa, eu tinha dado um encontrão àquela jarra. Para esconder as provas, enterrara-a no jardim das traseiras.</div><div style="text-align: justify;">- Cristo, já sei onde ele está! - Grito, levantando-me após se ter feito luz na minha cabeça.</div><div style="text-align: justify;">Corro como um doido colina acima, na direção da Casa Amarela, que outrora me pertencera. Trepo pelo portão, e passo pela porta arrombada. Oiço alguém lá em cima. Aquela voz, que tão bem conheço, a gritar pelo meu nome.</div><div style="text-align: justify;">- Jaime! Jaime! Por Favor! Jaime!</div><div style="text-align: justify;">Entro no meu antigo quarto. Ele contorce-se num pesadelo.</div><div style="text-align: justify;">- Meu Deus! Quim! Joaquim! Amor, acorda!</div><div style="text-align: justify;">Ele abre os olhos, de repente. Olha em volta. Envolvo-o com os meus braços. ele descarrega mais lágrimas nos meus ombros, apertando-me contra o seu corpo quente. Pluto entra no quarto, seguido de Araújo e do Pai Fred. eles entreolham-se, aliviados.</div><div style="text-align: justify;">- Deixaste-me tão preocupado... - Comento, dando-lhe um beijo leve na orelha.</div><div style="text-align: justify;">- Jaime... - Chama, com voz rouca... - Porque te foste embora... Nunca mais me deixes... Preciso tanto de ti...</div><div style="text-align: justify;">- Eu sei, eu sei... Perdoa-me... - Suplico. - Mas vens comigo primeiro, comer e beber qualquer coisa e depois respondo a todas as perguntas que tiveres... Não me vou embora, prometo.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-89358991162104791502011-04-24T10:30:00.000+01:002011-04-24T10:30:00.581+01:00O Rapaz Da Casa Amarela - Livro III - Capítulo 2<div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Memórias de um Coração Choroso</u></span></div><div style="text-align: justify;">Observo as estátuas da igreja. O meu tio saiu há pouco tempo. O meu coração bate vagarosamente. As memórias correm-me pela cabeça.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><i>Choro desalmadamente, ao sentir a lâmina dilacerar-me as costas. O Ti Manel agarra-me, gritando desesperado pelo que acontecera. Primeiro levam-me para dentro da casa, tentando parar o sangue enquanto esperam pela ambulância. Ficam preocupados quando o meu choro começa a esmorecer. Já mal tenho forças para soluçar. O ardor percorre-me as costas inteiras. A minha avó entra pelo quarto adentro, berrando.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- Que fizeram ao meu menino?! Ao meu querido menino? Que lhe fizeram?!</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Ela chora, e faz-me chorar. Finalmente o médico chega. A minha avó pede para ele me curar. Ele diz que tem de cozer a ferida, mas que não há tempo para esperar que a anestesia faça efeito. A minha avó grita-lhe para não me fazer sofrer mais. Arrastam-na para fora do quarto. Sinto cada picada da agulha do médico. Mas já não tenho forças para gritar.</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Estou numa sala branca. É o hospital para onde me levaram depois de me terem cosido. Mas desta vez, estou mais crescido. Foi quando torci o calcanhar a saltar nas rochas do rio. Vejo a minha perna suspensa. O ti Araújo entra, seguido da minha avó, preocupada. Sorrio-lhe para a acalmar, enquanto ela enterra a sua cabeça no meu peito, chorando.</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Vejo o Ti Araújo à minha frente. Estamos na casa da árvore acabada de construir. A minha avó chama-nos lá em baixo, para irmos lanchar. Mas nenhum de nós se mexe. Temos medo que alguma coisa caia. Sou o primeiro a erguer-me. A tábua cede e caio no chão, magoando um braço. Rebolo-me no chão queixando-me, com lágrimas nos olhos.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- É bem feito, que é para ver se aprender, palhaço! - Exclama a minha avó, rindo-se. - Agora vê lá se te recompões!</i></div><div style="text-align: justify;"><i>levanto-me e sigo-a. Ela dá-me uma fatia generosa de bolo com chocolate.</i></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Caminho pela igreja vazia. Um soluço escapa-me. Vou para o meu local preferido. A torre do sino. Sento-me com as pernas penduradas lá para fora, encostado ao sino.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><i>A Clarinha pede-me um beijo. Olho para ela, escandalizado.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- Aqui, na casa de Deus? - Pergunto, indignado.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- Sim... Ele não se importa! O meu pai e a minha mãe também o fazem.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>- Está bem...</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Os nossos lábios tocam-se timidamente. O sino toca, sobressaltando-nos. Ela grita de medo e começa a chorar. Eu seguro nela e levo-a lá para baixo. A minha avó já lá está à nossa espera, com cara de poucos amigos.</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: justify;">Lá em baixo, posso imaginá-la a ralhar-nos. Um pouco mais à frente é onde ela tombou esta manhã. Tombou para nunca mais se levantar. <i>Deus, perdoa-me. Hoje uma alma foi ter contigo por minha causa. Não quero ir para o Inferno. Mas que mundo é este onde todos me olham como se eu não merecesse sequer falar contigo? Não quero ficar na terra. Não quero ficar neste Inferno.</i> Ergo-me, segurando-me com uma mão ao pilar. Fecho os olhos. Oiço alguém correr. Oiço uma porta bater. <i>Leva-me contigo. Preciso de falar com ela. Não quero viver sem ela. Preciso de fazer as pazes com ela. Preciso de lhe dizer que nunca mais vou pecar.</i></div><div style="text-align: justify;">Os passos ficam mais perto. Gritam o meu nome. Deixo os meus pés escorregarem. mantenho os meus olhos fechados. Sinto o vento nos meus cabelos. Sinto a gravidade deixar de fazer efeito. O chão aproxima-se, consigo senti-lo. E o meu peito atinge-o. Tudo fica negro.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-67577592487837927662011-04-23T10:31:00.000+01:002011-04-23T10:31:00.083+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro III - Capítulo 1<div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Salvai-me do Pecado</u></span></div><div style="text-align: justify;">O burburinho da igreja é me tão familiar... Todos os domingos, toda a aldeia lá vai. Conheço todos. Todos me conhecem. Mas há algo de diferente em mim. A Avó ontem esteve a falar... Não, a discutir comigo, sobre o Jaime. Ela não quer que eu o veja. Ela repugna aquilo que os pais dele são, aquilo que ele é... Aquilo que eu sou. Não. Não posso ser. Estou confuso, assustado. Mas Deus é claro como água. Aquilo que eu fiz... Os desejos que tenho...</div><div style="text-align: justify;"><i>Senhor, tende piedade mim... Senhor, tende piedade porque pequei contra Ti, salvai-me do pecado, salvei-me do fogo do inferno, limpai a minha alma destas profanidades. Ajudarei todos. Sempre o fiz, e continuarei a fazê-lo. Por favor, ajudai-me a ser mais forte que o meu corpo, tornai o meu espírito apto a resistir aos desejos da carne. Sou um mero humano, mas dai-me forças.</i></div><div style="text-align: justify;">Lá está ele. Arranjado para a missa. Camisa azul clara, com as mangas dobradas, calções brancos, ténis azuis. Os seus cabelos castanhos, como sempre, estão cuidados. Rezo uma vez mais para que Deus me dê força.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Depois da missa, as pessoas cumprimentam-se, falando sobre os acontecimentos banais da vida quotidiana. Apresso-me a sair dali, de mãos nos bolsos. Sinto alguém puxar-me o braço. A sua mão suave é-me familiar.</div><div style="text-align: justify;">- Quim! - Exclama. - O que se passa?</div><div style="text-align: justify;">- Olá Jaime. Não se passa nada. Não se devia ter passado nada. - Suspiro, libertando-me.</div><div style="text-align: justify;">- Que queres dizer? - Pergunta, irrequieto.</div><div style="text-align: justify;">- Isso mesmo que ouviste. Foi um erro. - Digo por entre dentes, olhando para o chão.</div><div style="text-align: justify;">- Afasta-te do meu neto. - Rosna a minha avó, puxando-me pelo braço.</div><div style="text-align: justify;">Eu segui-a, caminhando ao lado dela.</div><div style="text-align: justify;">- Que é que o filho dos Infernos te queria? - Pergunta, indignada. - Não me digas que se estava a fazer a ti! É já uma lambada da esquerda que nem sabe donde veio a direita!</div><div style="text-align: justify;">- Avó! Pára! - Exclamo. - Que mal te fez ele?!</div><div style="text-align: justify;">Ela fica a olhar para mim, com os seus olhos pequeninos e a sua boca desenhando um "o".</div><div style="text-align: justify;">- Agora és insolente comigo? - Interroga, chamando a atenção de alguns olhares.</div><div style="text-align: justify;">- Não é nada disso! Mas o Jaime, o Frederico e o Carlos não te fizeram mal, porque os tratas assim?! - Exclamo.</div><div style="text-align: justify;">Ela olha-me surpreendida. Oh não... Acabei de lhe contar que tinha estado naquela casa. Acabei de admitir o que fiz.</div><div style="text-align: justify;">- É esse o nome daqueles demónios?! - Exclama, cuspindo no chão. - Fica sabendo que quem pôs pé naquela casa, não é digno de entrar nos meus terrenos!</div><div style="text-align: justify;">O meu peito parece comprimir-se num único ponto, e explodir de uma vez. Dou um passo atrás, pois as suas palavras atingem-me como uma chapada.</div><div style="text-align: justify;">- Estás a dizer que...</div><div style="text-align: justify;">- Sim, estou a dizer que em minha casa não entras! Não enquanto não me saíres daquela igreja sem pecado no corpo!</div><div style="text-align: justify;">- Dona Alzira, Dona Alzira, tenha calma! - Socorre o Padre Joaquim, que fora chamado à atenção pelos gritos da minha avó.</div><div style="text-align: justify;">- Não tenho calma não! A Besta está a levar o meu neto! - Diz, com lágrimas nos olhos.</div><div style="text-align: justify;">- Avó, tenha calma, olha o seu coração! - Aviso, preocupado, segurando-a nos ombros.</div><div style="text-align: justify;">- Não me toques! - Grita, sacudindo-me. - Não me toques! Não me toques! Ai que me morro aqui!</div><div style="text-align: justify;">A sua mão aperta-se contra o peito e caiu de joelhos, amparada pelos braços do Padre. Ouço a voz de Jaime gritar para chamarem uma ambulância. Uma voz feminina com sotaque britânico que eu nunca ouvira pede às pessoas para se afastarem e lhe darem espaço para respirar. Ela ajuda o Padre a segurar a minha avó. O meu corpo tenta mexer-se para a amparar, mas na minha cabeça a sua ordem impede-me de o fazer. <i>Não me toques, não me toques, não me toques!</i> A rejeição entranha-se-me no peito. As sirenes ouvem-se momentos depois. A multidão começa a dispersar e eu caminho para a igreja, sem saber o que fazer. Ajoelho-me, apoiando as mãos no altar.</div><div style="text-align: justify;"><i>Cordeiro de Deus que tiras o pecado do mundo tem piedade de mim.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Confesso a Deus, todo poderoso, que eu pequei, muitas vezes, por palavras... actos... omissões... Por minha culpa... - </i>as lágrimas escorrem-me pelos olhos que retêm a imagem da minha avó caída. - <i>minha tão grande culpa, peço aos anjos e santos e a vós irmãos... - </i>na minha mente vejo a cara sorridente de Jaime. - <i>Que rogueis por mim a Deus, nosso senhor.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>Em nome do pai, do filho e do Espírito Santo, como era no princípio... - </i>Vejo-me a brincar inocentemente com Pluto, a aprender coisas com o ti Araújo. - <i>agora e sempre, amén.</i></div><div style="text-align: justify;">Durante o resto dessa tarde, rezo mais. Não se ouve ninguém entrar na igreja, nem mesmo o Padre voltou para fechar os portões. Quando finalmente oiço passos é o Ti Araújo.</div><div style="text-align: justify;">- Que Deus... - Diz, entre soluços - Que Ele... Tenha a... sua alma em paz...</div><div style="text-align: justify;">Irrompo em lágrimas e soluços, agarrando-me ao meu tio.</div><div style="text-align: justify;">- Não! Não! Não! Não! Que fiz eu! Que fiz eu! - Grito, ouvindo o eco da minha voz distorcida. - Que fiz eu!?</div><div style="text-align: justify;">- Não, Quim, não foste tu. Tu não tiveste culpa... - Acalma-me, aconchegando-me.</div><div style="text-align: justify;">Já não consigo articular palavras. Agora só consigo libertar gritos de dor, uma dor que me dilacera o Espírito, uma dor que me destrói o coração. Aperto mais o corpo do meu tio contra mim. Por momentos desejo que aquele fosse o corpo de Jaime. Grito de novo, frustrado comigo mesmo. As últimas palavras esfaqueiam a minha mente, espezinham-na. Só consigo ouvir a sua voz gritar para não lhe tocar, enquanto cai inanimada no chão, nos braços do Padre. </div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-37617198454420555032011-04-22T10:30:00.000+01:002011-04-22T10:30:00.641+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 4<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Amar, Respeitar, Orar</u></span></div>Era já o final da tarde quando me decidi a entrar. A pequena igreja estava vazia. Ajoelho-me e faço o sinal da cruz. Sento-me num banco, olhando em volta e ajoelho-me na tábua à minha frente. Enterro a cara nas mãos.</div><div style="text-align: justify;"><i>Porquê, meu Deus? Porque permites a estas pessoas que digam mal dos meus pais, que tanto bem me fizeram... Que mal tem o amor que eles sentem um pelo outro?</i> Interrogo-me.</div><div style="text-align: justify;">- Porquê...? - Murmuro, soluçando.</div><div style="text-align: justify;">- Filho, Ele nem sempre responde, se precisares de falar com alguém que saiba o que te dizer, podes falar comigo... - Diz uma voz masculina familiar e amigável.</div><div style="text-align: justify;">Ergo o olhar, limpando as lágrimas. É o padre da aldeia.</div><div style="text-align: justify;">- Senhor Padre? - Interrogo incrédulo.</div><div style="text-align: justify;">- Joaquim. - Corrige. - Podes tratar-me pelo nome... Tu deves ser o Jaime. O Carlos falou-me de ti.</div><div style="text-align: justify;">O nome dele fez-me estremecer.</div><div style="text-align: justify;">- Conhece o meu pai? - Pergunto.</div><div style="text-align: justify;">- Sim. - Confirma, sentando-se ao meu lado e fazendo-me sinal para que o imitasse. - Ele veio ter comigo quando ouviu o que as pessoas diziam sobre ele.</div><div style="text-align: justify;">- A sério?</div><div style="text-align: justify;">- Sim. Queria apoio de Deus.</div><div style="text-align: justify;">- E o senhor padr... Joaquim, o que acha deles? - Interrogo, referindo-me aos meus pais.</div><div style="text-align: justify;">- Acho que os paroquianos deviam aprender a amar e a respeitar como eles. - Informa. - Já os vi juntos e sei que aquilo é o mesmo amor que uniria um homem e uma mulher. Deus ensina-nos a respeitar o próximo, coisa que as pessoas não fazem em relação aos teus pais. No entanto, quando o teu pai Carlos chegou perto de mim,a única coisa que disse foi: "Senhor Padre, todos dizem que eu peco... Peco por amar alguém. não acredito nisso. Peço então a Deus que os perdoe, por falarem sem saber, por difamarem sem conhecer.". Eu respondi que ele não devia deixar-se levar pelas frases dos outros e que deveria continuar a amar e a respeitar o Frederico como sempre o fez.</div><div style="text-align: justify;">- O senhor era a última pessoa com quem eu esperava poder contar... - Digo, suspirando aliviado.</div><div style="text-align: justify;">- Tenho de admitir que estranhei quando soube acerca dos teus pais. Mas como já disse, vi como eles estão juntos. Amam-se um ao outro mais do que muitos casais que eu já vi. E é um amor tão puro que não olha sequer ao género.</div><div style="text-align: justify;">Sorrio.</div><div style="text-align: justify;">- Gostava de pensar que também encontrei um amor assim... Mas a família dele não é muito fã disso...</div><div style="text-align: justify;">- Mm... Não que eu oiça os mexericos, mas não pude deixar de saber que se fala por aí que tu e o Quim são muito próximos.</div><div style="text-align: justify;">- Sim...</div><div style="text-align: justify;">- A Dona Alzira vem cá todos os dias de manhã, rezar pelo filho. São muito conservadores. - Comenta o Padre. - Não te deixes abater pelo que aquela senhor diz... e não penses mal dela. Ela é uma mulher muito bondosa, de carácter forte. O seu único defeito é, Deus me perdoe por dizer isto, mas ela é casmurra que nem uma mula, nem com a cenoura lá vai!</div><div style="text-align: justify;">Solto uma gargalhada com as palavras do Padre.</div><div style="text-align: justify;">- Jaime, ouve. Eu percebo a tua dor e a tua revolta. E é bom que te vires para Deus nestas alturas.</div><div style="text-align: justify;">- É... O meu pai Frederico não acredita em Deus, mas diz-me que ter esse tipo de apoio de uma entidade divina nos torna mais fortes.</div><div style="text-align: justify;">- É isso que surpreende! - Exclama o Padre. - Como os teus pais são sensatos! Como eles são capazes de respeitar e tentar compreender pontos de vista que nem sequer apoiam. É como digo, as pessoas bem que podiam aprender umas quantas coisas com eles.</div><div style="text-align: justify;">Eu sorrio em resposta, admirando os elogios daquele homem de cabelos castanhos e olhos negros.</div><div style="text-align: justify;">- Bom, agora vou deixar-te à vontade com Ele, - diz, apontando para o crucifixo. - e aproveito para preparar o sermão para a missa de Domingo... Conto ver-te por cá amanhã, hun?</div><div style="text-align: justify;">- Cá estarei, senhor padre. - Respondo, acenando-lhe.</div><div style="text-align: justify;">Ainda fico mais algum tempo na igreja. Rezo. Rezo para que as pessoas pensem como o Padre, rezo para que as pessoas não me roubem Joaquim, rezo para que Deus me dê forças para aguentar firme as más-línguas do povo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando passo pelo largo em frente à igreja, apercebo-me de cinco pessoas em frente ao carro. São dois idosos e três mulheres de idade avançada, entre elas, Dona Alzira e Dona Armanda. é um carro de marca, negro. Observo os aldeões gesticular.</div><div style="text-align: justify;">- Ai, alguém que vá chamar o Araújo ou o Quim, que não percebemos nada do que estes ingleses dizem!</div><div style="text-align: justify;">Aproximei-me calmo.</div><div style="text-align: justify;">- Need any help? - Pergunto, dirigindo-me à condutora loira.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, gosh! Yes, please! - Supolica. - Finally, someone that's able to speak to us!</div><div style="text-align: justify;">- Don't mind them... Not every Portuguese learned English at school... - digo, gracejando.</div><div style="text-align: justify;">- Ok, look, honey, I'm trying to find Frederico, an architect I met in London... He said he was living here, but I don't find his address.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, he's actually my father! - Exclamo. - If you give me a ride I can point you the way.</div><div style="text-align: justify;">- Hop in, honey! - Convida, sorrindo-me e tirando os óculos de sol, mostrando os seus olhos verdes.</div><div style="text-align: justify;">Antes de entrar, olho para o grupo de anciãos.</div><div style="text-align: justify;">- Podiam pedir-me ajuda a mim, não há problema. - Digo, sorrindo triunfante.</div><div style="text-align: justify;">- Adorei as caras deles... - Comenta ela, num português com sotaque forte.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, a senhora sabe falar português?! - Interrogo, rindo-me.</div><div style="text-align: justify;">- Sim. Eu tinha-te visto e reconheci-te... queria que brilhasses.</div><div style="text-align: justify;">- Mas como? - Pergunto.</div><div style="text-align: justify;">- Quando disse que tinha conhecido o teu pai, era verdade. Sabes que ele morou em Londres até aos dezassete. Os teus avós eram portugueses e ensinaram-no a falar as duas línguas, e ele ensinou-me a mim. Mas já está enferrujado. - Comenta. - Tu e eu conhecemo-nos quando tinhas seis anos, já não te lembras de mim Jimmy...?</div><div style="text-align: justify;">- Oh! Anne! - Exclamo, lembrando-me dela. - Meu Deus! nem pensei que poderias ser tu...! Mas não eras ruiva?</div><div style="text-align: justify;">- Ah... sim... I was a Ginger*... Mas tive de pintar de loiro para o último filme que fiz.</div><div style="text-align: justify;">- Então sempre conseguiste seguir a carreira de actriz?</div><div style="text-align: justify;">- Claro!</div><div style="text-align: justify;">Eu olho para a Casa Amarela. Laika já corre em volta do carro. Também reconhece aquela mulher que passou umas semanas em nossa casa, há uns anos atrás. Ela é a melhor amiga do pai Frederico.</div><div style="text-align: justify;">- Vim cá passar umas semanas... Mas eles não sabem. - Informa, pisando-me o olho.</div><div style="text-align: justify;">- Eu acho que vão adorar a surpresa.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">*"I was a Ginger." - Eu era ruiva.</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">t<u>radução da conversa entre Anne e Jaime</u></span></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Need any help?</i> - <b>Precisa de ajuda? </b></span></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Oh, gosh! Yes, please! </i>- <b>Oh, deuses! Sim, por favor!</b></span></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Don't mind them... Not every Portuguese learned English at school...</i> - <b>Não lhes ligue... Nem todos os portugueses aprendem inglês na escola...</b></span></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Ok, look, honey, I'm trying to find Frederico, an architect I met in London... He said he was living here, but I don't find his address.</i> - <b>Ok, olha, querido, estou à procura do Frederico, um arquitecto que conheci em Londres... ele disse que morava aqui, mas não encontro a sua morada.</b></span></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Oh, he's actually my father! If you give me a ride I can point you the wa</i>y. - <b>Oh, ele é na verdade o meu pai! Se me der uma boleia, posso indicar o caminho.</b></span></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">- <i>Hop in, honey!</i> - <b>Salta cá para dentro, querido!</b></span></div><br />
<div style="text-align: justify;"><br />
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-364558727510953592011-04-21T15:19:00.001+01:002011-04-21T22:53:53.161+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 3<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Uma Questão de Perspectiva</u></span></div>Acordo com Laika a ladrar. Relembro a noite anterior e olho surpreendido para a cama vazia ao meu lado. Na almofada está um papel, escrito com uma caligrafia cuidada da primária.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><i>É a primeira vez em muito tempo que tenho de escrever algo que não seja uma lista das compras... Mas tive de sair antes de acordares, porque a Avó precisa da minha ajuda pela manhã cedo para dar de comer aos animais.</i></div><div style="text-align: justify;"><i>P.S. És ainda mais belo quando dormes...</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: justify;">Um sorriso desenha-se na minha cara, olhando para o tecto. Apercebo-me que ainda estou nu e corro para a cómoda, escolhendo algumas roupas. Tomo um duche rápido, visto-me e disparo para a cozinha, tomando o pequeno-almoço rapidamente.</div><div style="text-align: justify;">- Hei, hei, a que se deve tanta felicidade? - Pergunta o pai Fred, ainda sonolento.</div><div style="text-align: justify;"><i>- </i>O Quim passou cá a noite. - Diz Carlos, entrando em casa com uma pasta de médico preta.</div><div style="text-align: justify;">- Não, não passou! - Minto.</div><div style="text-align: justify;">- Não era uma pergunta, filho. - Comenta ele, sorrindo. - Hoje de manhã ia sair mais cedo para ir tratar de uma égua que estava a ter um parto. Quando entrei na casa de banho, deparei-me com um pigmeu despido lá dentro...</div><div style="text-align: justify;">- Oh, foi por isso que praguejas-te hoje de manhã? - Pergunta Fred incrédulo.</div><div style="text-align: justify;">- Ele estava nu na casa de banho? - Interrogo, boquiaberto.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, ele estava a tentar tomar banho sem nos acordar... Contou-me o que se passou ontem à noite. - Informa, apoiando-se no balcão e aproximando a sua cara imenso da minha, quase tocando com o seu nariz no meu.</div><div style="text-align: justify;">Ele faz sempre isso quando quer que eu não minta. Eu sempre tive dificuldades em mentir às pessoas cara a cara, e quanto mais próximas elas estão de mim, mais difícil me é ocultar a verdade.</div><div style="text-align: justify;">- A sério... O que é que ele te disse...? - Inquiro.</div><div style="text-align: justify;">- Não me disse nada. Eu vi tudo... - Afirma.</div><div style="text-align: justify;">Por uma fracção de segundos, os seus olhos apontam para a minha cintura, e voltam a fitar os meus. A mensagem que ele queria dar-me atingiu-me como uma pancada.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, credo! Ele estava... tu viste... Urgh! Para onde estavas a olhar pai?!</div><div style="text-align: justify;">- Sim...</div><div style="text-align: justify;">- Calma lá, o que é que me está a escapar?! - Comenta o pai Fred, fingindo-se resignado. - Tu andas a ver meninos nus?</div><div style="text-align: justify;">- Não pude evitar! Ele estava à minha frente! - Defende-se Carlos, revirando os olhos. - Enfim... Ele lá tomou o banho, vestiu-se e pediu-me papel e caneta.</div><div style="text-align: justify;">Eu olho para a minha tigela com cereais e leite, corando.</div><div style="text-align: justify;">- Não há problema, Jaime, nós só estamos feliz por teres encontrado alguém. - Afirma Fred.</div><div style="text-align: justify;">Mas detecto reticências na sua voz. Por momentos, a possibilidade de eles me estarem a esconder algo cruzou-me a mente. Afastei esses pensamentos, comendo mais uma colher de cereais.</div><div style="text-align: justify;">Termino o pequeno almoço e caminho para o jardim. Começo a brincar com Laika, pensando se deverei ou não falar com Quim. Decido que sim, que devo falar com ele e dirijo-me a casa da Dona Alzira.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A casa é pitoresca, feita de pedra. Umas escadas exteriores dão acesso à zona de habitação. Por baixo, está uma garagem, fechada. Olho em volta. Na casa vizinha um cão observa-me curioso. Oiço uma voz lá em cima.</div><div style="text-align: justify;">- Sim, Armanda, mas já sabe como são os rapazes dos nossos tempos. Vão-se e nunca mais voltam. - Comentava uma voz viva, mas marcada pelo tempo.</div><div style="text-align: justify;">- Tudo bem, Alzira, mas isso não significa que não me deixe o espírito agitado ao saber que o meu próprio filho me está a abandonar... Por falar nisso, onde anda o Quimzinho? - Respondeu uma outra voz, um pouco mais jovem.</div><div style="text-align: justify;">- Foi com o Araújo... - Reponde Alzira, abrindo a porta, tornando a conversa mais audível. - Foram levar as ovelhas a pastar.</div><div style="text-align: justify;">Encosto-me à parede da casa, ouvindo as senhoras descer as escadas.</div><div style="text-align: justify;">- O seu irmão é que lhe ensina muita coisa... Tenho pena que a escola tenha fechado...</div><div style="text-align: justify;">- Sim, mas o Araújo também já não teria saúde para estar a cuidar de rapazinhos. Aliás, nem de ovelhas, por isso é que o Quim o vai ajudar depois de me ajudar a orientar as coisas com animais aqui em casa.</div><div style="text-align: justify;">- É um amor de pessoa, o seu neto. - Elogia D. Armanda. - Pena é que ande com más companhias...</div><div style="text-align: justify;">- Más companhias? - Interroga Alzira. - Oh diácho, mas o que é que está para aí a dizer, mulher?</div><div style="text-align: justify;">- Então não sabe? A Ti Carolina, a que mora lá para os lados da fonte, sabe? Ela diz que viu o seu menino, já várias vezes, a ir <i>àquela </i>casa.</div><div style="text-align: justify;">- Impossível. - Afirma a avó de Quim. - Ele sempre foi brincar para os bosques quando tem tempo livre. Mas não vai à Casa Amarela que não deixo. Eu já lhe disse, e digo a todos: Naquela casa, caminha o demónio como caminha Deus no céu! Ouve o que te digo.</div><div style="text-align: justify;">Sinto a raiva inundar-me o peito.</div><div style="text-align: justify;">- Cristo! - Exclama Armanda, benzendo-se. - Mas lá nisso até tem...</div><div style="text-align: justify;">Ela bloqueia as suas palavras quando me vê, já ao fundo das escadas. eu pusera-me em frente ao pequeno portão de metal antigo, olhando para as duas senhoras. Engulo as palavras ácidas que quero cuspir. Dizê-las só apoiaria as teorias das mexeriqueiras.</div><div style="text-align: justify;">- Bons dias. - Cumprimento, fingindo não ter estado a ouvir a conversa. - O Joaquim está?</div><div style="text-align: justify;">elas entre-olham-se. Um "eu bem disse" flutua no ar, sem que ninguém o pronuncie. Mas algo acontece que me surpreende. Alzira desce as escadas, caminhando na minha direcção. É uma mulher baixinha, magra e enrrugada. Mas as suas mãos têm um aperto forte. Ela puxa-me violentamente para longe da casa dela.</div><div style="text-align: justify;">- Tu aqui não me pões os pés, coisa profana! - Exclama. - Podes ir à missa pelas aparências, mas sei bem que és filho do demónio.</div><div style="text-align: justify;">- Com todo o respeito, Dona Alzira, mas o que a faz pensar isso? - Interrogo.</div><div style="text-align: justify;">- Homens são feitos para ter mulheres! Não são feitos para andar a enrabarem-se uns aos outros!</div><div style="text-align: justify;">Sinto o meu queixo cair, como se tivesse recebido uma chapada.</div><div style="text-align: justify;">- Eu tenho muito respeito pela senhora, porque conheço o seu neto e foi a senhora que o educou, mas não admito que diga essas coisas dos meus pais! - Exclamo. - Fique sabendo que eles são pessoas muito melhores que você, porque não andam por aí a espalhar mexericos e insultos sobre pessoas que nem conhece! Tenha o resto de um bom dia!</div><div style="text-align: justify;">Caminho com passo determinado, deixando para trás a aldeia, dirigindo-me de novo a casa. Na minha cabeça ecoavam as palavras daquela mulher que perder todo o respeito que tinha por ela. Gritei, berrei a plenos pulmões, frustrado com a malícia com que os homens eram capazes de se referir aos outros. em nome de Deus?! Mas que Deus apoiaria esses mal-dizeres? Não foi o próprio filho de Deus que disse que nos devemos amar uns aos outros como Ele nos amou? Onde está esse Deus presente nestas pessoas que caminham a terra?!</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-53580892011471500102011-04-21T15:19:00.000+01:002011-04-21T22:52:21.572+01:00O Rapaz Da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 2<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Um Anjo no Meu Quarto</u></span></div>Não consigo dormir, apesar de a noite já ir alta. Os grilos cantam incessantemente. Ouço um mocho piar, e decido levantar-me. É uma típica noite quente de Verão. Ponho-me à janela a olhar para as estrelas. Aqui parecem tão brilhantes, nada como em Lisboa, onde o céu se põe negro assim que o Sol se aposenta para dar lugar à Lua que brilha tenuemente. Suspiro, pois é a única coisa que posso fazer por aquele rapaz que me tira o sono. Fecho os meus olhos. À minha volta, a casa transforma-se, relutantemente. Se não o posso ter na minha vida real, pelo menos no mundo de fantasia que ele me ajudou a criar, tê-lo-ei nos meus braços. Sento-me no parapeito da janela, que se torna um banco de jardim. Ao meu lado, imagino-o, com os seus braços musculados, os seus abdominais definidos, envolvendo-me em tronco nu num abraço caloroso. A sua voz chama por mim, primeiro baixo, depois num grito reprimido. Espera... É mesmo ele que me está a chamar.</div><div style="text-align: justify;">- Quim, o que é que estás a fazer aqui? - Pergunto, num sussurro.</div><div style="text-align: justify;">- Queria ver-te... - Informa. - Vou subir.</div><div style="text-align: justify;">Observo-o a trepar pelo carvalho que se ergue perto do meu quarto. Ele tenta chegar perto da janela por um dos ramos, mas nenhum lhe dá um caminho, por isso salta, segurando-se ao parapeito, que protestou sob o seu peso. Ajudo-o a erguer-se para dentro do quarto. Ele olha para mim, de cima a baixo e começa a ficar vermelho, tentando balbuciar algo.</div><div style="text-align: justify;">- Que se passa? - Interrogo.</div><div style="text-align: justify;">Ele aponta para a minha cintura. É então que percebo. Estou em <i>boxers </i>por causa do calor que se faz sentir nesta altura do ano. Ponho as minhas mãos em frene ao meu corpo, tapando a roupa interior.</div><div style="text-align: justify;">- Oh, desculpa, não me lembrei que estava nestes preparos... - Comento, caminhando em direção à cómoda.</div><div style="text-align: justify;">Entre mim e a peça de mobília, está aquele corpo entroncado que me faz gravitar para si mesmo. Quim prende-me gentilmente o braço quando passo perto dele, puxando-me para mais perto de si. Ele beija-me calorosamente, passando a sua língua pelos meus lábios. Segura a minha cara com ambas as mãos, e murmura, com a respiração ofegante.</div><div style="text-align: justify;">- Não conseguia estar mais longe de ti. Tive de vir.</div><div style="text-align: justify;">Volta a beijar-me e eu deixo-me levar. As minhas mãos percorrem as suas costas, sentido as pequenas cavidades que se formavam junto aos ombros, sentido o relevo da sua cicatriz por baixo da camisola negra fina. Finalmente, as minhas mãos chegam à sua cintura, e puxam o tecido para cima, para o despir. Ele ergue os braços, ajudando-me, e envolve-me de seguida com eles. Batalho um pouco com o cinto dos seus calções, mas com a ajuda das suas mãos consigo também despir-lhos. Ele caminha para a cama, e faz-me deitar em cima dela, ficando por cima de mim. As minhas mãos acariciam cada músculo do seu corpo, sentindo cada centímetro de pele quente debaixo das pontas dos meus dedos. Ele encosta-se mais a mim, tornando a minha respiração ainda mais ofegante. Giramos sobre nós mesmos. Agora estou eu no topo. mordisco-lhe a base do pescoço, junto ao ombro, e desço com os lábios junto à sua pele morena ardente. Tiro-lhe os <i>boxers</i> e beijo-o nas pernas, voltando a subir, roçando o meu corpo no seu pénis erecto, provocando-lhe um estremecimento e um gemido de prazer. Ele volta a beijar-me, suspirando o meu nome, enquanto me tira a minha roupa interior. Os seus lábios procuram a minha boca incessantemente. Estico a mão, alcançando a gaveta da minha mesa de cabeceira e tiro de lá de dentro um preservativo, colocando-lho. Ele fita-me nos olhos. No escuro, ele parece ainda mais místico, mais misterioso. Beijo-o levemente, esperando senti-lo penetrar-me. Gemo quando isso acontece, envolvendo-o com os meus braços, puxando-o para mim, beijando-o calorosamente, saboreando os seus lábios com a ponta da língua. Lá está aquele aroma doce a morango de que eu tão bem me lembro, de novo, a invadir a minha boca, o meu corpo. A sua respiração começa a ficar mais alta e mais rápida, à medida que aumenta a velocidade dos movimentos de cintura. Também eu começo a ficar mais agitado, passando as mãos pelo seu corpo, pelos seus músculos, pela sua pele ardente. ele trinca-me o pescoço, e sussurra-me ao ouvido.<br />
- Eu vou... Estou quase a...<br />
- Continua... - Respondo. - Vai até ao fim...<br />
Finalmente, ele liberta um longo gemido, esticando o corpo. Eu fecho os meus olhos, sentindo as mãos dele estimularem a minha glande, culminando num orgasmo que nunca mais esquecerei. Ele deixa-se cair ofegante ao meu lado, e eu aninho a minha cabeça no seu ombro, beijando-lhe o braço. Fico a observa-lo a olhar para o tecto. A sua cara séria transforma-se lentamente num sorriso, e olha para mim.<br />
- Uau... - Murmura.<br />
- Uau. - Concordo, rindo-me baixo e dando-lhe um beijo na base do maxilar.<br />
- Achas que os teus pais ouviram...? - Pergunta, preocupado.<br />
- Não faço a mínima ideia... O quarto deles fica ao fundo do corredor, não devem ter ouvido. - Digo.<br />
- Nunca pensei que fosse tão bom estar assim com outro rapaz... - Comenta.<br />
Desta vez o seu olhar está de novo fixo no tecto, a divagar.<br />
- E eu nunca pensei que fosse assim tão bom estar contigo. - Acrescento, passando os meus lábios pelo seu peito.<br />
Fecho os olhos, ouvindo o som ritmado do seu coração. Os grilos lá for ainda se ouvem. Mas para mim o mundo já não é mais o mesmo. Ele adormeceu. Respira profunda e lentamente, ressonando levemente. Faz lembrar o ronronar baixo de um gato. O seu peito eleva-se com cada inspiração, embalando-me. Observo uma vez mas o seu corpo. Parece vindo de outro mundo. Um Anjo na terra. Talvez afinal eu estivesse errado em achar que Deus me estava a abandonar. O pai Carlos é cristão e acredita que há um ser mais poderoso e sapiente que nós, a observar-nos do céu. Isso contrasta imenso com o facto de ele ser um profissional na área da ciência. Mas o pai Carlos diz sempre: "A igreja e a ciência podem apoiar-se mutuamente, pois não estão uma contra a outra. Quem está contra quem, são os cientistas contra os padres. Como em tudo neste mundo, são os humanos que estão em conflito entre si, não são a igreja e a ciência que se atacam mutuamente.". Por outro lado, o pai Fred é ateu. Não acredita na existência de Deus, mas respeita as crenças de Carlos, e nunca o impediu de me ensinar as doutrinas da igreja. Uma vez perguntei-lhe, sendo ele ateu, porque é que achava bem que o pai Carlos me ensinasse as coisas da Bíblia. A resposta dele deixou-me sem palavras: "Porque quero que tenhas algo em que te apoiar quando precisares. O teu pai Carlos é muito mais forte que eu. Eu viro-me para ele quando preciso de apoio, mas o homem não é para sempre. Carlos, por outro lado, vira-se para Deus quando precisa de apoio e esse, segundo o que ele acredita, é eterno. Se eu perder o teu pai, perco o meu apoio. Se Carlos me perder, continuará com algo onde se apoiar. Eu gostava de ter isso, mas não tenho. Tu no entanto, podes tê-lo.". Eu sempre andei dividido. Havia tantas provas da existência de Deus como da sua inexistência. Mas quando ouvia as pessoas insultarem-me a mim e aos meus pais, eu pensava que se existisse um Deus, que nos protegeria. o pai Carlos também tinha resposta para isso: "Há milhões de seres humanos para um Deus. Se ele só nos protegesse a nós, como poderia ser isso justo? Mas ele protege-nos com os nossos anjos da guarda. No entanto, temos de aprender a viver neste mundo cruel, e a melhor forma de o fazer é enfrentar os males que aqui existem. Nunca culpes Deus pelas acções do homem, pois apesar de tudo temos livre-arbítrio para decidirmos o que quisermos, não somos fantoches às mãos d'Ele". Se não foi Deus que enviou Quim até aqui, bem poderia ter sido, porque me sinto melhor do que nunca. Adormeço com este pensamento na cabeça e um sorriso nos lábios.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1639298598407599776.post-71868831287147679352011-04-20T02:33:00.000+01:002011-04-21T22:52:56.605+01:00O Rapaz da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 1<div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-large;"><u>Uma Nova Experiência</u></span></div>Laika está sentada no meu colo. Olho em volta para o meu quarto. Fora duas semanas antes que eu conhecera Quim, aquele rapaz cá da aldeia. Primeiro ele parecia-me uma criança, infantil para os seus quinze anos, tantos como os meus. No primeiro dia que ele ali havia estado, tinha entrado pela janela. Eu chorar em frene a ele, porque desesperei de preocupação. Se aquele rapaz tivesse caído, isso traria ainda mais problemas à minha família. Na aldeia à muitos mexericos sobre os meus dois pais, Frederico e Carlos. Inclusive, há pessoas que dizem que somos uma família fruto do pecado. Eu só vejo amor entre os meus pais. Claro, fiquei revoltado quando nos mudámos de Lisboa para cá, por causa do emprego do Pai Carlos. ele é veterinário, e teve de vir para aqui. Nós seguímo-lo e viemos viver para a Casa Amarela. Foi ali, em frente à cama que ele despiu a camisola. a primeira coisa em que reparei foi na sua pele morena, e nos seus músculos definidos, provavelmente mantidos com uma vida agitada de brincadeiras e trabalho no campo. Depois, vi aquela longe e irregular cicatriz que lhe desce pelas costas, fruto de um acidente com uma foice. Já tinha ouvido pessoas dizer "escapei por um triz à foice da morte", mas não se podiam gabar de dizer isso no sentido literal.<br />
Laika ergue a cabeça de repente e corre pelas escadas fora. eles estão aqui. Quim e Pluto, o pastor alemão que sempre lhe fez companhia, acabam de chegar. Ouço-o cumprimentar jovialmente os meus pais, sempre naquele seu tom de menino de nove anos de que eu aprendi a gostar tanto. Ele sabe aproveitar a vida, porque quase a perdeu, e está a ensinar-me a fazer o mesmo.<br />
- Olha o que trouxe! - Exclama, erguendo na sua mão um gafanhoto, com um sorriso triunfante na cara.<br />
O insecto salta-lhe da mão e voa pelo quarto, fazendo-me soltar um guincho de susto. Ele ris-se, divertido com o nojo que eu tenho de insectos, e corre a apanhar o gafanhoto. Quando se inclina, a camisola justa desenha-lhe a forma dos músculos das costas, e aquela linha inquietante que parte do seu ombro é realçada pelas pregas do tecido branco. Conheço-o há tão pouco tempo, mas não posso mais negar que me sinto atraído por aquele rapaz. Ele ergue-se, com o insecto preso entre os dedos.<br />
- Pronto, vou deixá-lo ir... - Diz, abrindo a janela.<br />
Outra coisa que me fascina é a quantidade de sabedoria que se esconde por trás daquele semblante infantil. Eu gosto de pensar que ele é uma criança, que pensa e sabe como um adulto, presa no corpo de um adolescente. Isso fascina-me. Aproximo-me ele, tocando ligeiramente com o meu braço no seu ombro. a acrescentar ao facto de se parecer uma criança, Quim é mais baixo do que eu um seis ou sete centímetros. Sinto-o estremecer um pouco. Ele olha-me, mas depois desvia a cara, sentando-se no chão em pernas à chinês. Chega a hora de praticar a minha imaginação. Quim contara-me que quando ele brincava, o mundo à sua volta transformava-se completamente, mas isso só era possível fazer com muita imaginação, porque é uma mudança na nossa mente, só para nós, que não afecta fisicamente o mundo que nos rodeia. Quando lhe disse que não conseguia fazê-lo, ele inventou este exercício. Sentamo-nos no chão, frente a frente, de pernas à chinês, de olhos fechados. Ele descreve o mundo imaginário à sua volta e eu tento retratá-lo na tela negra das minhas pálpebras fechadas. Costumo conseguir, mas hoje não consigo fechar os olhos. A única coisa que vejo quando o faço é a sua imagem. Aproveito, é o agora ou nunca. Inclino-me para a frente, seguro-lhe a cara com a mão e beijo-o. Ele desequilibra-se e cai para trás, mas os seus braços musculados e fortes envolvem-me, puxando-me para ele. Corresponde ao beijo, sofregamente. Os nossos lábios movem-se em sintonia e as nossas línguas acariciam-se mutuamente.<br />
- Jaime? Jaime?! - Exclama a sua voz potente, acordando-e da minha fantasia.<br />
ele está perto. Tão perto... Consigo sentir o aroma campestre da sua pele e o cheiro adocicado a morando do seu hálito.<br />
- Não me parece que estivesses nas pirâmides do Egipto, neste momento... - Comenta, rindo-se.<br />
- Não... Não estava, estava a imaginar outra coisa... - Murmuro.<br />
- O quê? - Pergunta, curioso. - Nos biscoitos dos teus pais?<br />
Cruza-se-me na mente de novo a imagem dele a puxar-me para si com os braços, a beijar-me.<br />
- Não... Mais num amor impossível, que não é correspondido. - Comento.<br />
Ele observa-me. Sei que me quer perguntar algo delicado. Incentivo-o com um gesto de cabeça a contar.<br />
- Jaime, tu és como os teus pais?<br />
- Gay?<br />
- Sim.<br />
- Sou.<br />
- Tem a ver com o facto de terem sido eles a educarem-te?<br />
- Não! Isso é algo que nasce connosco, só tenho a sorte de ter pais que me compreendem. - Afirmo. - Mas porque perguntas?<br />
- Porque há uns dias... - Começou. - Passou-me pela cabeça um pensamento... Como seria beijar um rapaz... Eu já beijei a Clarinha, a neta da Dona Alberta, mas não foi nada de especial... E gostava de saber como é com outro rapaz.<br />
Olho para ele incrédulo.<br />
- Estás a pedir que eu te beije? - Interrogo.<br />
AS suas faces morenas ficaram vermelhas, e a sua boca entre-aberta. Levanto-me, e faço-lhe sinal com a mão, para fazer o mesmo. Aproximo-me dele. Já sinto o calor do seu corpo, e parece que consigo ouvir um baixo eco do seus batimentos de coração vigorosos. Num curto passo, elimino os centímetros que nos separavam. O seu peito está junto ao meu. Uma das suas mãos pousa na minha cintura, como que para me impedir de fugir. Aproximo os meus lábios do dele e murmuro baixo:<br />
- Queres mesmo fazer isto...?<br />
Ele engole em seco e gagueja um sim quase inaudível. Finalmente, os meus lábios tocam os seus. Tal como na minha fantasia, a sua língua não demorou a procurar a minha, acariciando-a, saboreando os meus lábios e eu os dele. Subitamente, uma rajada de vento provocada pela porta do quarto a ser aberta surpreende-nos, quebrando o beijo.<br />
- Os biscoitos estão...! Cristo, oh, desculpem! - Suplica Frederico, envergonhado.<br />
Eu e Quim entreolhamo-nos. Ambos estamos tensos, muito direitos. Sustemos a respiração. Ele é o primeiro a tentar falar, mas não consegue. Afasta-se saindo do quarto. O meu pai olha-me surpreendido, mas encorajando-me. Eu tenho exactamente a mesma reacção de Quim e saiu sem dizer uma palavra.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/14357798074352439388noreply@blogger.com0