sábado, 26 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 12

A máquina apitava compassadamente ao ritmo do seu coração. Ele continuava sereno, adormecido na cama de hospital. Aconcheguei um pouco o lençol branco que o tapava, tendo cuidado com a ligadura que lhe cobria o peito. Encostei-me na cadeira observando os seus olhos fechados. A sua boca estava relaxada, sem demonstrar nenhuma expressão, nem dor, nem alegria. Ouvi a porta do quarto abrir. Jack estendeu-me um copo de plástico branco e castanho. Aceitei e bebi um golo do café, que me aqueceu o estômago.
- O médico disse que ele deve acordar em breve... - Informou.
- Sim...?
- Mm, mm. - Respondeu, enquanto bebia um pouco de café do seu copo. - Ele também disse que o Dante deveria recuperar depressa. Teve sorte...
- Levou com um bocado de metal no peito, deve ser o rapaz mais sortudo do mundo! - Comentei sarcasticamente.
Jack revirou os olhos, sentando-se numa outra cadeira, do outro lado da cama, que estava encostada à janela. Ele olhou lá para fora, melancólico e pensativo.
- Parece que vou voltar a ver a luz do dia... - murmurou.
Não pude impedir que se abrisse um sorriso sádico na minha cara, ao lembrar-me do que lhe tinha dito pouco antes de ter caído à água.
- É... Acho que mereces um pouco de imunidade... - Hesitei. - Jack, obrigado por me teres tirado da água... se não tivesses eu provavelmente não estaria aqui para...
- Não há problema. - Interrompeu ele. - Sempre disposto a ajudar...
Olhei para ele e os seus olhos fitaram os meus.
- A sério? Um barco? Não tinhas uma maneira mais imaginativa para desapareceres do que atirares com o iate contra as rochas? - Repreendi, jocosamente.
Ele riu-se, um pouco nervoso e, ao mesmo tempo, divertido com a minha expressão. Eu correspondi com um sorriso de desculpas e voltei a olhar para Dante. As suas pálpebras mexeram-se ligeiramente. O meu coração começou a bater mais depressa e formou-se um nó no meu estômago, que me subiu à garganta. Pouco depois, os seus olhos azuis sonolentos começaram a abrir. Sorri-lhe. ele pareceu um pouco baralhado.
- O que... O que aconteceu? - Interrogou, com voz débil. - Lembro-me de te ter visto, de me teres falado, de uma luz branca, uma dor no peito...
Ele pousou a mão no peito. Peguei-lhe na mão e afastei-a da ferida, dizendo-lhe para ter calma. Contei-lhe o que se passara no barco, mas ocultei a parte em que tinha estado frente a frente com o tubarão, para não o preocupar.
- Então... o Jack...
- Estou aqui. - disse, aproximando-se com cautela. - Não fales, e melhor, não devias cansar-te, o pulmão ainda não recuperou.
- Quanto tempo é que eu estive aqui no hospital? - Perguntou.
Olhei para o relógio.
- Bom... Mais de um mês... E eu já estou atrasado para as aulas... Tenho de ir...
Dei-lhe um beijo rápido e corri em direcção à escola. Sentia-me muito melhor por saber que Dante tinha finalmente acordado. As aulas tinham começado uma semana antes, e todos os meus colegas percebiam que havia qualquer coisa que me preocupava. As primeiras pessoas que vi assim que cheguei foram Jessica, Amanda e Samuel.
- Oi, tudo bem? - cumprimentou Sam, assim que me viu.
- Sim. - Respondi, com um ar alegre.
- A que se deve todo esse contentamento? - Perguntou Amanda.
- O Dante acordou.
Jessica olhou para mim, com uma expressão de surpresa e indignação.
- E não me disseste nada! - repreendeu.
- Acabei de vir do hospital! - exclamei - Ele agora tem de descansar. Ainda não pode falar muito, para não forçar o pulmão...
- Está bem... Mas vou fazer-lhe uma visita depois das aulas. - Avisou ela, caminhando determinadamente para a sala.
Agora que Dante estava cada vez mais perto de estar completamente recuperado, eu sentia que a minha vida tinha recomeçado, depois de uma pausa de espera angustiada. A preocupação preenchera todos os dias das minhas férias após o acidente. Jack e eu tinhamo-nos aproximado mais, pois compreendíamos a dor um do outro. No entanto, era uma relação estranha, já que as pessoas não concordavam que houvesse uma amizade entre mim e a pessoa que era supostamente causadora da condição de Dante. Mas eu tiveram muito tempo para pensar e analisar a situação. E tinha chegado à conclusão que aquilo era a consequência de uma aleatória ordem de acontecimentos que levaram à presença de Dante naquele momento, naquele sítio. No sítio errado, à hora errada. Ninguém tinha a culpa do que acontecera. Isso era o que eu achava. O resto das pessoas achavam que Jack até deveria ser castigado por ter feito o que tinha feito. Eu já não me importava com vingança ou com apontar o dedo a alguém, a única coisa que me importava naquele momento era que Dante saísse daquela cama de hospital e pudéssemos voltar a passear juntos pela praia.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 11

O coração bombeava-me freneticamente o sangue à medida que corria ao longo do cais. Já ultrapassara Dante haviam uns segundos antes. Conseguia ouvir a sua respiração ofegante e desesperada atrás de mim. O clarão veio primeiro, das rochas. O estrondo seguiu-se rapidamente. Os nossos olhos ficaram pregados no iate que se esmagava contra as rochas. O motor tinha explodido em chamas amarelo-avermelhadas, como se um pequeno Sol tivesse acabado de nascer. Não hesitei. Senti o betão do cais ausentar-se por baixo dos meus pés, quando me atirei no ar. O meu corpo esticou-se em prancha, os meus braços estenderam-se em frente à minha cabeça. As minhas mãos foram a primeira parte do meu corpo a sentir a água fria do mar. Só quando já me encontrava abaixo da superfície comecei a praguejar comigo mesmo. A noite era a altura dos caçadores marinhos e eu acabara de entrar num elemento que, apesar de por mim amado, não era meu. Tentei esquecer essas preocupações e nadei ate ao local onde o barco estava encalhado, em chamas. Nadei à volta, tentando encontrar uma escada segura para subir. Sim. Encontrei. Subi rapidamente. Olhei à minha volta. O convés estava destroçado. Algo vermelho chamou a minha atenção à minha esquerda. Uma bilha de oxigénio. As chamas lambiam ameaçadoramente a madeira perto do contentor do gás comprimido. Voltei a atirar-me para trás, num salto, agarrando-me com dificuldade às escadas. As chamas engoliram a bilha e fizeram-na rebentar, lançando projecteis de metal mortífero pelo ar. Um som gelou-me o sangue. O som de carne a ser dilacerada por um fragmento de metal. O grugulejar de alguém que sentira aquele ferrão de aço espetar-se algures no seu corpo, provavelmente nas costas, ou no peito. Os grunhidos aflitos de um ser humano a lutar contra o sangue que lhe inundava os pulmões, tentando desesperadamente respirar a mais pequena golfada de ar. Eu não queria ver aquela imagem. Não queria ver Jack assim... A cabeça dele apareceu por cima de mim, espreitando sobre a amurada. Ele estava assustado. Mas não parecia estar ferido.
- Kyle! Depressa! Tens de vir!
Ergui o meu corpo pelas escadas do barco, um pouco curioso para saber quem mais se encontrava no barco para além de mim e de Jack. Quando os meus olhos ultrapassaram o nível do convés, o meu coração parou e senti-o encolher, definhar com o medo, com o terror, com a surpresa. Dante contorcia-se no chão, agarrado a um pedaço da bilha de oxigénio que estava espetado no lado direito do seu peito. O sangue carmesim manchava-lhe a camisola e a cara, escorrendo pela sua boca. Jack correu para ele, agarrando no pedaço de metal.
- Não! - berrei, após o súbito despertar do meu lado racional. - Se tirares isso podes piorar a hemorragia e tirar-lhe tempo precioso de vida!
Jack afastou-se. As lágrimas cobriam-lhe os olhos. A minha visão também estava um pouco enevoada. Aproximei-me de Dante e tentei acalmá-lo. O meu cérebro trabalhava a duzentos à hora. Apenas uma pergunta me passava na cabeça: "como é que tinha sido ele a apanhar com os destroços?" Recordava agora das primeiras imagens que vira antes de me escapar da explosão. Jack a sair de dentro da sala de controlo do iate, Dante a subir pelas rochas do outro lado do barco. Dante a correr para Jack. Eu a atirar-me para trás. A explosão. Dante a sufocar nos meus braços. Ergui-lhe a cabeça. obrigando-o a olhar-me nos olhos. Ele tentou dizer-me alguma coisa.
- Shhh, não digas nada, bebé, mantém a calma, vai tudo ficar bem. Depois disto eu levo-te até ao aquário, e vamos ver os tubarões a uma distância segura...
Um sorriso começou a formar-se na sua face, que de novo se contorceu de dor. Ele tentou puxar o bocado de metal.
- Não, não tires isso, eu sei que dói, eu sei que te dói imenso, querido, mas tens de aguentar, por mim, por favor... - Continuei a encorajá-lo, encostado a minha testa à dele.
Um clarão branco cruzou o convés. Ao longe, ouvi um helicóptero. Atrás de mim, o som de um motor de uma lancha ficava mais próximo. a guarda-costeira tinha chegado. Pouco depois, paramédicos tiraram-mo dos meus braços. Eu entrei em pânico. Queria saber se ele ia ficar bem. Jack aproximou-se de mim.
- Desculpa... fui tão parvo... quem devia estar ali era eu... ele apercebeu-se da explosão e correu, meteu-se entre mim e a garrafa de oxigénio... Eu..
- Não. Digas. Mais. Nada. - sibilei, olhando-o friamente.
Eu culpava-o pelo que se acabara de passar.
- Se ele não se safar, - ameacei. - tu não vais voltar a ver a luz do dia!
Alguém me puxou, gritando que tínhamos de sair do barco, que estava prestes a afundar-se. Entrei na lancha.   O meu pés escorregou, e caí à água. Fechei os olhos, tentando relaxar. De repente, lembrei-me que as minhas roupas estavam cobertas de sangue. Os guardas-costeiros apontaram um holofote na minha direcção. A luz branca atravessou a água, e reflectiu-se nos seus olhos. Aqueles olhos que me eram inconfundíveis. Ele estava de volta. O Grande Tubarão Branco. Eu estava preso no seu domínio. Algo me puxou para fora de água. E o tubarão seguiu-me. Ergueram-me para o convés da lancha. E o Tubarão seguiu-me. Alguém soltou um grito de terror quando viu os dentes brancos serrilhados quase a alcançarem a minha pena. Os seus olhos negros fitavam-me famintos. Voltou a desaparecer sob a superfície das águas. E eu olhei para o guarda-costeiro que me puxara. O meu coração quase me caiu aos pés quando vi que quem me tinha agarrado não era nada mais, nada menos, do que Jack. Aquele que quase roubara a vida do meu amado, acabara de salvar a minha.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 10

A escuridão da noite começava a abater-se sobre a praia vazia. Apenas eu e Dante nos encontrávamos no areal. Ele estava sentado na toalha e eu estava deitado, com a cabeça no seu colo, enquanto ele me desalinhava os cabelos. Decidi fazer a pergunta que há muito me andava a incomodar.
- Dante, porque é que tu e o Jack acabaram o namoro?
Ele foi apanhado completamente de surpresa. Olhou para o oceano longínquo.
- Ele foi por maus caminhos e nem mesmo eu o consegui demover... Por isso, optei por acabar a relação que tínhamos. Ele estava completamente diferente do rapaz por quem eu me tinha apaixonado. Mudou... para pior.
- E achas que ele já voltou a recuperar?
- Não sei...
- Então... Que problemas é que ele tinha?
- Principalmente, andou nas drogas...
A minha cara contorceu-se numa expressão de surpresa e repulsa. Tentei olhar para os olhos de Dante, mas apenas conseguia vislumbrar o seu queixo, pois ele estava a observar as estrelas por cima de nós.
- Principalmente... ? Ele tinha mais algum problema?
- Não lidou muito bem com a minha decisão... e tentou...
- O quê? - perguntei, com medo da resposta.
- Encontrei-o na rua, num beco, perto de casa dele. Era pleno inverno em Montreal. Só o consegui ver por causa da neve manchada de sangue, que me chamou a atenção... Ele tinha cortado os pulsos para que eu me sentisse obrigado a voltar para ele...
- E o que é que fizeste? - Interroguei.
Dante continuava a olhar para as estrelas. Quem o ouvisse falar, surpreender-se-ia com o quão calmo ele conseguia estar a falar sobre o assunto e poderia pensar que não o afectava. Mas afectava. Eu conhecia-o, e sabia que aquela calma fria era um instrumento de defesa para afasta os seus verdadeiros sentimentos e conseguir falar sobre assuntos difíceis.
- Nada. Quer dizer... Levei-o para o hospital. Ele achou que me devia ficar para sempre grato por lhe ter salvo a vida... E desde então que tem andado sempre atrás de mim...
- A perseguir-te? - murmurei.
- Pode-se dizer que sim...
Notei que havia algo mais que o incomodava.
- Quando te deixei sozinho com ele... Falaram sobre o quê? - Instiguei.
- Sobre ele... - comentou. A sua voz transparecia alguma preocupação e medo.
- Que disse ele?
- Disse que queria voltar para mim... que me amava e que faria tudo por mim, mesmo que fosse uma loucura imensa.
Sentei-me de um salto e olhei-o nos olhos.
- Dante! Será que ele queria dizer que se ia...
- Provavelmente... - Disse, fria e melancolicamente.
- E tu deixaste-o andar por aí sozinho?! - Repreendi.
- Eu... Não sei que mais fazer. - Os seus olhos brilharam com as lágrimas que começavam a toldar-lhe a visão. - Não sabes o quão frustrante e doloroso é saber que a vida de alguém está dependente de ti e que, para a salvares, terás de te afastar da pessoa que mais amas neste mundo...
Estremeci com as suas palavras. Não sabia. E Ninguém devia passar por isso. Ele começou a soluçar e eu envolvi-o instintivamente com os meus braços, protegendo-o. Dei-lhe um beijo leve na cabeça e sussurrei-lhe que tudo ia ficar bem, que eu estaria sempre ali para o apoiar. No entanto, não conseguia deixar de pensar no que estaria Jack a fazer naquele momento. Um telemóvel tocou. Era o de Dante. Ele olhou para o número e pediu-me à pressa para atender, pois era o padrasto dele e não queria que percebesse que Dante estivera a chorar.
- Estou! - Cumprimentei, no tom mais alegre que pude.
- Estou, Dante? Não, tu deves ser o...
- Kyle, sim. O Dante... foi à água, mas eu posso passar-lhe o recado, se quiser... - disse, fazendo o meu namorado sorrir com a minha desculpa inventada à pressa.
- O quê? Mas vocês estão em alto mar e vão à água a estas horas?!
Olhei para Dante, encolhendo os ombros.
- Alto mar, como assim? - respondi, sentindo o meu sorriso morrer lentamente.
- Vocês não estão no Iate?
- Nenhum de nós tem as chaves do barco, como poderíamos estar no iate?
- Mas as chaves estavam aqui em casa, no chaveiro e agora não estão! - Exclamou o padrasto dele.
- Bem, o Dante não tem as chaves do barco...
- Então quem raios levou as chaves?!
Eu revirei os olhos e encolhi os ombros, transmitindo a mensagem a Dante, que as chaves tinham desaparecido. Ele ficou pensativo e, de repente, os seus olhos abriram-se numa expressão de medo e pânico que eu apenas vira uma vez: quando Dante se tinha apercebido que estava a nadar nas mesmas águas que um tubarão-branco, semanas antes, poucas horas antes de eu quase ter sido morto pelo animal.
- Que se passa? - Interroguei, quando ele se levantou repentinamente.
- A única pessoa que esteve em casa para além de mim foi o Jack. Eu lembro-me de ter aberto a porta e ter visto as chaves no chaveiro, mas quando saí para vir ter contigo, as chaves do barco já lá não estavam. Pensei que tivesse sido o meu padrasto a tirá-las, mas pelos vistos não foi... - Contou, rapidamente, enquanto corria pela praia fora, em direcção ao cais.
Lembrei-me que ainda estava ao telemóvel, e que do outro lado da linha estava um homem preocupado em saber o que se estava a passar.
- Emergência. Caso de vida ou de morte, por amor aos deuses chame a guarda-costeira! - resumi, desligando o aparelho e correndo atrás de Dante.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 9

Três dias tinham passado desde que eu vira Jack pela primeira vez, em frente à casa de Dante. Eles já haviam tido uma relação bastante próxima. Mas eu sabia que havia algo que Dante não me estava a contar sobre Jack, já que ele não parecia muito agradado com a presença do rapaz ruivo. Eles tinham ficado a conversar durante um bocado fora do meu alcance de audição e Jack acabou por se ir embora, pouco depois. Mas voltou lá no dia seguinte. E eu também o vira lá esta manhã, mas preferi deixá-los sozinhos e fui para a praia.
As ondas estavam convidativas e rapidamente me pus em cima da prancha. Senti o ar passar-me entre os cabelos e acariciar-me a cara enquanto saltava da crista da onda, dando uma pirueta enquanto segurava a prancha para não me sair de debaixo dos pés. O som da rebentação era uma melodia calmante para os meus ouvidos e depressa esqueci as minhas preocupações acerca de Dante e Jack.
Quando voltei à areia, ouvi um som familiar. Aquele som compassado das cordas da guitarra eram-me inconfundíveis. Corri para a fonte do som. Reconheci-a. Ela estava prestes a começar a cantar, quando eu a interrompi-a cantando a música que ela tocava.
- Do you hear me? I'm talking to you, across the water, across the deap blue ocean under the open sky, oh my, baby I'm trying*
Ela olhou-me, cumprimentando-me com um largo sorriso e continuando a tocar.
- Boy, I hear you in my dreams, I feel you whisper, across the sea, I keep you with me, in my heart, you make it easier when life gets hard.*
Os seus cabelos dourados balançaram quando pousou a guitarra e se ergueu para me cumprimentar, com os seus olhos verdes transbordando de saudade.
- Kelly! Que estás a aqui a fazer? - Perguntei, surpreendido.
- Vim visitar-te, obviamente! - Respondeu com o seu sotaque Australiano. - Deuses, estás enorme! Estás tal e qual o Tom!
Ela sorriu melancolicamente ao mencionar o meu irmão. Kelly ainda se sentia culpada pela morte dele. Ela achava que se não tivesse insistido para que ele fosse surfar com ela àquelas horas da noite, o tubarão não o teria atacado. Mas depois da morte do meu irmão, eu e ela nunca mais perdemos o contacto, ajudando-nos mutuamente a ultrapassar o choque e dor que a perda de Tom causou.
- Já vi que também andaste a praticar as tuas habilidades de surfista... - comentou.
- Estiveste a ver-me? - interroguei.
- Sim, mas só por um pouco. Vim  agora de lá de casa...
Percebi a hestitação dela.
- Oh... Ela ainda está alterada? A minha mãe, digo. - Perguntei.
- Apercebi-me que a Annah estava, de facto, preocupada com alguma coisa... Mas o teu pai não me quis dizer o que se passa... Disse que era melhor perguntar-te a ti...
Revirei os olhos e deixei-me cair na areia.
- O que se passou, Key**? - Interrogou.
Ela era uma das únicas pessoas que me tratava pela primeira letra do meu nome. A única pessoa para além dela que o fazia era o meu irmão.
- Muita coisa mudou desde a última vez que nos vimos, Kelly... - começei.
- Credo, até parece! Não cresceste assim tantoo... - gracejou.
Eu sorri amargamente e ela fez-me sinal para que continuasse.
- Bom... Há um rapaz novo em Newport Beach, o Dante.
- Más companhia, é? - disse ela, flectindo os músculos da testa numa expressão quase cómica de repreensão e dúvida.
- Não... Só que... - hesitei.
- Desenvolve, por favor, estás a matar-me com tanto suspance! - Avisou, acentuando a última palavra.
- Oh, credo, o teu sotaque francês é horrível! - Critiquei, rindo-me.
Ela riu-se também, mas pediu logo de seguida para que eu não desviasse o rumo da conversa.
- Eu apaixonei-me por ele. - informei, de uma só folgada de ar.
O riso que ela soltou atingiu-me como um camião.
- Estás a brincar, só pode! - Exclamou. O seu riso esmoreceu. - Oh... Não estás... e contaste aos teus pais?
- Não... Contei o meu pai. O meu pai contou à minha mãe... - Respondi, cruzando os braços.
- Mm... Desculpa ter-me rido.. apanhaste-me de surpresa... - desculpou-se.
- Não faz mal, Kelly.
Ela abraçou-me. Ouvi passos perto de nós e espreitei pelo canto do olho.
- Dante... - cumprimentei.
- Oh, então tu és o Dante? - perguntou Kelly, virando-se de costas para mim e de frente para ele. - Então espero que trates bem o Kyle, senão vais ter de prestar contas com estes meninos!
Ela ergueu os punhos fechados, ameaçadoramente, numa posição de lutador de boxe. Tentei conter o riso, em vão. Pouco depois estávamos a rir os dois em conjunto, arrancando um sorriso de Dante.
- Sim, eu sou o Dante... e tu és?
- Kelly. Kelly Gale. A namorada do irmão do Kyle... Bom... agora sou apenas a amiga do Kyle. - informou, com a dor patente na voz.
Os seus olhos verdes ficaram ensombrados com a saudade e a mágoa. Eu conhecia aquela expressão. Era a expressão com que tinha ficado imenso tempo após a morte do meu irmão. Mas ela já não usava aqual expressão há anos, nem mesmo quando falava de Tom. Aquilo era algo mais.
- Que se passa Kelly? - Perguntei.
- Key... Não te lembras?
- DO quê? - Perguntei, em uníssono com Dante.
- Não queria ser eu a recordar-te... Mas faz hoje três desde o ataque...
- Oh... Três anos desde a morte do Thomas... - completei.
Fiquei pensativo, reflectindo como o tempo passava depressa, e como era ainda mais rápido a tirar-nos o que gostamos e aqueles que amamos. Dizem que o tempo cura tudo. Mas nem tudo pode ser curado, nem mesmo com o tempo. A única coisa que poderia curar a nossa dor, era que o Tom não estivesse morto. Mas ele não podia voltar a viver. E nós ficávamos, para aprender a lidar com a situação. Mas apenas podíamos aprender a lidar com a dor todos os dias, até ela se tornar suportável. No entanto, suportável não é inexistente. 

* Primeiras estrofes da música Lucky, do Jason Mraz em dueto com a Colbie Caillat
** Key, é a pronunciação inglesa da letra "K", a inicial do nome de Kyle. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 8

Eles pararam. Tinha quase a certeza que estavam a falar de mim, pois as suas vozes morreram assim que entrei na cozinha iluminada pelo sol da manhã. Podia ver a costa de Newport Beach através das janelas.
- Que se passa? - Perguntei-lhes.
Os meus pais entre-olharam-se mutuamente com cumplicidade. Algo não estava certo. O meu pai lançou um olhar suplicante de aviso à minha mãe. Ela agitou os seus cabelos castanhos compridos, que lhe cobriram a cara e o ombro. Avançou, determinada e rapidamente para a porta das traseiras, saindo para o pequeno jardim luxuriante que se encontrava logo a seguir à porta de vidro. Eu percebi o que se passava quando o meu pai me olhou com uma expressão culpada.
- Oh não! Tu contaste-lhe?! - Interroguei, surpreendido e revoltado.
- Esperavas que não o fizesse? - Replicou, ainda mais surpreendido que eu.
- Não, mas esperava que me deixasses que eu o fizesse, ou que eu estivesse presente quando o fizesses! - Exclamei.
Ele ficou desarmado.
- Ela perguntou... - começou.
- E tu dizias para ela falar comigo! - Disse eu, friamente.
- Vais-me julgar por ser sincero com a minha mulher? - Desafiou.
- Não, mas vou julgar-te por teres posto o teu filho numa situação destas! - Afirmei, voltando para a sala.
A minha mãe era mais conservadora que o meu pai. Eles eram de ambientes diferentes. A minha mãe sofreu uma educação austera por parte dos meus avós, no seio de uma família rica. O meu pai, por outro lado, era um surfista, filho de pais pobres, que haviam falecido pouco após o seu nascimento e tinha ficado a cuidado de um casal amigo dos meus avós paternos. eles sempre lhe ensinaram a valorizar o amor, qualquer que fosse a forma como esse sentimento era expresso. A minha mãe, por outro lado, teve dificuldades em convencer os meus avós de que o meu pai era um bom partido, apesar das poucas posses. ter um filho homossexual não devia ajudá-la muito a manter uma imagem "limpa" aos olhos dos meus avós. Avós esses com quem eu nunca me dera muito bem.
Enquanto pensava, sentei-me no sofá, cruzando as pernas. O meu pai apoiou os braços nas costas do sofá, sentando-se de joelhos por trás de mim e colocando a cabeça sobre as mãos.
- Desculpa, filho... Eu não fazia a ideia que ela era assim tão...
- Homofóbica? - Arrisquei, grunhindo.
- Mm... posto nesses termos parece algo mau... - comentou.
- Talvez porque a homofobia é má? - Perguntei retoricamente.
- Pois... Mas ela não sabe como há-de reagir... - Defendeu-a ele.
Olhei para ele. A sua cara de arrependimento metia mais dó que um cachorro a ganir amuadamente e mexia mais comigo do que os olhos grandes e brilhantes do Gato das Botas do Shreck. Nunca conseguia ficar chateado com o meu pai mais de dez minutos quando ele fazia aquela expressão.
- Achas que devo falar com ela? - Interroguei.
- Talvez seja melhor esperares mais um pouco, para ela interiorizar...
- Ok, então vou ter com o Dante.
O meu pai revirou os olhos, fazendo um sorriso torto que o deixava com uma cara de parvo.
- Credo, para que foi essa cara? - Exclamei.
- Diz-me tu. É a cara com que ficas quando falas no Dante, por isso é que soube que gostavas dele... - Atirou, voltando para a cozinha.
Corri para a porta de entrada e dirigi-me a casa de Dante. O meu pai deixara-o à porta de casa na noite anterior, por isso já sabia onde ele morava.
Assim que lá cheguei, vi um rapaz que eu nunca vira antes na minha vida. Os seus cabelos ruivos agitaram-se com leve brisa que soprava, vinda do mar-alto. Os seus olhos azuis perscrutaram-me, curiosos. Sorriu energicamente, caminhando para mim. Eu fiquei desarmado e atrapalhado com a sua atitude.
- Hey, tudo bem? - Cumprimentou-me.
O seu sotaque. Reconheci-o. Era o mesmo sotaque ligeiramente francês que Dante possuía. E o seu tom de pele clara era idêntico ao do meu namorado. Calculei que fosse Canadiano.
- Olá... - Hesitei.
- mm... pensei que os Californianos fossem mais hospitaleiros... - comentou, um pouco desapontado.
- Oh, e somos, desculpa, eu sou o Kyle Fisher. - Apresentei-me, estendendo-lhe a mão.
- O meu nome é Jack Pine. - Respondeu.
- Vens do Canadá? - Interroguei.
- Sim, como sabias? - perguntou.
- Conheço gente que é de lá. De Montreal.
- Eu também sou de Montreal! - exclamou, surpreendido e animado. - E essa pessoa que conheces que vem de Montreal, mora aqui?
- Sim...
- É o Dante? - continuou.
- É... - respondi hesitante.
- Ah, ainda bem... eu queria voltar a vê-lo. Desde que ele se mudou para aqui que nunca mais me voltou a falar...
- Vocês eram próximos? - disse eu, curioso.
- Bastante... Mais do que algumas pessoas achariam apropriado...
- Eram mais do que amigos?
- Pode-se dizer que sim...
Olhámos para a porta da casa quando ouvimos alguém sair. Dante estacou quando se apercebeu que nós ali estávamos. Os seus olhos saltaram para Jack, surpreendidos, olharam para mim, também surpresos, e voltou a olhar para ambos, desta vez, aterrorizado. Algo não estava bem. Eu sentia que algo estava errado. Muito errado.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 7

A noite já ia avançada quando voltámos do jantar. A minha mãe foi logo deitar-se pois estava exausta. A ida ao restaurante correu bem. Os meus pais ficaram a conhecer Dante um pouco melhor. Sentei-me no sofá, esticando as pernas e ligando a televisão. O meu pai aproximou-se lentamente.
- Posso falar contigo, Kyle?
Olhei para cima. Ele estava apoiado no braço do sofá, com a cabeça por cima da minha. Ele era um homem de aspecto jovem, com trinta e cinco anos. Os seus cabelos dourados eram curtos e estavam espetados. Uma pêra loira cobria-lhe o centro do queixo, desde por baixo do lábio até à ponta. A sua expressão era grave, com os seus olhos verdes perfurantes iguais aos meus.
- Que se passa? - Perguntei, estranhando.
- Há algo que não me estás a contar.
O meu coração falhou um batimento, num compasso de espera que me pareceu interminável, antes de voltar a bater rapidamente.
- Hum? - Respondi, sem saber o que dizer.
- Sabes que me podes contar tudo o que quiseres, filho. Isso não vai mudar nada do que penso acerca de ti.
Agora já não estava a olhá-lo nos olhos, mas sim para o tecto branco por cima da cabeça dele.
- Tu e o Dante... são mais do que amigos... não são?
Tentei olhá-lo de novo nos olhos, mas acabei por ficar a observar os óculos de sol que lhe pendiam na gola em "v" da t-shirt azul-clara com a imagem de um surfista cartonizado. Levantei-me lentamente, cruzando as pernas à chinês e apoiando a cabeça nas mãos. Os meus cotovelos faziam pressão nos meus joelhos. Eu ficava assim quando estava pensativo.
- Kyle... - Insistiu.
- Sim... eu e o Dante somos mais do que amigos.
- E gostas mesmo dele? - Interrogou, sentando-se ao meu lado.
Sorri ao pensar em Dante, nos seus cabelos pretos, nos seus olhos de um intenso azul-marinho, no seu cheiro doce a pinho misturado com água límpida.
- Sim... - confirmei, sentindo o sangue aquecer-me as faces.
- E ele gosta mesmo de ti? - Continuou o meu pai, desta vez de modo mais agressivo e protector.
- Hey, acho que sim! - exclamei.
O meu pai soltou uma pequena risada.
- Também me parece que sim. Espero que se dêem bem. - Desejou.
Ele levantou-se. Estava quase a sair da sala quando o chamei.
- Sim? - replicou, virando-se.
- Não te faz confusão que eu...goste dele?
- Faz. E não compreendo. Mas o amor é algo que é incompreensível por natureza, quer seja entre um homem e uma mulher, quer seja entre dois homens. E muita gente não compreende. A diferença é que eu não tenho medo nem sinto repulsa por aquilo que não compreendo, ou o meu trabalho não seria tentar compreender aquilo que o ser humano ainda não descobriu acerca dos mares e das criaturas que neles habitam.* E tu és meu filho. Não vale a pena tentar compreender o amor, porque é impossível, mas vale a pena tentar aceitá-lo exactamente porque és sangue do meu sangue.
Eu não esperava um discurso daqueles vindo do meu pai. Fiquei atónito a olhar para ele. Respondeu-me com um sorriso e subiu as escadas. Enterrei-me no sofá, reflectindo sobre as palavras dele.

* os pais de Kyle são, como mencionado num capítulo anterior, Biólogos marinhos.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 6

Abri a porta e o pânico dominou-me. Rezei para que Dante se mantivesse no quarto. Abracei-os e tentei sorrir.
- Pai... Mãe... - Gaguejei.
Até eu conseguia perceber a nota de surpresa comprometida na minha voz. Eles passarama por mim. Espreitei para o cimo das escadas, à minha esquerda. A cabeça de Dante apareceu. A sua cara contorceu-se de terror quando se apercebeu de quem havia chegado. Agitei a mão para o fazer voltar lá para dentro.
- Queriamos surpreender-te, mas não penámos que ficasses tão surpreso...Não me digas que deste uma festa doida enquanto estivemos fora... - repreendeu o meu pai.
- ha-ha-ha... - ri, seca e fingidamente. - Claro que não.
- De alguma forma não acho as tuas palavras convincentes... de todo. - desafiou a minha mãe.
- Que é que estão aqui a fazer tão cedo, pensei que só voltassem daqui a dois dias... - comentei, tentando desviar o assunto.
- Fizemos uma pequena pausa... E vai-te vestir, bebé, por favor, que vamos dar uma volta... - suplicou  minh mãe.
Era a minha deixa. Corri para o quarto. Dante não estava à vista. Ele apareceu por trás de mim, escondido atrás da porta.
- Cristo, não me digas que não contaste aos teus pais que és gay... - Exclamou, numa voz esganiçada.
- Dante, nem eu sabia até te conhecer! - informei-o.
Ele pareceu surpreendido com a revelação. Eu nunca pensara muito na minha sexualidade. Era algo que eu mantinha como garantido, como quase toda a gente. Mas nunca tivera uma namorada. Nunca achara isso estranho, não gostar de nenhuma rapariga. A minha paixão eram o mar e o surf. Olhei para Dante de repente, com os olhos esbugalhados.
- Oh, a tua roupa está na máquina, a mãe costuma por sempre roupa a lavar quando chega!- Lembrei-me.
Estava prestes a correr para a lavandaria, quando esbarrei com o meu pai, quase o atirando ao chão.
- Filho! Para quê tanta... Dante?
O meu coração falhou um batimento. Ouve Dante aspirar o ar entre os dentes, como se algo o tivesse picado.  O meu pai ergueu uma sobrancelha. Era a expressão que ele fazia quando estava intrigado. Ele sabia sempre quando eu estava a esconder alguma coisa e o que é que eu estava a esconder. Olhei para ele, suplicante. Ele trincou o lábio.
- Há algo que me querias contar a mim e à tua mãe...?
Passei a mãe pelo cabelo. Estava a começar a entrar em pânico. Eu não estava pronto para lhes contar. Caramba, eu mal me conseguia aceitar a mim mesmo naquele momento, quando mais contar a alguém o que se passara segundos antes.
- Oh, Sr. Fisher, eu ontem embebedei-me demais... Os meus pais não estavam em casa e o Kyle trouxe-me para aqui. - contou ele. - Mas eu não me senti bem e... Bom, deitei tudo fora para cima de nós, quando ele me estava a transportar até ao quarto. Ele foi simpático e deixou-me dormir aqui.
Por alturas do início da narrativa, a minha mãe também já aparecera com as roupas de Dante na mão, pronta a fazer-me perguntas.
- Ah, então sempre foste a uma festa. - Comentou o meu pai.
Encolhi os ombros. Algo me dizia que ele não estava muito convencido. Mas, tecnicamente não lhe mentimos. Apenas ocultamos pormenores que talvez ele não estivesse pronto para ouvir... Isso não era errado... Pois não?
Dante pegou na roupa que a minha mãe lhe estendia e começou a vestir-se. Os meus pais foram para o andar debaixo e eu sentei-me na cama, suspirando de alívio.
- Não estava à espera que eles chegassem tão cedo... - Afirmei.
Senti-o mexer-se por trás de mim, e envolveu-me com os braços, pousando o queixo levemente no meu ombro, dando-me um beijo na face.
- Pois...
- Obrigado por me teres dado apoio há pouco... - agradeci, olhando-o nos olhos.
Ele parecia um pouco triste.
- Eu compreendo que não te sintas pronto para lhes contar... Mas algum dia terás de o fazer... Lembro-me que quando disse aos meus pais que sou homossexual, eles não aceitaram muito bem, no inicio. Mas acabaram por aceitar, eventualmente.
- De alguma forma isso não me tranquiliza muito. - Repliquei.
Ele beijou-me levemente.
- Confia em mim. Eles são teus pais e amam-te, sejas como fores.
Sorri. Ele conseguia sempre usar as palavras certas.
- Queres vir connosco? - Perguntei.
- Mmm... Sim, mas convém passar primeiro por casa, para avisar a Jessie de que estou bem.
Voltei a beijá-lo, dirigindo-me ao armário para me vestir também. Podia até sentir-me um pouco inquieto com o facto de não saber como os meus pais reagiriam se o único filho que estava vivo era gay, mas nada se comparava à felicidade enturpecedora que eu sentia quando estava por perto de Dante.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 5

Olhei para ele. Estava a acordar. Dante dormira profundamente durante a noite, tal como eu. Quando acordou, olhou em volta. Mas não me viu.
-Où suis-je?! - Exclamou, num francês perfeito, que me fez sorrir. - Mon Dieu, quelle chambre est-ce?! Avec qui j'ai passé la nuit?!*
Sorri-lhe, entrando no quarto.
- Está descansado, estás no meu quarto. - Respondi. - Não passaste a noite com ninguém...
Ele olhou para mim surpreendido.
- Ah... sabes francês? - interrogou.
- Um pouco... - respondi.
Ele olhou para si e mesmo e observou-me.
- Porque é que estamos em boxeres? - perguntou.
Abri a boca numa expressão espantada. Tinha-me esquecido que nenhum de nós estava vestido.
- Vomitaste para cima de mim e de ti próprio. - informei, retorcendo a cara.
Ele riu-se, nervosamente. ele pediu-me para ir lavar a boca, pois sentia o mau hálito da noite anterior. Indiquei-lhe onde era a casa de banho. Voltou pouco depois e sentou-se à cabeceira da cama. Eu sentei-me no meio da cama, em frente a ele, com as pernas cruzadas, como tantas outras vezes fizera desde pequeno. Ele olhou para mim, torcendo os dedos.
- Que se passa? Porque é que fizeste aquilo? - Perguntei. - Ninguém se embebeda daquela maneira à toa, a não ser para tentar esquecer alguma coisa...
- Nada... - ele testou-me com um olhar e acabou por ceder. - Chegou a altura de escolher entre viver aqui com a minha mãe e o meu padrasto e ir morar com o meu pai para o Canadá.
Senti uma pancada no peito. Incompreensível. Mas não indolor. Senti-me ficar sem ar. Eu não queria que ele fosse. Tinha desenvolvido uma amizade com ele que era raro encontrar. Eu e ele partilhávamos uma cumplicidade única e difícil de encontrar. Desde o ataque que eu e ele nos tínhamos vindo a aproximar. E eu sabia que ele se dava melhor com o pai do que com a mãe.
- E tu queres ir viver com o teu pai... - murmurei.
- Não sei.
- Mas nada te prende aqui, Dante. - comentei.
- Isso é mentira. Há algo que me prende aqui. - informou.
- O quê? - perguntei, curioso e, no fundo, esperançoso, por pode haver algo que o fizesse ficar.
Ele olhou para a praia, lá fora. Pôs-se de joelhos na cama, aproximou-se de mim, colocou a sua mão na minha cara e puxou-a levemente para mais perto dele. O meu coração batia mais rápido, ansioso pelo que se seguiria. O meu cérebro gritava-me que aquilo não estava certo, que me devia afastar o quanto antes. Então, os seus lábios tocaram os meus. Primeiro, levemente, depois com mais ardor. As nossas bocas abriam e fechavam lentamente, em uníssono, enquanto as nossas línguas se acariciavam. Ele quebrou o beijo, fazendo a sua mão deslizar para o meu pescoço e olhou para os lençóis da cama, envergonhado. Eu tentei balbuciar algumas palavras, mas apenas me saíram sons incompreensíveis. Dante tentou desculpar-se à pressa, começando a afastar-se de mim, mas eu segurei-lhe a mão junto à minha cara, acariciando-a.
- Eu sou o que te prende aqui...? - Murmurei.
Ele aproximou-se um pouco mais.
- Sim.
Sorri-lhe e fitei-o nos olhos.
- Mas tens de decidir onde queres ficar. Não precisas de decidir entre mim e o teu pai. Eu vou estar sempre em contacto contigo, quer vivesses aqui ou no Canadá.
- Mas, por enquanto, - começou. - Prefiro ficar perto de ti.
Voltou a beijar-me calorosamente. Eu correspondi. O meu cérebro já concordava que o meu coração estava certo. A campainha tocou. Eu afastei-me um pouco da sua cara revirando os olhos. ele disse-me que seria melhor eu atender. Saltei da cama e dirigi-me à porta de casa, detendo-me à entrada do quarto observando-o a levantar-se, de costas para mim, para observar a praia através da janela. Sorri ao admirar o corpo dele. O corpo do rapaz que eu amava.

* tradução: Onde estou?! Meu Deus, que quarto é este?! Com quem passei a noite?!


Na Crista da Onda - Capítulo 4

O ar falta-me. Nado. Grito. As bolhas impedem-me de fazer qualquer som. Olhos negros. Dentes. Sangue. Dor. Grito.
Levantei-me da cama com um berro. Os meus pais entraram no meu quarto, assustados com o meu ataque de pânico. Sonhara de novo com o tubarão. Estava farto. A falta de sono deixava-me cansado. Já tinha passado um mês e meio desde o ataque do Tubarão-Branco. mas continuava a ir todos os dias à praia com o Dante, a Jessie, a Amanda e o Sam. Aprendi a conviver um pouco com a Jessica. Mas isso não significava que já tinha esquecido o que se passara. Tranquilizei os meus pais, dizendo que tinha sido só mais um pesadelo e voltei a tentar adormecer.
A manhã chegou lentamente. Vi o sol erguer-se no ar, ouvi os meus pais saírem de casa para irem trabalhar. O telemóvel tocou, as mensagens de texto chamavam por mim. Queriam que eu fosse à praia. Mas eu quis ficar em casa.
Já eram nove da noite quando finalmente atendi uma chamada de Amanda.
- Então, que se passou?! - perguntou, preocupada. - Estive em tua casa, mas não abriste a porta!
- Oh, não estava com vontade de ver ninguém. - queixei-me. - Tive outro pesadelo...
- Pois... É difícil reviveres tudo de novo... Mas, por favor, tens de fazer algo para esqueceres, nem que seja por momentos, o que se passou com o Tom e contigo. Olha, eu e o pessoal vamos a uma festa lá na praia, daqui a pouco, arranja-te e vem ter connosco às docas, ok?
- Mmm...
- Não aceito um "não" como resposta!
Sorri, depois de ela ter desligado. Tinha de admitir que ela tinha razão... Tentei escolher uma roupa adequada. Olhei-me ao espelho. Uns olhos verdes cansados fitavam-me. Penteei um pouco o meu cabelo castanho. Observei atentamente a camisa preta justa de manga curta que me cobria os corpo e os calções de canga que me chegavam logo abaixo dos joelhos. Revirei os olhos, por perceber que tinha uma cara desgastada e saí de casa.
Já todos estavam à minha espera: Amanda, Zac, Sam, Jessie e Dante. Corremos até ao sítio onde se estava a dar a festa. Dante parecia um pouco distante. Ele tinha vindo a ficar assim desde uns dias antes. Já tinha conversado com ele bastante o suficiente para o conhecer minimamente e suspeitava que era, problemas da família que o perturbava. Ele contou-me que a mãe e o padrasto estava fora, pois o pai de Jessie tinha ido tratar de um negócio à Flórida. Mas parecia-me que ele ainda escondia algo mais. No entanto, não lhe consegui arrancar nada. Nem mesmo depois de ele se embebedar um pouco. Nem mesmo depois de ele se embebedar muito. Quando me apercebi que ele já mal se aguentava em pé, os outros já tinham desaparecido.
- DAnte... Sentes-te bem? - Perguntei, preocupado.
- Oh, sim sinto-me óptim...
Foi interrompido por uma falta de equilíbrio.
- Ok, já chega, por hoje é tudo para ti. - Disse, segurando-o e ajudando-o a caminhar para longe da confusão.
Eu mal tinha tocado no meu primeiro copo, por isso, fui capaz de o transportar até minha casa, que ficava perto da margem. Era uma vivenda grande, de dois andares, com paredes brancas, orladas de amarelo. As janelas da sala ocupavam uma enorme porção da parede. Entrei, sem me preocupar muito. Os meus pais, ambos biólogos marinhos, tinham partido nessa manhã para uma expedição no alto mar, para estudarem os movimentos migratórios dos golfinhos.
- Tem cuidado com o degrau... - avisei, ajudando Dante a começar a subir as escadas para o segundo andar.
- Ok...
Chegámos ao cimo e ele tentou libertar-se.
- Eu ainda sei anda... hic... sozinho... podes...
Acho que ele ia dizer que eu o podia largar. Mas não conseguiu acabar a frase antes de vomitar para cima de mim. Contorci a cara de nojo e resisti ao impulso de o empurrar para longe, sob o risco de o atirar das escadas abaixo, o que fez com que ele também acabasse sujo. Levei-o até ao meu quarto, deitando-o na cama. Por essa altura, estava a cantar incompreensivelmente, num tom cada vez mais baixo.
- Ok... e agora vou tirar-te esta camisola suja... - comentei, enquanto o despia.
Ele ainda tentou responder, mas acabou por adormecer antes de eu lhe tirar os calções. Endireitei-o na cama, e levei a roupa para a máquina, pondo lá também a minha. Deixei-me cair exausto no sofá, após ter limpo o cimo das escadas. Pouco depois, adormeci, tão pesadamente como nunca antes tinha feito nos últimos tempos. Nessa noite, sabia que não seria incomodado por pesadelos com o Grande Tubarão-Branco.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda- Capítulo 3

bip. bip. bip.
Acordei com o som irritante das máquinas. Uma luz branca feriu-me os olhos através das pálpebras cerradas. Abri os olhos, fechando-os de novo com o clarão que me cegou. Alguém me largou a mão e correu para a porta. Vozes indistintas. Alegres. Aliviadas. Espera. Onde estou? Abro os olhos novamente, erguendo-me, com a imagem dos seus olhos negros a sorrirem-me maliciosamente, esfomeados, perversos, mortais. Um grito dilacerante e assustado escapou-me da garganta, calando todos os que se encontravam no quarto do hospital. Olhei em volta. Não. Já não estava na água, a tentar escapar do Tubarão. Dante. Ele estava no topo da rocha. Trepara por ela acima. Mas eu escorreguei. Olhei à volta. Lá estava ele, à minha direita, com um olhar assustado.
- Não me largaste? - Perguntei-lhe, estupidamente.
Ele soltou um riso nervoso e aliviado.
- Parece que não.
- Que é que se passou quando... - apalpei a ligadura que tinha na cabeça e observei a que me cobria o peito.
- Escorregaste. Eu consegui agarrar-te. - Contou Dante, com o seu ligeiro sotaque francês. - Estavas quase a cair, não sei onde fui buscar forças para te segurar, mas deve ter sido da adrenalina. A Guarda-Costeira apareceu  e o tubarão foi-se embora.
- Como é que conseguiste trepar por aquela rocha? - Interroguei, surpreendido.
- O meu pai levava-me muitas vezes para as zonas montanhosas a norte e praticávamos alpinismo, escalada e rappel. - informou. - Talvez te ensine um dia.
As pessoas que ouviam a nossa conversa em silêncio não conseguiram ficar caladas por muito mais tempo e começaram a fazer-me perguntas. Sem que ninguém esperasse, ouviu-se estalo sonoro e senti a pele da cara queimar. A minha cabeça pendeu para o lado, mas virei-me rapidamente para ver quem fizera aquilo. Era Amanda. As lágrimas escorriam-lhe pelos olhos. O silêncio voltara a cair no quarto.
- Seu... Seu... irresponsável! Sabias muito bem que era perigoso nadar com os Leões-Marinhos ao entardecer, que é a altura em que o Tubarão-Branco caça! Seu incompetente! Que foi aquilo de saltares para cima daquela besta!? Não, tu é uma besta! Fazeres-me pensar que te ia perder! E ainda bem que estás vivo, porque senão eu ia ao inferno para te atormentar!
Quando acabou de falar, abraçou-me, chorando no meu ombro. Olhei, espantado e indefeso à minha volta.
- Dá-te como sortudo... - Comentou Dante. - Ela também me fez isso... e ainda levei logo a seguir com a Jessie...
Reparei que uma das suas faces estava anormalmente vermelha.
- Espera, quanto tempo é que estive apagado? - Perguntei.
- Cerca de oito horas. - Informou Sam, que também se encontrava no quarto.
Pela primeira vez vi quem lá estava. Amanda, Dante, Jessie, Sam, o pai de Jessie e uma mulher que eu não conhecia, mas que era parecida com Dante. Foi então que os vi, mais ao canto. Os meus pais. Ele tinha uma expressão aliviada, mas a minha mãe estava a tentar conter a preocupação e as lágrimas. Amanda e Sam seguiram o meu olhar e perceberam o que se estava a passar. Sam parecia já estar pronto para enfrentar aquela situação, mas Amanda ficou surpreendida, por não se ter lembrado daquilo. Ela afastou-se, tapando a boca com a mão.
- Cristo, não tinha pensado nisso... - começou.
- Amanda, deixa estar, eu preciso de descansar. - cortei.
Eles perceberam a deixa e todos saíram, excepto os meus pais.
- Desculpa ter-vos feito passar por isto... de novo... - gaguejei.
- Oh, filho, por favor. - Disse ela. - A culpa não é tua, não era possível que soubesses com certeza que lá ia estar aquele... demónio.
O meu pai abraçou-a, tentando acalmá-la. Senti tudo de novo. Estava a reviver o que acontecera. E não queria fazê-lo. Sentir de novo aquela dor, sentir de novo a dor dos meus pais. O meu pai apercebeu-se que eu estava incomodado com aquilo e disse que me ia deixar descansar. Levou-a para fora do quarto. Ouvi o início do choro dela, que me fez sentir ainda mais culpado.
Apercebi-me demovimento vindo da porta da casa-de-banho do quarto, que estava escura. Ele apareceu.
- Desculpa... com a confusão de pessoas a sair fui empurrado para ali... não queria interromper... - desculpou-se.
- Não faz mal... - respondi.
- O que se passou? - Interrogou. - Para dizeres que os fizeste passar por isto de novo?
Ele só se apercebeu da pergunta quando já era tarde demais, quando já a havia feito.
- Oh, não... Não precisas de responder.. - balbuciou.
- Deixa estar... posso contar-te... - repliquei. - Eu tinha um irmão três anos mais velho, o Thomas. Tom. Ele era o melhor surfista que eu conhecia. Ele sempre teve cuidado com os Tubarões. Ele conheceu uma rapariga Australiana, quando ela cá passou uma temporada. O Tom apaixonou-se por ela e, quando fez dezoito anos, foi ter com ela à Austrália. Os meus pais quiseram estar presentes quando ele a reencontrasse e também foram. Levaram-me com eles. No inicio eu não queria ir, porque tinha um mau pressentimento. Os meus pais disseram que era apenas uma birra e obrigaram-me a ir. Ao fim da tarde, o Tom e a tal rapariga australiana foram surfar. Os meus pais e eu ficámos na praia a observá-los.
Dante estremeceu, mas a história não acabava ali, infelizmente, e eu continuei.
- Começou a escurecer. Fui o primeiro a vê-lo. A Kelly, a rapariga por quem o meu irmão se apaixonou, foi a segunda a detectá-lo. Ela gritou-lhe desesperadamente, mas o Tom já estava na crista de uma onda. Ela nadou para perto dele, para o avisar. O tubarão apanhou-o pela prancha e por uma das pernas e ainda atingiu a Kelly com a cauda. O meu pai entrou na água. Mas, entretanto, outro tubarão apareceu. O meu pai só a conseguiu salvar a ela por causa disso.
- Oh... quando foi isso? - perguntou, sussurrando.
- Há três anos atrás. Estive quase um ano com medo de entrar na água por causa disso e, desde então, que não consigo ficar muito tempo no mar sem pensar que pode estar um Tubarão-Branco a observar-me. Mas ultimamente tem melhorado. Excepto quando à leões-marinhos por perto... Toda a gente sabe que leões-marinhos ao entardecer é uma equação que resulta em tubarão...
Ele murmurou algo, para me confortar. Mas eu já não ouvi. Dante saiu do quarto, deixando-me sozinho. As lágrimas correram-me, ao recordar-me desse dia. Estava escuro. Mas o sangue vermelho do meu irmão contra a espuma branca da água era uma imagem que estava bastante clara na minha mente.


Na Crista da Onda - Capítulo 2

Atirei-me à água, desviando-me por pouco da prancha que voara, impulsionada pela onda.
- Devias definir a tua zona de segurança: um perímetro onde deixes de tentar matar-me! - exclamei, rindo-me.
Dante, Jessica e Amanda também se riram. Ele demorou cinco dias a pedir para que o ensinássemos a fazer surf. Mas o rapaz não tinha lá muito jeito para aquilo. Nadou para ao pé de mim e ajudei-o a subir para a prancha. ele olhou para o mar.
- Acho que é melhor pararmos por agora. Não arda e o Sol já se põe. - comentou.
Encolhi os ombros e mergulhei. Mantive-me tanto tempo debaixo de água quanto o que conseguia. Ouvia o som abafado e borbulhante das ondas que passavam por mim. O chapinhar das raparigas a nadarem em direcção à costa. Aqui, eu estava no meu mundo. Isolado de tudo. Os raios de sol iluminavam as rochas do leito marinho que eram cobertas aqui e ali com alguma areia. Foi então que os vi. Subi rapidamente à superfície.
- Dante, tens de mergulhar para ver isto! - disse, entusiasmado.
Ele olhou para mim. Depois, virou-se para a superfície da água. Um deles pôs a cabeça de fora para respirar. Dante observou, admirado, o seu corpo afunilado, de tons castanho-acinzentados, ágil e rápido.
- Leões-Marinhos da Califórnia. - Informei, sorrindo.
Dante mergulhou, enquanto eu subi para a prancha. Naquele local, onde as águas eram profundas, os Leões-Marinhos costumavam brincar animadamente. Dante vinha de vez em quando à superfície, fascinado com o que via. Mas eu já me mantia atento, perscrutando a superfície. O meu coração começou a bater mais depressa. Dante voltou de novo à superfície, à minha direita, e chamei-o.
- Ouve-me com atenção: podes brincar com eles, mas, se eu te gritar, vens para cima da prancha assim que me ouvires, entendes-te?
A minha voz soava grave e séria. O rapaz pareceu ficar assustado.
- Porquê? - Interrogou.
- Não te preocupes, é só por precaução, eu explico-te depois quando sairmos da água. - comentei, forçando um sorriso.
Ele encolheu os ombros e mergulhou de novo, desta vez com mais cuidado. Senti algum movimento Lá à frente, a aproximar-se. Não vi o que era. A adrenalina começou a correr. Olhei para trás, para a costa. As pessoas estavam a sair da água. Algo estava errado. Vi Jessica e Amanda, que abanavam os braços no ar, desesperadamente, fazendo sinal para que fossemos para a areia. Uma brisa transportou aquela palavra tão temida que se ouvia ao longe. Olhei à minha volta, procurando por Dante.
- Dante!!! - Gritei.
Ele subiu de novo à superfície. Parecia já ter esquecido o que eu lhe dissera.
- Vamos embora! - Ordenei.
- Já, porquê?
Olhei de novo para trás. Nunca conseguiríamos chegar à costa. Não antes de ele chegar até nós. Entrei cuidadosamente na água. Dante olhou-me.
- Que se passa? - Perguntou.
De novo, a brisa embalou a palavra que, para nós era sinónimo de medo, terror, pânico, morte.
- Tubaraão!
Como que respondendo ao chamamento, a barbatana dorsal ergueu-se na água, a alguns metros nós. Depois, voltou a aparecer, rondando-nos. Estava a nadar à nossa volta, escolhendo a presa. Os Leões-Marinhos já haviam desaparecido. Eu e Dante éramos as únicas presas presentes. Ele olhou para mim aterrado. Fiz-lhe sinal para esperar um pouco e mergulhei, tentando observá-lo. Era maior do que eu pensava. Um Tubarão-Branco. A avaliar pelo tamanho, devia ter uns quatro metros de comprimento. Era um macho adulto. Os seus olhos negros fitaram-me. Ele virou costas. Estava a começar a nadar para longe. Mas eu não confiava nele. O mega-predador não estava a fugir nem a ir-se embora. Eu sabia que ele estava só a  criar espaço para ganhar velocidade de investida. Mas talvez isso nos desse tempo. Subi à superfície.
- Dante, ouve com atenção. - instruí, rapidamente. - Ele vai voltar. Vamos nadar até às rochas que ali estão e tenta subir o mais rápido possível. Nada abaixo da superfície para ele te ver e saber que não és uma foca. Usa braçadas vigorosas, dá aos braços e às pernas, mas, faças o que fizeres, não chapinhes! Ele vai pensar que estás ferido e a querer sair da água e vai atacar-te se chapinhares.
Olhei de novo para o Grande Tubarão-Branco. A barbatana dorsal fora de água. Consegui perceber que ele se estava a virar de novo para nós.
- Vai! - ordenei, empurrando-o em direcção às rochas.
- E tu?! - Perguntou, em pânico.
- Já lá vou ter, vai!
Ele mergulhou. Vi-o logo abaixo da superfície, a nadar em direcção à salvação. Eu agarrei na prancha e fui nadando lentamente, agarrando a prancha com uma mão. Subi para cima dela. Eu sabia que, se o conseguisse atrair, o tubarão demoraria a fazer uma nova investida. Ouvia os gritos na costa. O tubarão nadou em direcção a Dante. Comecei a chapinhar, tentando atraí-lo. Eu sabia que os tubarões confundiam muitas vezes os surfistas com leões marinhos devido à forma das pranchas. Desta vez ia usar isso a meu favor. Resultou. Vi o predador virar-se na minha direcção. Mas vinha mais rápido do que eu pensei. Pus-me em pé, em cima da prancha, pronto a mergulhar. O meu cérebro imaginava todos os cenários possíveis a cem à hora. O meu coração cavalgava como um cavalo de corrida. Foi então que se deu o choque. Muito mais forte que eu alguma vez poderia imaginar. As minhas pernas atiraram-me para cima. Vi a boca serrilhada do animal partir a prancha. O seu gigantesco corpo embateu no meu, atirando-me à agua. Fiquei um pouco atordoado, mas recuperei e nadei até ás rochas. Quando cheguei, tentei subir. Ouvia a voz incompreensível de Dante a chamar por mim. Tentei subir a rocha. O meu pé e as minhas mão escorregaram. a mão de Dante agarrou-me. O meu corpo balançou, senti a minha testa e o meu peito esmagarem-se contra a rocha negra e dura. E tal como a rocha, a minha visão ficou negra.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 1

- Não posso crer que ela está de volta! - choraminguei.
- Bah, qual é o teu problema com a rapariga?! Até parece que ela te fez mal! - Ripostou Amanda, uma rapariga de cabelos cor de areia e olhos preto-azeitona azulados.
Ela era a minha melhor amiga. Conhecia-a desde os meus quatro anos. Ao longe, via a tal rapariga entrar na praia. Os seus cabelos dourados eram mais claros que a areia da praia. Revirei os olhos e deixei-me cair na toalha. Pouco depois, a cara de Amanda estava junto à minha, com um olhar curioso.
- Ela trás um rapaz ao lado... Será que é giro?
Ergui uma sobrancelha e espreitei pelo canto do olho. O tom da minha pele era moreno, tal como o de Amanda e da rapariga de quem estávamos a falar. Mas o rapaz que a acompanhava tinha um tom de pele mais claro. Sorri. Um sorriso matreiro, que Amanda já conhecia demasiado bem.
- Oh não, Kyle, o que estás a pensar fazer? - Perguntou, preocupada.
- Nada... - começei...
- Bebé, queres ir à água? - perguntou uma voz masculina impaciente.
Olhei para a minha esquerda, para o lado oposto do qual eu tinha estado a observar. O rapaz que estava connosco levantou-se da toalha, ajeitando o cabelo castanho. Olhou para mim frívolamente. Era Zac, o namorado de Amanda. Eu também não gostava muito dele. Zac já tinha magoado muito a minha melhor amiga. E uma des vezes em que a magoou, foi porque a traiu, com a rapariga que agora estava mais próxima.
- Jessie!! - Guinchou Amanda. - Que bom voltar a ver-te!
Tapei a cara com as mãos.
- Amanda! - Exclamou a outra rapariga. - Olá!
- Que novidades contas? - perguntou a minha amiga.
- Bem... o meu pai casou outra vez, com a mãe do Dante... - Ao dizer o nome, apontou para o rapaz que a acompanhava que lutava por sacudir a areia de uma das suas meias.
Observei, divertido, o rapaz a por os ténis no chão e a abanar o bocado de tecido com uma cara carrancuda. Foi então que vi os seus olhos. Eram de um azul-marinho vibrante, que parecia ter vários tons, como se observasse a superfície ondulante do oceano desde as profundezas. Aclarei a voz, e ergui-me.
- Olá, Jessica. - disse friamente. Depois, dirigi-me ao rapaz um pouco mais calorosamente. - Bem vindo a Newport Beach, Dante.
Ele sorriu timidamente e apertou a mão que lhe estendi.
- Então que tens feito? - Perguntou Jessica, dirigindo-se a Amanda.
Sorri secamente, erguendo a minha prancha de surf. A minha melhor amiga preparava-se para responder quando gritei "Quem quer vir surfar!?". Foi então que ele deu sinais de vida. Passou a correr por mim, com uma prancha preta com o padrão de fogo pintado a vermelho na ponta. Jessica e Dante saltaram para trás, deixando-o passar. O seu cabelo negro esvoaçou, e olhou desafiadoramente para mim com os seus olhos cor de avelã.
- Ah, desta vez não me vences, Sam! - Berrei, correndo atrás dele, o meu melhor amigo e meu vizinho desde os meus dois anos de idade.
Ouvi o riso abafado de Amanda, que também agarrou na prancha, despedindo-se à pressa dos que se encontravam na margem. Nós os três adorávamos o mar. Sempre vivemos perto dele. De facto, eu e Amanda tinhamo-nos conhecido na praia, quando estávamos a aprender a nadar. Daí a pouco, já estávamos os três a aprender a surfar. Na água eu senti-me... bem, sentia-me como um peixe dentro de água. A sensação das ondas a impulsionarem a prancha por baixo dos meus pés, o equilíbrio precário mantido com alguma perícia, a adrenalina que me corria no sangue. Tudo isso era insubstituível.
Meia hora passou sem darmos por isso, mas decidimos voltar para a margem, para não deixarmos os jovens que nos acompanhavam sozinhos por muito tempo.
Quando voltámos à areia, ainda vínhamos a atirar água uns aos outros. Reparei que Zac parecia chateado. Revirei os olhos e sussurrei a Amanda que era melhor ir falar com ele, antes que se desse uma crise crónica de ciúmes. Sentei-me na minha toalha, para me secar. Senti dois pares de olhos observar-me, o que me fez virar para trás. Jessica desviou o olhar repentinamente, mas Dante continuou a olhar para mim. Tentei fazê-lo desviar o olhar, mas ele continuava fito no meu. Só quando Jessica o avisou é que ele se apercebeu do que se passava e desviou o olhar, com uma expressão de surpresa e embaraço, à qual respondi com um sorriso amigável. Aproximei-me deles.
- Então, de onde és, Dante? Do norte, presumo.
- Sim...
Foi a primeira vez que o ouvi falar. tinha um voz calma, profunda.
- De onde? - continuei.
- Do Canadá. Montréal.
Sorri quando ele disse o nome da cidade em francês.
- Oh, então sabes falar inglês* e francês?
- Oui. - Respondeu, sorrindo orgulhosamente. -  Mas prefiro usar o inglês. O meu francês não é grande coisa...
- Discordo. Tens uma boa pronuncia. - comentei. - Mas pronto. Então, como é viver com a fera?
Ele olhou para Jessica que, entretanto, se tinha afastado, para falar com Amanda.
- Oh, que os deuses me salvem deste castigo... - disse, erguendo as mãos para o céu que começava a escurecer. - Aquela rapariga é tão chataa...
Rimo-nos. Acenei afirmativamente com a cabeça, concordando com ele.
- Já vi que não gostas muito dela... - constatou ele.
- Pois... digamos que ela procedeu mal, no passado. E eu não esqueço assim tão facilmente os erros que as pessoas cometem.
Ele pareceu ficar um pouco incomodado com o assunto, por isso, desviei o tema da conversa. Ficámos todos a conviver até que a lua se ergueu definitivamente no céu e voltámos para as nossas casas. As férias de Verão tinham começado duas semanas antes. Mas eu já sentia que iriam acabar cedo demais.

* como a história se passa na América, as personagens falam em inglês, apesar de eu escrever os diálogos em português.

Na Crista da Onda - Prólogo

O sol abrasador do condado de Orange bateu-lhe na cara directamente. O rapaz semicerrou os olhos azuis, escondendo-os um pouco mais com a franja de cabelos negros. Saiu do carro, com uma mão na testa para se proteger da luz intensa do sol Californiano.
- É demasiado quente. É terrível.... - Queixou-se ele.
Uma rapariga loira tentou sair do carro, dando-lhe uma palmada leva nas costas.
- Sai mas é daí, Dante. Eu não acredito que preferes a neve do Canadá ao sol da Califórnia. Meu querido, vieste morar para nossa casa. Dá-te por feliz por viveres em Newport Beach. É o sítio onde filmaram a série "The O.C."!
- Blargh - gemeu ele. - Desculpa se não vi essa série, Jessica.
Ela revirou os olhos e atirou-lhe uma mala de roupa para os braços.
Um casal de adultos saiu da parte da frente do carro. Ambos tinham sorrisos enormes nos lábios.
- Tenho a certeza que vais gostar disto aqui, Dante. - garantiu o homem.
- Eu, pelo menos, já estou a adorar... - comentou a mulher, tirando os óculos escuros da cara.
- E finalmente vou poder voltar a ver as minhas amigas! - exclamou Jessica, tirando, a custo, outra mala da bagageira.
O homem ajudou a jovem ofegante, transportando a mala para a vivenda. As paredes eram brancas, excepto aquelas que estavam cobertas por janelas de vidro panorâmicas, tais como as da sala e a da entrada. Dante observou a pequena relíquia arquitectónica. No fundo, até gostava da ideia de viver numa casa daquele tamanho. Mas também não conseguia de deixar de pensar no deu pai, que tinha ficado a morar no Canadá, naquele pequeno e apertado apartamento que ele e a sua mãe haviam deixado após o divórcio.
No entanto, poderia recomeçar tudo de novo e corrigir os erros que cometera no passado.

Na Crista da Onda

Local onde decorre a história:
Estados unidos, Califórnia, Orange Conty, Newport Beach

Personagens:
Kyle Fisher
Música:  All in, Lifehouse
Data de nascimento (idade): 21 de Agosto de 1993 (17 anos)
Físico: Cabelo castanho, olhos verdes, estatura mediana, atlético.
Personalidade: Não gosta de dar nas vistas e passa muito tempo com os amigos. É inteligente e criativo. Gosta de andar de Skate, de fazer natação, atletismo e de fazer surf. O mar é, de facto, a sua grande paixão. É bem-disposto e optimista.
Família: Jonathan "Jon" Fisher (pai); Annah Fisher (mãe); Thomas "Tom" Fisher (irmão)

Amanda Daniels
MúsicaCalifornia Gurls, Katy Perry
Data de Nascimento (idade): 25 de Setembro de 1993 (17 anos)
Físico: Cabelo cor de areia longo e liso, olhos cor de azeitona azulados, estatura baixa.
Personalidade: É uma rapariga optimista. Às vezes é um pouco agressiva. Persistente até ao último momento, raramente se deixa ir abaixo e enfrenta toda e qualquer situação com boa disposição. Os seus desportos preferidos são o surf e a natação.
Família: Charles Daniels (pai); Suzane Daniels (mãe)

Samuel "Sam" Stone
Música: The Rock Show, Blink-128
Data de nascimento (idade): 5 de Maio de 1993 (17 anos)
Físico: Cabelo negro, liso, olhos cor de avelã, porte atlético, estatura alta.
Personalidade: Aventureiro, sempre à espera da próxima acção, não para muito tempo quieto e, quando o faz, acaba sempre por inventar uma nova filosofia que, normalmente, vai contra o que os outros afirmam.
Família: Alexander Stone (pai), Naomi Stone (mãe).

Dante Seth
Música: Storm, Lifehouse
Data de nascimento (idade): 4 de Janeiro de 1992 (18 anos)
Físico: Cabelos pretos, olhos azuis, estatura média-baixa, atlético.
Personalidade: É um pouco introvertido. Perde-se nos seus pensamentos, gosta de ajudar os amigos e põe-los sempre em primeiro lugar.
Família: John Seth (pai), Lilian "Lily" Seth Haward (mãe), Jules Haward (padrasto), Jessica Haward (meia-irmã)

Jessica "Jessie" Haward
Música: Give you Hell, The all-American Rejects
Data de nascimento (idade): 15 de Março de 1993 (17 anos)
Físico: Cabelos loiros, olhos azuis, estatura mediana-baixa
Personalidade: Apesar de ser uma boa amiga, acaba por se tornar muito vingativa com os seus adversários, o que lhe dá um pouco de má fama. Mas faz de tudo para proteger a família e os amigos.
Família: Jules Haward (pai), Nina Haward (mãe), Lilian "Lily" Seth Haward (madrasta), Dante Seth (meio-irmão)

Zac Navy
Música: Sex on Fire, Kings of Leon
Data de nascimento (idade): 2 de Outubro de 1993 (17 anos)
Físico: Cabelos castanhos, olhos castanhos, estatura mediana, atlético.
Personalidade:  É um rapaz ciumento, principalmente no que toca à sua namora, Amanda. É inteligente e um pouco frio.
Família: Hugh Navy (pai), Katheline Navy (mãe)

Jack Pine
Música: Dirty Little Secret, The All-American Rejects
Data de nascimento (idade): 9 de Fevereiro de 1992 (18 anos)
Físico: olhos azuis, cabelos ruivos, estatura mediana-alta
Personalidade: É persistente e corajoso, não gosta quando as coisas correm como ele espera e tenta sempre fazer com que seja tudo à sua maneira.
Família: Pai desconhecido, Nadia Pine (mãe).

Kelly Gale
Música: I Never Told You, Colbie Caillat
Data de Nascimento (idade): 10 Outubro de 1990 (21 anos)
Físico: Cabelos loiros, olhos verdes, estatura baixa.
Personalidade: É simpática e afável, adora surf e cantar.