domingo, 15 de abril de 2012

A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada, Episódio 6 - Mateus

O cozido à portuguesa estava delicioso. A Dona Leonor é deveras uma cozinheira sensacional. Tento ajudá-la a arrumar as coisas na cozinha, depois do almoço, mas ela não me permite.
- A minha avó é sempre assim, deixa lá. - explica Mateus. - A cozinha é dela e só lá deixa entrar alguém quando é para comermos o que cozinha...
Eu sorrio face ao comentário, e ele guia-me até à sala. Liga a televisão, oferecendo um barulho de fundo que cortaria qualquer silencio constrangedor que se pudesse formar entre nós.
- Então, Ivo, conta-me mais sobre ti. - pede.
- um... Não há muito para contar... - Hesito.
- Força.
- Bom... há cerca de meio ano atrás, mudei-me de casa dos meus pais... Fui viver com outros quatro amigos meus para uma casa grande, mas depois aconteceram umas quantas coisas que tornaram o ambiente entre mim e eles de cortar à faca. Por isso acabei por ir morar para a mercearia.
- Ah... BOm, mas então, sempre quiseste ter uma mercearia, foi?
- Na verdade... Nunca soube muito bem o que eu queria ser. Acabei por tirar o curso de arquitectura e de Artes. - Contei, encolhendo os ombros e sentando-me no sofá.
Ele pareceu surpreendido.
- Hum, arquitectura?
- Sim, eu sei, não é muito original, mas pronto... - Murmuro.
- Ora essa, não tenho nada contra arquitectura, aliás, até é disso que vivo.
- És arquitecto?
- Sim.
- uau... - Exclamo. - A única coisa que eu fiz foi desenhar a casa onde morava com os meus amigos... E tu, já desenhaste que estruturas?
- Um centro comercial em Nova Iorque, umas quantas casas nos subúrbios de Londres, algumas moradias em Los Angeles... Um pouco de tudo por aqui e por ali. Mas, para ser sincero, acho que tenho uma veia da minha avó e adorava ter algum trabalho relacionado com culinária...
Eu sorrio, encorajando-o. Entretanto, a sua avó entra na sala.
- Hum, eu não confio muito em chefs de cozinha, não desde que o último que conheci partiu o coração do meu neto. - Rosnou a senhora.
Formou-se um silêncio constrangedor no ar.
- Avó... - Ele suspirou. - Bom, com a minha avó, já se sabe, uma pessoa que acabo de conhecer fica a descobrir tudo o que há a saber sobre mim em apenas minutos, mesmo as minhas cartas na manga...
Rio-me. A senhora olha para o neto e encolhe os ombros.
- Ora, se ele tem alguma coisa contra homossexuais, então não é bem vindo nesta casa e não daria um bom amigo para ti, por isso mais vale ficar a saber e...
- Não, não tenho nada contra! - Corto, em minha defesa. - Pelo contrário... Jogo na mesma equipa.
Subitamente, arrependo-me de o dizer, ao ver um brilho estranho nos olhos da Dona Leonor.
- Ora, já têm bastante em comum, vêem? Arquitectos, gostos iguais!
- Não vás por aí avó...
Eu olho para o relógio e desculpo-me, pois teria de abrir a mercearia pouco tempo depois. Mas não seria a última vez que veria Mateus ou a Dona Leonor.

A rotina impôs-se sem eu sequer me aperceber. Todas as manhãs, a Dona Leonor aparecia, pedia-me dicas para ingredientes frescos, e acabava a convidar-me para almoçar. Depois, todas as noites, enviava o neto, com restos do almoço par ao meu jantar, e eu e ele acabávamos a conversar até tarde, até que Matt saía, de volta a casa da avó. Nisto se passou um mês, rápido e em flecha. Nessa noite, Matt tinha ficado até mais tarde.
neste momento ele está a olhar para uma embalagem de pickles, com um sorriso nostálgico e melancólico.
- O que é que te está a deprimir tanto nesses pepinos em conserva? - Interrogo, quase sem levantando os olhos dos papéis das contas.
- Oh... É só que... O Billy adorava pickes...
Ergo uma sobrancelha.
- Deixa-me adivinhar, o cão morreu intoxicado por lhe dares pickles a mais? -  Interrogo, ironicamente.
ele solta uma gargalhada e volta apousar o jarro na prateleira.
- Billy não era o meu cão de estimação, é o meu ex-namorado, o tal chef que me partiu o coração, como disse a minha avó.
Levo a mão à boca, pedindo desculpa.
- Meu deus... com um nome desses, nem devias ter começado a relação... - Critico, jocosamente. - Mas... O que aconteceu?
- Bom.... uma noite fui ao restaurante dele, fazer-lhe uma surpresa. Era o nosso segundo aniversário. Quando entrei na cozinha, apanhei-o a ter relações sexuais com uma das empregadas de mesa.
Trinco o lábio.
- Auch... - Praguejo.
- Pois... Então e tu, alguma relação falhada?
Sustenho a respiração e solto um suspiro. Ele testa-me com um olhar.
- Se não quiseres falar disso, compreendo... Mas torna-se fácil demais falar contigo sobre mim, e acabamos por quase nunca falar sobre ti. És tão misterioso e enigmático para mim como és interessante e divertido.
Sinto as faces corarem, mas acabo por ceder.
- Bom... Quando ainda andava no secundário, a minha melhor amiga tinha um namorado. no início eu não me dava com ele, mas depois ele começou a aparecer mais vezes junto a ela. Não demorou muito até que eu e ele nos tornássemos bons amigos. Um dia ele pediu-me ajuda para um trabalho e fui até casa dele... Uma coisa levou à outra. repetiu-se a situação durante meses sem que ninguém soubesse... Senti que estava a trair a minha melhor amiga, e que estava a ser usado para satisfazer desejos escondidos dele, e ainda que ele também a estava a usar para esconder o que realmente sentia. Mas as coisas começaram a mudar... Ele começou a ficar mais aberto á possibilidade de assumirmos a relação... isso destroçaria a minha amiga... Entretanto fizemos dezoito anos, e quando ele estava prestes a contar-lhe, ela desapareceu.
- Oh, e o que aconteceu a essa tua amiga?
Trinco o lábio.
- Voltou quatro anos depois, e foi morar para a mesma casa que eu.
- Ela... Ela ainda não sabe de nada?
- Não valeria de nada. Eles já não estão juntos, e isso só serviria para a magoar.
- Compreendo...
Ele olha pra o relógio, e adivinho as suas palavras seguintes, as mesmas que dizia todas as noites.
- Oh, olha para as horas! Tenho de ir, a avó deve estar preocupada!
- Tudo bem, vai. - Respondo, sorrindo.
Ele apercebe-se da tristeza nos meus olhos e no meu sorriso.
- Desculpa ter-te feito relembrar isso... - Murmura, aproximando-se do balcão.
Ele pousa a sua mão por cima da minha, observando os meus dedos. Depois, sobe com ela pelo meu braço até ao meu pescoço, e puxa a minha face para junto da dele, pousando levemente os ses lábios nos meus. EU correspondo, aproximando-me mais, e pressionando os meus lábios mais contra os seus. A sua língua acaricia a minha, e com relutância quebramos o beijo. Agora, volto a sorrir, desta vez genuinamente feliz.
- Gosto mais desse teu sorriso iluminado do que do sorriso sombrio de há pouco. - Comenta, também sorrindo, e depois sai, deixando-me a suspirar. 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A.M.I.G.O.S - 1ª Temporada, Episódio 5 - Consequências

Suspiro. Estou neste exacto momento ao balcão da Mercearia parada. Há algum tempo que tenho dormido ali. Os outros expulsaram-e de casa. Bom, tecnicamente não o fizeram... Mas o Daniel é o ponto fraco de todos eles e senti-me deslocado. Sandra então, criticava-me com ada olhar que me lançava. De vez em quando vejo o pobre Óscar e a tímida Matilde passarem em frente à Mercearia, numa tentativa falhada de me falarem. Giuseppe ou Sandra acabam sempre por aparecer. Andreia tem estado ocupada com um novo caso que a poderá ajudar a subir na carreira. Espera... Foi há quase uma semana que o Giuseppe contou aos restantes que eu fora ter com Daniel. Suspiro novamente. Uma senhora de idade entra na mercearia. Tem os cabelos de um branco prateado, e os olhos são azuis enevoados. Caminha determinada, apesar de ser baixa. Observo-a atenta e discretamente. Vejo então um jovem, nos seus vinte e cinco anos, de cabelos ruivos e olhos verde-vivo, corre pela mercearia a dentro.
- Avó! - Exclama, animado.
Ela gira de fora surpreendentemente ágil nos seus calcanhares, e sorri-lhe.
- Matt! Ora que surpresa agradável, pensei que só voltasses de Nova Iorque daqui a duas semanas!
- Decidi vir mais cedo para visitar a minha avó preferida.
Ela faz uma careta.
- Sou a tua única avó viva!
Ele revira os olhos e dá-lhe um abraço.
- Já viste, descobri esta mercearia agora mesmo... - Comenta, agora mais baixinho.
Eu mexo-me, desconfortável, e finjo estar demasiado atento num rótulo para ouvir.
- É agradável... Lá eu NY costumamos comprar tudo em centros comerciais...
- Éne Uai? O que e isso? - Interroga a idosa, provocando-me um sorriso.
- Nova Iorque, avó, mas são as iniciais em inglês.
- Ah, meu filho, sabes perfeitamente que comigo só o português bem falado... Mhm, e se eu te fizer para o almoço um bom cozido à portuguesa como tu gostas?
- Parece-me ótimo, avó. Mas ao jantar cozinho eu uma especialidade americana!
A senhora faz uma cara de enjoada.
- A especialidade da América é comida de plástico, não me convence muito...
Eu sorrio. Ela está já ao balcão, com uma ramada de couves e um saco de feijões. Ela responde-me com um sorriso.
- Bom dia, o meu nome é Leonor, e este é o meu neto, Mateus.
- Matt para os amigos. - Apressa-se ele a corrigir.
- Ivo, muito pazer, Senhor Mateus e Dona Leonor. - Digo, educadamente. - É tudo o que vai levar?
- Sim, penso que sim. - Afirma.
Eu sorrio.
- Se me permite fazer a sugestão, chegou ainda hoje um chouriço alentejano que era capaz de ficar delicioso no cozido... - Murmuro, como se lhe contasse um segredo.
Ela olha para mim de forma simpática.
- Ora, vejo que o menino percebe disto... Por mim acho que sim, de qualquer das formas iria ao talho arranjar chouriço, que já tenho pouco em casa...
- Então sente-se aqui, que eu vou lá buscá-lo. - Convido, oferecendo-lhe a cadeira atrás do balcão.

Quando volto, vejo a Dona Leonor colocar alguma moedas na caixa, e interrogo-a com um olhar, pousando  chouriço no balcão.
- A Dona Gertrudes passou por cá para deixar o euro que estava a dever das alfaces. - informa.
Eu sorrio, agradecido.
- Ora, não precisaa de se incomodar! - Exclamo, dando-lhe o chouriço.
- Não me custou nada, já trabalhei numa papelaria e num café, sei fazer as minhas contas. Então quanto é o chouriço?
- Oferta da casa. - Aviso. - É um presente por cá ter vindo.
- Tem a certeza...?
- Claro!
Ela paga as couves e o feijão, e depois guarda tudo num saco de pano, sob o olhar atento do neto.
- Então o resto de um bom dia e bom apetite para o almoço. - Despeço-me.
Ela está prestes a sair e depois vira-se de novo para mim.
- Daqui a uma hora o meu neto vem buscá-lo. Vem almoçar connosco e não aceito não como resposta! - Diz convidativamente. -  Gostaria de trocar mais impressões culinárias com o menino Ivo, e assim smpre testa por si mesmo se o chouriço alentejano foi uma boa indicação.
Fico pensativo por uns momentos.
- Bom... Não tenho onde ir, por isso acho que posso aceitar o convite, mas não quero incomodar.
- Ora essa, não incomoda nada. Até já.
O par sai, e eu fico satisfeito por me sentir convidado. Há mais de uma semana que tudo o que sentia era rejeição.