quinta-feira, 30 de junho de 2011

A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 4 - Daniel

Há já uma semana, desde a conversa que Giuseppe e Óscar tiveram comigo na mercearia, que a agenda me tem chamado silenciosamente, instigando-me a curiosidade. Finalmente, deixo de resistir ao impulso e agarro o livro de capa preta, folheando-o apressadamente. O seu nome salta-me à vista o meu coração embate contra o meu esterno aceleradamente. Olho em volta, procurando por alguém que me possa impedir de fazer o que estou prestes a fazer. Agito a cabeça e tiro o meu telemóvel do bolso. Marco o número e espero que atendam.
- Estou sim, quem fala? - Pergunta uma voz masculina do outro lado.
O número ainda é o mesmo. Reconheço-lhe perfeitamente a voz.
- Daniel...? É o Ivo...
- Ah, Ivo?! Há quanto tempo! Tudo bem? - Cumprimenta vivamente.
- Não sei bem... Há algo que eu queria falar contigo, mas preferia fazê-lo pessoalmente...
- Mm... Eu estou em Coimbra neste momento, vai ser difícil ir aí...
- Não há problema. Diz-me uma hora e eu lá estarei para conversarmos.
- Tudo bem...

Tal como combinado, ele sai do edifício àquela hora. Ele reconhece-me rapidamente. Tem os cabelos negros, os olhos castanhos, estatura alta e um andar determinado. Aperta-me a mão, cumprimentando-me.
- Então... A que se deve este súbito interesse em mim? - Interroga, sorrindo.
- Há algo que me tem andado na cabeça. Uma pergunta cuja resposta só duas pessoas têm, e uma vez que a outra pessoa não ma quer dar, recorro agora a ti...
- E que pergunta é essa?
- Daniel... Porque é que a Susana desapareceu?
Ele agitou-se, desconfortável, trespassando-me com os seus olhos como se de lanças se tratassem.
- Porque é que vens com essa conversa agora, Ivo?!
- Apenas... Porque sim.
- Mentes mal, disfarças ainda pior... Ela contactou-te? - Inquire, esperançoso.
- Sim...
- O que é que ela te disse? Ela está bem? Onde é que ela está?
- Em minha casa... - Murmuro.
A sua expressão fica como a de quem leva um par de estalos sem os esperar. A sua boca move-se como a de um peixe - abrindo e fechando sem soltar som algum.
- Quando é que...?
- Há uns meses... Ela ainda não te falou?
- Não... Mas se ela não te contou é porque prefere que não saibas... Não sou a pessoa indicada para te contar, Ivo...
- Pois...
- Desculpa... Então e como é que tu estás com esta história toda? Lembro-me bem que ficaste de rastos quando ela se foi embora...
- Estou a tentar aceitar. - Respondo, pensativo, relembrado os momentos que eu e ele passáramos juntos após o desaparecimento de Sandra.
- Acredito que seja difícil...
O telemóvel toca, sobressaltando-me. Sem ler o nome que aparece no ecrã, reconheço quem está do outro lado da linha.
- Ciau! Onde estás, caro?
- Porque perguntas...? - Interrogo, na defensiva.
- Hey, porquê tão agressivo? - Exclama. - Era só para saber se vais abrir a mercearia? A Matilde pediu-me para ir buscar uns ingredientes para  salada, mas...
- Eu agora não posso, Giuseppe. Eu não estou em Sintra...
- Então onde raios te foste enfi... Oh... Tu foste ter com ele?! E não disseste nada?
- Ouve, Giuseppe! - Gaguejo, olhando suplicante para Daniel.
- Espera só até a Sandra saber disto, traidor! - Replica, chantageando-me.
O telefone desliga-se, deixando-me com o som do meu coração bombeando o sangue através do meu corpo, espalhando a adrenalina e os suores frios
- Acho que o melhor é eu ir andando... O Giuseppe está prestes a criar uma revolução...
- Mm... Pensei que fosses ficar mais algum tempo... - Comenta, convidativamente, olhando para o céu.
- Não. Antes talvez ficasse. Mas já não...
E caminhei para longe dele recordando os tempos de antes.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sonho à beira-mar

Sopra forte um vento gelado. Observo as estrelas brilhantes, pontos brancos a alaranjados contra um céu negro da noite que vai a meio. As ondas requebram na areia granulada que sinto debaixo dos dedos das mãos que me apoiam, ali sentado na praia, à beira mar. A minha mente divaga por fantasias - príncipes bem vestidos convidando princesas elaboradamente arranjadas para uma dança ao som de violinos e do piano; heróis sombrios de capuz tapando a cara, correndo pelos telhados de uma cidade medieval agitada, fugindo de uma qualquer injustiça que lhes manchara erroneamente o nome de família outrora reconhecido; homens no espaço pisando pela primeira vez a poeira fina da superfície marciana, observados de longe por hominídeos de pele semelhante a couro cinzento queimado pelo sol abrasador; piratas esgrimando com os seus sabres floreados, tentando conquistar ou defender o seu navio de que se orgulham, com as velas estendidas a todo o pano prontas a saborear aquela brisa marítima que se levanta por perto; sereias curiosas que nadam até à costa, deitando-se maravilhadas na areia à vista de um naufrago de faces angulosas e firmes marcadas pela angústia.
Algo me acorda destas minhas divagações sonhadoras com outros tempos idos ou que estejam por vir. É um som fraco, suave. Grãos de quartzo que formam aquela areia da praia a serem esmagados por pés humanos que caminham lentamente na minha direção. Mas o meu olhar mantém-se no céu. Não preciso de olhar para trás para saber quem é. Os seus passos são me inconfundíveis, quer estivessem sobre areia, sobre mármore ou sobre a relva. Ele cai de joelhos junto às minhas costas, envolvendo-me o peito e os ombros com os seus braços quentes. A minha mão, mais por instinto do que por planeamento, afaga-lhe o pulso, enquanto ele me cumprimenta com um delicado beijo no pescoço e me sussurra um olá ao ouvido.
- Buona sera, mio caro. - Digo, num murmúrio.
Não é a minha língua nativa, mas sei que ele gosta de me ouvir falar em italiano. Consigo adivinhar o sorriso na sua face, apesar de ter agora os olhos fechados, enquanto sinto o seu aroma que tanto me faz desejar estar a todo o momento com ele.
- Como estás?
A sua voz é-me tão familiar aos ouvidos e, no entanto, cada vez que ele fala, sinto que estou a ouvir aquele som angelical pela primeira vez. A sua mão acaricia-me o peito um pouco mais, antes de ele aproximar os seus lábios dos meus. Quando as nossas bocas se tocam, sinto-as. E sei que ele também as sente. As borboletas no estômago. Aquela sensação de que o meu peito pode rebentar de alegria a qualquer momento. A minha outra mão desloca-se em direção à sua cara e acaricia-lhe a face, enquanto ele se põe lentamente  ao meu lado. Quando quebramos o beijo, ele está sentado junto ao meu ombro, e entrelaça os seus dedos nos meus. E ficamos simplesmente a observar as estrelas.
Já me haviam perguntado. E eu tinha medo disso. Perguntaram-me se eu gostava dele o suficiente para o fazer feliz. Mas agora o medo já é apenas uma nuvem negra sobre o meu passado. Sim, gosto dele o suficiente para o fazer feliz, para o fazer o rapaz mais feliz do Universo! Sei que farei tudo ao meu alcance para estar sempre com ele, para o apoiar sempre que ele precisar, para conversar com ele quando tudo parecer estar a falhar, para simplesmente partilhar com ele os bons momentos das nossas vidas que se cruzaram.
- Em que estás a pensar? - Pergunta-me, curioso, fitando os meus olhos.
- Em ti. Como sempre faço. Penso em ti. - Respondo, com uma voz séria e profunda.
Um sorriso desenha-se novamente na sua cara. Aquele sorriso que me faz sentir o centro do mundo de alguém. É aquele sorriso que quero ver sempre a toda a hora na sua cara. Nunca aquelas lágrimas dilacerantes de mágoa e desespero, mas sempre aquele sorriso pacífico e genuíno. Sinto de novo a sua mão mexer-se um pouco entre os meus dedos.
- Nunca pensei vir a amar uma Estrela, algo tão distante e inalcançável pelos homens... - Suspiro, olhando de novo para os míticos pontos luminescentes no céu.
Subitamente, o céu começa a ficar alaranjado, e azul turquesa. Um fogo ergue-se sobre o mar. É aquele astro gigante, que nos presenteia a ambos com o seu brilho e calor.
- Mas apaixonei-me por uma estrela e observo-a na praia. Mas não é ao Sol que me refiro. É a ti, que brilhas mais para mim do que o Sol, porque me guias no escuro mesmo quando o Sol se parece ter abatido e abandonado a minha vida. - Completo, com um sorriso atordoado na cara.
Ele volta a beijar-me carinhosamente, e eu sinto o coração bater fortemente. Já não bate por mim. Apenas bate para me manter vivo para aquele rapaz, aquele rapaz que tanto adoro e que tanto merece o melhor que o Universo lhe possa dar. Aquele rapaz que me faz querer escrever sobre o que sinto por ele.

Adoro-te, mio caro, mais do que ao próprio Sol.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 3 - Mexericos

Peso o saco com as mação que a D. Lídia me entregara para a mão. Depois de um sonoro bip, indico-lhe o preço:
- São dois euros e trinta e oito cêntimos, por favor.
- Ah, acho que não tenho certo para te dar, meu filho... - Queixa-se a idosa.
- Ora, não seja por isso, eu tenho troco! - Tranquilizo, sorrindo-lhe amavelmente.
Enquanto ela procura por moedas, chega-me aos ouvidos a conversa de outras duas senhoras já de idade.
-... o italiano, se queres que te diga, também não é nada inocente. Se ele refreasse os cavalos, o casamento deles não chegaria ao fim...
- Estão a falar do episódio da novela de ontem? - Sussurra-me a voz de Sandra, por trás de mim, junto do meu ouvido.
- Provavelmente.
- Conheço-te. Vi que a conversa te afetou. E se falam de um italiano, provavelmente é do Giuseppe. Que se passou?
- Já te conto. - Digo, apressado, entregando o troco à D. Lídia e registando as compras das outras duas mulheres.
Elas encontram-se caladas, olhando-me de alto abaixo, avaliando a minha expressão. Finjo que não ouvira nada do que acabaram de dizer e despeço-me dela da forma mais simpática que consigo.
- Sim, era sobre o Giuseppe... Sabes que os Arcada se vão separar...?
- Ah, sei. Não se ouve outra coisa na vila a não ser que ela traiu o marido... - Sandra pausa repentinamente, e quase posso imaginar uma luz acender-se por cima da sua cabeça. - Ela traiu-o com o Giuseppe?
- Sim... Eu tive que lá ir contar ao pobre coitado do marido, para ela parar de o chantagear...
A pedido dela, conto-lhe o que se passara três noites antes. A sua expressão vai evoluindo à medida que o grau de surpresa que ela sente vai aumentando cada vez mais. No final da história ela olha para o vazio.
- É por isso que tens andado tão ausente...?
- Sim... Esta história toda... Eu não me sinto no direito de destruir uma relação...
- Mas ela não é mulher para ele. Foi melhor assim. Olha, vou andando. Tenho de ver se consigo algum trabalho...
Despeço-me dela com um beijo na cara e olho em volta. A mercearia está vazia, mas não por muito tempo. Óscar e Giuseppe entram de rompante pela loja.
- Não me digam que estavam à espera que ela saísse para virem aqui falar comigo... - Comento, apontando para o local onde tinha estado Sandra.
- Sim... Nunca ficaste curioso sobre o que é que a levou a desaparecer da forma que o fez? - Pergunta Óscar.
As suas sardas dão-lhe um aspeto de criança, e a sua expressão atual apenas ajuda a fazer com que ele pareça ainda mais jovem.
- Não quero esta conversa agora. - Resmungo, fitando ligeiramente o italiano.
- Vá lá, sabes bem que queres saber! - Exclama ele, em resposta ao meu olhar.
- Sim... - seduz o ruivo. - Vá lá, bebé...
Rosno-lhe, tirando a minha bata e atirando-a para cima do balcão. Ele chama-me assim quando me quer levar a fazer algo. Não que eu sinta algo por ele. Mas é a forma como ele o diz. Faz-me sentir especial. E é raro alguém me fazer sentir assim. Mas Óscar sabe como entoar aquela palavra de forma a que eu o siga como um cachorro. Ele consegue imitar na perfeição a voz que um ex-namorado me fazia quando me chamava por aquela alcunha.
-  Vocês já sabem de alguma coisa? - Pergunto.
- Não... Mas há uma pessoa que talvez saiba...- Comenta Giuseppe.
- Quem?
- Estás mesmo a fazer essa pergunta? - Interroga Óscar. Ao ver que eu estava a falar a sério, ele revela o que estava a pensar. - Tenho um nome para ti: Daniel Rodrigues.
Daniel era o namorado de Sandra quando ela desaparecera. Na altura, ele dera a entender que sabia qual o motivo da fuga da rapariga, já que dizia ser o culpado por tal ter acontecido. Mas ele já nem morava em Sintra.
- E como pensam contatá-lo? - Inquiro, tentando demovê-los daquela ideia.
- Sabemos que ele mora em Coimbra... Sabemos quem ele é... - Murmura Óscar.
- E tu sabes a morada dele... - Atirou Giuseppe.
- Como é que... Quero dizer! Não, não sei! - Gaguejo.
- Sim, sabes!
- Ok, mas não quero falar com ele! - Replico.
- Porquê? - Exclamam em uníssono
- Porque não. Estamos a invadir a privacidade de ambos! - Argumento. - E agora saiam-me daqui que devem aparecer clientes a qualquer altura!
Abano a bata à minha frente afugentando-os. Eles saem do estabelecimento com caras de desapontamento. Eu corro para o balcão e procuro pela agenda que costumo guardar comigo. Lá está ela, intacta, com todos os meus apontamentos que fizera ao longo da vida sobre lugares, pessoas e sobre mim mesmo. Se eles tomassem mão àquele livro, desvendariam segredos que eu não lhes queria revelar nem mesmo a eles, os cinco amigos que me são mais próximos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A.M.I.G.O.S. - 1ª Temporada; Episódio 2 - Chantagem

Fecho a máquina de lavar, esfregando as mãos. Finalmente, acabo a minha tarefa dessa noite. Olho em volta. Ainda me estou a habituar àquela casa, apesar de já nos termos mudado para lá há uma semana e meia. Giuseppe entra na cozinha, sobressaltando-se com a minha presença.
- Oh, que se passa? - Interrogo, desconfiado.
- Ah, nada, nada... - Responde.
Ele procura por algo nos armários da cozinha, de forma agitada. Percebo que ele está a tentar disfarçar.
- Giuseppe. - Rosno. - O que é que te está a dar cabo dos nervos...?
- Ok, olha, se eu te disser, promete-me que fica entre nós...
Cruzo os braços e batuco com o meu pé descalço nos mosaicos brancos, esperando as suas palavras seguintes.
- Então... Há uns dias, eu conheci uma rapariga... E ela era girinha... Estava convidativa... Notava-se à distância que ela queria brincadeira...
- Oh, se me vais dar pormenores do que fizeste com ela, esquece, meu querido! - Exclamo, fazendo uma careta.
- Nada disso... Pronto, para resumir, deixei-me levar. Estava inclinado para raparigas naquela noite...
- Sim, já percebi que foste para a cama com ela! - Corto eu, erguendo uma sobrancelha.
- Só houve um pormenor que ela me ocultou...
- Que foi...?
- Ela era casada...
Eu estou prestes a chamá-lo uma série de nomes pouco bonitos, mas o italiano apercebe-se e deita-me a mão à boca, cortando-me a respiração.
- O pior ainda está para vir... - Informa, olhando-me nos olhos.
Vejo a aflição naquelas duas auras cor de avelã. O assunto parece sério.
- Ela não é casada com um tipo qualquer... Ela é casada com um polícia.
- E isso interessa para a história porquê?! - Pergunto. - Ela era casada, não ias para a cama com ela. Bom, muito menos sabendo que o marido dela é polícia...
- Sim, mas eu só soube disso anteontem...
- E...?
- E ela gostou tanto de estar comigo... Que queria mais, eu disse-lhe que não. E ela chantageou-me... Ameaçou que, se eu não me continuasse a encontrar com ela, contava ao marido que eu a tinha violado...
Os meus olhos abrem-se de espanto. Se ele não estivesse tão sério, a fitar-me os olhos, eu não acreditaria naquela história.
- E sabes o nome dela...? - Interrogo.
- Sei... Cristina. Cristina Arcada. - Informa.
Engasguei-me ao ouvir o apelido. Giuseppe tentou ajudar-me mas eu afastei-o.
- Meu grandessíssimo pitosga! - Exclamo. - Mas não sabias que ela é a mulher de um Polícia?!
- Conhece-la?
- Claro, o marido dela passa todas as manhãs pela mercearia para comprar os vegetais frescos, depois de vir do turno... - Sento-me numa das cadeiras. - Meu Deus... depois disto não sei como vou olhar para  cara do homem...
- Fala com ele! Conta-lhe a verdade!
- Vamos lá a casa deles! - Digo, erguendo-me.
- Agora?
- Sim! Esta história tem de ser tirada a limpo!
- Que história? - Pergunta Matilde, que entretanto entra na divisão, alertada pelo tom alto das nossas vozes.
- Não há tempo para explicar. Anda! - Ordeno.
Puxo pelo braço de Giuseppe, arrastando-o até ao meu mini cooper. Ele tenta ainda fazer-me voltar atrás, mas estou decidido a resolver toda aquela trapalhada rapidamente, antes que tome medidas desproporcionadas. A dada altura da viagem, ele começa a suplicar-me na sua língua materna.
- Não vale a pena, caro, eu não te percebo! - Minto, olhando em frente par a estrada.
- Ah, percebes sim! - Replica, já em português.
quando finalmente chegamos, ele recusa-se a sair do carro. Eu caminho determinado em direção à vivenda. É ela quem me atende a porta. Algo na sua expressão me diz que ela sabe porque estou ali.
- Posso falar com o seu marido...? - Pergunto, amavelmente.
- Não sei se podes...
- Oh, Ivo! Entra! - Exclama uma voz poderosa do interior da casa.
Eu aceito o convite dele e peço-lhe para falar com ele em privado. Subitamente vem-me à cabeça que posso estar prestes a destruir um casamento. Mas aquele homem merece melhor do que uma mulher daquelas.
- Sr. Arcada, tenho algo para lhe dizer... Lembra-se de eu ter falado no meu amigo Giuseppe...?
- Sim! Claro. Meteu-se em alguma alhada de novo?
- Pois... E o Sr. não vai gostar de saber em qual foi...
Conto o sucedido pausadamente, avaliando a reação do homem. Os sinais indicam que ele está desapontado e zangado.
- O Giuseppe tem sorte em ter um amigo que se preocupe tanto com ele como tu... Eu vou falar com a Cristina... As coisas não podem continuar assim... Peço desculpa por ela me ter usado como forma de obrigar o teu amigo a fazer o que ela queria...
Sento-me de novo ao volante, respirando fundo. Giuseppe observa-me.
- Tu tens um jeito para as pessoas... Não devias ter escolhido a mercearia...
- Cala-te... - Rosno, com voz profunda e cansada. - Não quero ter essa conversa agora. Apenas certifica-te de que não destróis mais nenhum casamento...
Faço pressão no pedal com o meu pé, fazendo o carro avançar de novo em direção à nossa casa. Sinto-me mal comigo mesmo quando me vou deitar, depois do que eu acabara de dizer aquele homem tão paciente e justo. Cristina era uma das razões que me faziam ter dificuldade em confiar nas pessoas. As aparência iludem, e cada um aparenta ser apenas aquilo que quer que os outros vejam neles.

sábado, 18 de junho de 2011

A.M.I.G.O.S.- 1ª Temporada; Episódio 1: A Mudança

Sandra deixa cair pesadamente uma das caixas de cartão em frente ao portão da casa. À sua frente estendia-se uma estrada alcatroada em direção à garagem. A casa ergue-se acima do muro, com os seus dois andares repletos de janelas a intervalos regulares.
- Onde foram desencantar esta beleza?! - Pergunta, gaguejando.
- Aqui! - Informa Giuseppe, tocando com um dedo na minha testa.
 A boca de Sandra abre-se ainda mais e eu reviro os olhos, girando a cabeça na direção do meu amigo.
- Foste tu que a desenhaste? - Inquire.
- Sim. Com ideias de todos, obviamente... - Respondo apressadamente. - Está ao gosto de todos... Mas isto foi feito antes de tu voltares, por isso, não há um bocadinho teu naquela casa.
Já não posso retirar as palavras duras que acabo de expressar. Mas ela sorri-me.
- Nesse caso, terei de dar o meu melhor para que tal mude.
Andreia aparece subitamente do monovolume que conduz e arrasta-me pela estrada a cima, virando repentinamente à esquerda e empurrando-me para dentro da cabana de arrumações. à minha volta predomina o material para manutenção da piscina, algumas bóias, uma quantas bolas já cheias, cadeiras de metal articuladas e arrumadas a um canto... E uma mulher a olhar para mim indignada.
- Que queres? - Interrogo, com as mão erguidas em minha defesa.
- Ainda perguntas? Será que não és capaz de dar uma hipótese que seja à rapariga que mais te ajudou no secundário?
- Ajudou, e muito. E depois desapareceu como se os que a rodeiam não se importassem. - Replico.
Ela suspira, desesperada. A porta da cabine abre-se de rompante. Giuseppe olha para nós espantado, espreitando sobre o ombro para verificar se estava mais alguém nas redondezas.
- Caro, pensei que não estavas afim de meninas... - Graceja.
- E não estou. E em particular a fim de uma certa menina. - Silvo.
- Desisto. - Desabafa Andreia, empurrando o italiano para longe do seu caminho.
- Discussão sobre a Sandra de novo? - Pergunta. - Devias tentar fazer um esforço.
- Estou a tentar.
- Nota-se... Anda lá, a Matilde acabou de fazer o tal arroz de pato que nos prometeu!
Ele puxa-me pelo braço, fechando a porta atrás de mim. A cheiro adocicado que paira na entrada da casa convida-nos a caminhar em direção à sala de jantar. Lá, encontra-se uma mesa posta, onde já se encontram todos os outros. Sandra, Andreia e Óscar sentados, e Matilde pousa um tabuleiro fumegante na mesa. Sento-me numa das cadeiras vagas, lambendo os lábios com antecipação. A reação do italiano é idêntica.
após começarmos a comer, Giuseppe, sempre juvenil, ergue o seu copo que já enchera pela segunda vez.
- Proponho um brinde. - Incita. - A nós, amigos inseparáveis, que agora arranjaram um lar onde continuar assim!
Cinco outros braços segurando copos se ergueram, em resposta àquelas palavras. O meu olhar pousa em Sandra e o dela em mim. Noutros tempo, eu e ela havíamos sido muito próximos. No entanto, numa altura em que eu precisava da sua ajuda, ela desapareceu sem deixar rasto, apenas um bilhete informando que estava bem e que levava a sua mota e o seu casaco de cabedal preferido - o que eu lhe tinha oferecido nos anos. Ela olha-me, convidando-me a segui-la.
Levantamo-nos, sem troca alguma de palavras, pois ainda conseguimos ler as expressões faciais um do outro. A divisão fica em silêncio e sinto os olhos dos restantes fitarem as minhas costas. Ela guiou-me até ao seu quarto. De uma das caixas tirou uma peça de roupa preta gasta e de aspeto pesado. Subitamente, reconheci as faixas vermelho-escuras nos ombros.
- Cristo! Ainda tens isso contigo? - Exclamo, admirado.
- Sim, Ivo. Eu nunca me esqueci de ti. Andei sempre com o casaco, desde que mo ofereceste. Claro... Ainda o tentei usar mais, mas como ficou muito gasto... Acabei por ter medo de o estragar completamente com o uso. Mas guardei-o sempre comigo... Não sabes a razão por detrás da minha ida, nem por detrás do meu regresso. No entanto, fica a saber que continuo a ser a tua amiga.
- Veremos. - Respondo, com um tom de teimosia falsa.
Ela sorri.
- Aos novos tempos... - Sussurra.
- Para que tenham tudo de com que os velhos tempos tiveram. - Completo, saindo da divisão, adivinhando o sorriso que se forma na sua cara.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O Tesouro do Grão-Mestre - Capítulo 1

Uma gota escorreu-lhe pelo nariz arqueado. Os seus olhos abriram-se, revelando-se castanhos, transparecendo bondade e preocupação. As nuvens cinzentas refletidas nos seus olhos ameaçavam desabar sobre Lourdes. Olhou à sua volta, vendo as gentes atarefadas, correndo de um lado para o outro, fugindo da chuva. Olhou para o seu peito. O manto de lã castanha escondia-lhe a  túnica branca e imaculada, onde se encontrava bordada a cruz vermelha dos templários. Ao longe, um estranho burburinho ergueu-se no ar, chamando-lhe a atenção. Um pequeno grupo de guardas da cidade moveu-se rapidamente em direção aos portões da cidade. O jovem estava prestes a dar maia volta, para se afastar da confusão, quando ouviu o trote de um cavalo. Era uma criatura magnifica, de pêlo negro luzidio, em tratado, mas já carregando com o seu cavaleiro o fardo do cansaço. Mas algo lhe chamou a atenção naquele jovem cavaleiro. Soube nesse mesmo instante que tinha de intervir. Um guarda preparava-se para desferir um golpe no pobre animal, perto de atirar com o cavaleiro ao chão. O som de metal a morder aço troou no ar, silenciando todos. A sua capa castanha caíra. A sua túnica branca brilhava levemente.
- Pierre, que fazeis aqui...? - Perguntou o Templário num francês áspero.
- Uma mensagem do Grão-Mestre, e algo mais que ele me pediu para lhe entregar.
- Tratemos disso depois, agora tereis de me ajudar a subir para esse fantástico animal, para que possamos partir o quanto antes.
Os guardas não se mostraram alheios à conversa e investiram. Habilmente o templário afastou-os com a sua espada, que soprava o ar, com um ameaçador silvo e um brilho de metal sedento de sangue. O assobio de uma flecha passou-lhe perto do ouvido, terminando com um som seco de carne a ser perfurada e um grito contido do desafortunado mensageiro. Fernando, o Templário, decidiu finalmente erguer-se para o dorso do cavalo, fazendo-o galopar pela cidade. Os homens do Rei tentavam correr atrás do animal, sem sucesso. Os portões fechados barravam o caminho dos dois homens.
- Teremos de usar outra via... - Comentou o Templário.
- Não, senhor, deixai-me para trás, que eu sou dispensável e estou ferido. Levai o cofre e a carta lacrada. As instruções do Mestre de Molay estão aí nesse papel. Ide, e que o Senhor vos acompanhe.
Fernando era jovem, mas já tinha batalhado contra os mouros lado a lado com os seus companheiros. Sabia melhor que ninguém que às vezes um homem tinha de ser sacrificado por um bem maior. O próprio Jacques de Molay um dia lhe dissera:
- Quando é necessário sacrificar uma vida para salvar milhares de outras, a única escolha que temos é esquecer que ele morreu, ou rezar para sempre pela sua alma. Mas se essa vida tem de encontrar o Senhor lá no alto para que mais possam usufruir da sua na Terra, então que seja, meu filho.
Pegou na pequena caixa de madeira e na carta que o jovem Pierre lhe entregava, ergueu-se no dorso do cavalo, e saltou para um telhado baixo de uma das casas. Saltando de telhado em telhado, esquivando-se de flechas que ameaçavam morder-lhe os calcanhares, conseguiu finalmente chegar a uma casa cujo todo quase chegava ao da paliçada. Um salto de fé e transpôs as defesas da cidade, caindo nos ramos de uma árvore que ali repousava há anos. As folhas ampararam a queda, mas os espinhos afiados das ramagens atravessavam-lhe a túnica e picavam-lhe a pele. Deixou-se escorregar do ramo e caiu no chão lamacento. Teria de ir para algum lado onde os homens do Rei não o pudessem alcançar. Teria de fugir de França. À sua frente, majestosos, erguiam-se os Pirenéus, com os cumes brancos com neve, manchados do cinzento da rocha. Por trás deles escondia-se a Península Ibéria - Espanha e Portugal. Decidiu rumar até ao país vizinho, antes de abrir o envelope lacrado, decorado habilmente com tinta negra.
- Para Espanha sigo então... - Comentou para si mesmo, correndo rapidamente por entre os arbustos.
Atrás de si, podia ouvir o trotar de cavalos e o som de botas metálicas a pisarem a gravilha do caminho que se estendia em frente à cidade.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Tesouro Do Grão-Mestre - Prólogo

Toctoc toctoc. O cavalo trotava rapidamente, ao som dos incentivos do homem que o montava. Assim que chegou à pequena mansão na floresta, saltou do dorso do animal e correu em direção à porta pesada de carvalho, abrindo-a com estrondo.
- Preciso de falar com o Grão-Mestre! - Berrou a um servente, num francês fluído e cuidado.
Um homem com o topo da cabeça calvo, longas barbas onduladas brancas e alguns cabelos espessos no lado da cabeça também brancos aproximou-se. Deveria ter os seus sessenta e poucos anos, mas mantinha-se possante, numa túnica branca, com uma grande cruz vermelha ao peito.
- Meu caro Pierre, o que o traz aqui?
- Mestre Molay! - Exclamou o mais jovem, inclinando a cabeça respeitosamente, deixando os seus longos cabelos castanhos escorrerem-lhe pela testa e taparem-lhe os olhos lacrimosos. - O Papa Clemente V ordenou a dissolução da ordem. As nossas fortalezas estão a ser atacados. Fui enviado para vos avisar da tragédia. Brevemente as tropas do Rei chegarão para vos levar cativo...
- Eu, meu caro, não sou importante. Os tesouros da Ordem, esses sim, têm de ser protegidos. E vou dar-te um dos mais preciosos tesouros da Ordem dos Cavaleiros templários. Vem comigo.
O mais novo seguiu-o de perto, olhando em volta atento, procurando por inimigos nos recantos escuros da mansão. Jacques de Molay guiou o jovem até uma cave escondida habilmente, inserida na própria rocha que formava a floresta. Havia tesouros riquíssimos vindos de todo o oriente naquela sala. Mas o Grão-Mestre apenas lhe entregou um pequeno e pobre cofre de madeira com um selo de ouro e prata. No topo da tampa reluzia em marfim uma pomba habilmente trabalhada. A insígnia do Templário em prata era já um trabalho recente na parte da frente daquele pequeno cofre, mas era digno de admiração.
- Senhor, que é isto?
- Ficarás melhor se não saberes.... Mas a ignorância também mata. Quero que leves isso a quem sabe o quão valioso é. Vai até Lourdes, na base dos Pirenéus. Lá procura por um jovem português de cabelos castanhos e olhos cor de avelã de nome Dom Fernando da Rocha. Ele saberá o que fazer com o cofre, apenas dá-lhe esta minha mensagem. Mas esse tesouro tem de ficar a salvo.
Pierre acenou afirmativamente e voltou para o exterior. uma gota de água caiu-lhe na testa. Ajeitou a sua longa capa branca, abrigando-se da água e do vento e instigou o seu cavalo negro a correr de novo pela floresta, dirigindo-se para Sul. Os seus olhos e ouvidos estavam sempre atentos a qualquer movimento. Já nem mesmo no seu próprio reino estava a salvo. Agora, o seu inimigo era o rei Filipe. Uma traição que lhe trespassava o coração e, certamente, que entristecia também o Grão-Mestre da sua ordem. Oficialmente, os Templários já não existiam. Clandestinamente, continuavam unidos moralmente, apenas se haviam retirado para outras zonas mais seguras. Perguntava-se se deveria fazer o mesmo. Não, como mensageiro designado para levar informações entre o Grão-Mestre e os descendentes dos fundadores, Pierre tinha altos deveres a cumprir. Deveres divinos, ditado pelo próprio Senhor lá no alto.
Apertou mais contra o seu corpo a pequena caixinha de madeira. Uma pontada de curiosidade despertava-lhe a vontade de abrir o cofre, mas o Grão-Mestre dera ordens expressas para que aquele objeto fosse levado até Dom Fernando da Rocha. mas porquê? um Português? Sim, fazia sentido que não fosse um Francês. E de facto, os portugueses haviam sido um povo bravo na luta contra os Mouros, mas não eram uma não tão forte como Espanha, por exemplo, ou como Inglaterra.
- Pierre, não te preocupes, Jacques de Molay sempre soube o que faz... Não é agora que vai falhar.
E o cavalo galopava pela floresta que recebia agora nas suas folhagens os primeiros farrapos de noite escura, que morosamente se resignavam a assentar naquele local agora manchado pelas incertezas dos Templários.