Luís Afonso observou o ostentoso palácio real. Ali, dentro daquelas paredes ricamente ornamentadas, abrigava-se da chuva do inverno o Rei de Portugal e dos Algarves. Correu para a entrada. Um criado estendeu-lhe a mão, recebendo a sua jaqueta. Ele continuou o seu caminho pelo largo corredor, descalçando as luvas brancas e colocando-as no bolso do seu colete. Um homem de cara idosa, quase careca, envergando vestes vermelhas típicas caminhava na sua direção. Era o cardeal que regira o Reino aquando a menoridade de seu sobrinho-neto Sebastião.
- Cardeal D. Henrique, como passais? - Cumprimentou Luís Afonso, carinhosamente tratado por Afonso pelo Cardeal.
- Oh, meu filho, indo vou. E vós, que novas trazeis do Porto? - Respondeu o idoso.
- Meu pai continua a queixar-se do reumatismo e minha mãe por lá ficou para o alentar. E por cá pela grande Lisboa, que novidades há?
- Nenhumas. O mesmo de sempre. Sua Majestade continua querendo a conquista aos mouros... - Luís Afonso sorriu ao compreender o entoamento irónico do título que dava ao seu sobrinho.
- Nobres fins, arriscados meios: como sempre digo.
- E com muita razão o dizeis. - Exclamou o cardeal. - Bom, e como tal peste bem precisa, lá vou eu dar a missa das onze para rezar por alma de monarca perdido daquele jovem... Que Deus te abençoe e acompanhe sempre, meu filho.
Luís Afonso despediu-se com um sorriso e um vivo "igualmente", e continuou a caminhar pelo palácio, dirigindo-se ao salão do trono. Sebastião lá estava sentado na cadeira dourada e vermelha.
- Ora, como ides, meu querido banqueiro real?! - Cumprimentou o Rei, jovialmente.
- Bem, como sempre, Vossa Excelência. - Respondeu Luís, fazendo uma vénia.
- Então, seu pai está melhor? - Interrogou o rei.
- Não. De facto ainda está pior. - Queixou-se ele. - Mas esperanças não me morrem de que ele melhore em breve.
- Também espero que tal se suceda. Agora, meu amigo, há algo que vos queria perguntar. - Comentou o monarca. - Como sabeis, já começo a juntar as tropas para marchar sobre os mouros em África, e data já eu tenho marcada.
- Cristo ajude o reino! - Exclamou. - Vós estais bom da cabeça? Parece que tendes estado a respirar vapores de tulipas, meu amado Rei.
Sebastião riu-se sonoramente com o comentário do seu amigo.
- Não, de todo, Luís Afonso. Mas certo é que daqui por menos de um ano, no mês de Agosto, estarei eu cabeceando a armada portuguesa, em Alcácer-Quibir, para libertar aquela terra dos profanos muçulmanos.
- Falais com a paixão de Camões... - comentou Luís Afonso. - Não será que as rimas desse epopeico poeta vos tenham subido à cabeça?!
Sebastião relembrou Luís Vaz de Camões, lendo-lhe Os Lusíadas em voz alta, naquela mesma sala, cinco anos antes.
- Talvez tenham, talvez não. Mas assim como meus antepassados, começando em Afonso Henriques, conquistaram Portugal e os Algarves aos mouros, também eu tenciono ganhar mais terras para o reino. E tal assim está decidido, seja como Deus quiser. Que fique escrito, a quatro de agosto, um reino se expandirá, ou um rei tombará, de acordo com os desígnios do Senhor de Cristo Redentor.
Luís Afonso decidiu não discutir mais com o Rei, e seguiu uma jovem criada até ao seu aposentos, relembrando os tempos em que Vaz de Camões caminhara por aqueles mesmos corredores.