quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Rosa Negra - Capítulo 4

Lutadora
Passam-se algumas horas, antes de eu reparar no cheiro. Aquele cheiro que eu reconheço tão bem. O cheiro a morte. Olho em volta, tentando descobrir o cadáver. Os meus olhos, já habituados à penumbra, detetam lá ao fundo uma sombra. Tento mover a cadeira. O som da madeira a arrastar no chão irregular de betão fere-me os ouvidos. Quando finalmente chego perto do corpo, constato que é a Tania. Uma lágrima corre-me pelo rosto. Procuro pela bolsa que ela costuma trazer à cintura. Ainda lá está. Faço a cadeira girar, e tento tirar-lhe a bolsa. O meu objetivo é encontrar o canivete que ela trazia sempre consigo. Inclino-me um pouco mais. A cadeira perde o equilíbrio, caindo sobre o corpo. Sinto um dos meus pulsos torcer num ângulo duvidoso e trinco o lábio para trancar na garganta um grito de dor. Mexo-me mais um pouco. Encontro o fecho da bolsa. Tento, em vão, abri-la. As minhas pernas estão atadas à cadeira. Tento dobrá-las com toda a minha força, para fazer a madeira dos pés da cadeira ceder. Só mais um pouco...
Crack!!
- Aahhhh! - Grito, chorando de dor.
Havia conseguido partir as pernas da cadeiras, mas pago um grande preço por isso. Olho para baixo, gemendo ao ver um bocado de madeira espetado na minha perna. O sangue escorria-me pelas calças de ganga, quente e espesso. Inclino a cabeça para trás. Apesar das dores, tento erguer-me, passando as mãos por trás das costas da cadeira. Quando finalmente as minhas mãos se vêm livres das costas da cadeira, tento alcançar de novo a bolsa. É-me extremamente difícil abrir o fecho, pois não consigo vê-lo e ainda sinto o meu pulso latejar de dor. Mas a dor na perna trespassada sobrepõe-se rapidamente a tudo o resto. Zip. Consigo finalmente alcançar o interior da bolsa e tiro o canivete. Procedo então à árdua tarefa de cortar as cordas que me prendem as mãos.
Passam cerca de dez minutos até eu conseguir arrancar as cordas. Analiso o pulso. Não está inchado nem roxo, deve ter sido apenas um mau jeito. Olho para a perna. Felizmente, o bocado de madeira não espetou muito fundo. Arranco-o, trincando o lábio. O som da madeira roçar a carne é enjoativo. Olho em volta, mas tudo o que vejo são paredes de betão. Rastejo em direção à porta. Trancada! Volto a servir-me do canivete para arrombar a fechadura. A porta abre-se com um bem-vindo click. Arrasto-me com a perna ferida latejante pelas escadas que me parecem conduzir a uma casa. Abro o alçapão. Um tapete pesado cobre a abertura, dificultando-me o trabalho. Mas eu não posso desistir agora. Não, não vou deixar que o Assassino da Rosa Negra me entregue ao mesmo destino das sua vítimas. Se vou morrer, não o farei sem luta. Arrasto-me pela pequena sala. O meu sangue manchou o chão. Mas um assassino em série é uma mente bem ordenada. Sabe sempre como deixou as coisas. Procuro por algo com que possa limpar o chão e estancar a ferida. Encontro um velho lençol no topo de um armário e improviso. Depois de limpo o chão, volto a pôr o tapete tal e qual como estava antes de eu ter saído. Assim, terei o elemento surpresa quando ele voltar a casa. Encontro a minha arma numa arca num dos quartos pequenos. Dou-me ao luxo de observar a casa onde estou. É antiga, pouco usada, com chão em madeira, paredes cobertas de um papel gasto verde e decadente que deixa ver o cimento das paredes através de alguns rasgões. As janelas estão todas fechadas, assim como a porta de entrada. Tento espreitar lá para fora pelo orifício da porta. À minha frente está uma estrada, antiga de terra batida, e floresta à volta. Estou no meio do nada. Oiço o som de um carro. Ele vem aí!
Oiço atentamente os passos dele. Carrego a minha arma. A porta abre-se. Já vem encapuçado. Espera? Será que isso quer dizer que ele já sabe que eu estou livre? Não, ele continua a caminhar. Aponto a arma. Ele trava ao som do metal.
- Nem. Mais. Um. Passo. - Ordeno friamente.
- Mmmm... - Diz ele, com a voz distorcida por um aparelho preso à máscara. - És a primeira que consegue escapar.
- E serei a última que capturas-te, filho da mãe.
Ele olha para mim. Na sua mão pende uma Rosa Negra, a sua imagem de marca.
- A Rosa da Morte, é como lhe chamo. - Comenta.
Ele, num movimento rápido, aponta-me também a sua pistola. Ficamos num impasse. Que estás a fazer, parva? Dispara! click. O gatilho... Primo o gatilho mas a arma não dispara. Ele solta um riso diabólico.
- Achas mesmo que eu ia deixar-te o carregador cheio? Não sou parvo. Sugiro que voltes lá para baixo... - Diz-me, com uma voz gelada.
Baixo os braços. Não me vou deixar apanhar assim tão facilmente. Num movimento ágil e rápido, tiro o canivete do bolso e atiro-o. A lâmina espeta-se no seu ombro, a arma desvia-se, dispara e parte o vidro de uma janela da cozinha. Salto para cima do balcão, rebolo pelos estilhaços, sentido alguns cortarem-me os braços, caio na relva do exterior. De seguida corro acocorada até ao carro, e entro lá dentro. Não há chaves, como seria de esperar. Mas ainda tenho um truque na manga. Baixo-me e tento fazer ligação direta ao carro. O motor funciona. Arranco sem hesitar. As minhas mãos soadas escorregam no volante. Ele dispara novamente, partindo uma das janelas do carro. Sinto a bala arranhar-me a testa, dou meia volta ao carro e acelero pela estrada fora, sabendo apenas que me vai levar para longe dele.  

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