Sinto-o perto. Sempre, desde que o conheci. Sempre nos demos bem, sempre contámos confidências um ao outro. Mas nunca tive coragem de lhe contar o segredo que melhor guardo. Nunca tive coragem de lhe dizer o que realmente sinto por ele. Todos os dias o via chegar-se perto de mim, cumprimentar-me. Todos os dias tinha vontade de tocar os seus lábios com os meus, abraçá-lo ternamente, sussurrando ao seu ouvido o que sentia. Mas isso não poderia acontecer. Eu era um rapaz. E ele também. Eu tinha medo das palavras ásperas dos que nos rodeiam. Pior, tinha medo de perder a sua amizade se ele alguma vez soubesse o que sentia por ele. E sempre fui aguentando, porque ter a sua amizade, era sempre melhor do que não ter absolutamente nada. Um dia ele confessou-me que havia algo que o incomodava. Mas não me queria dizer o que era. E eu nunca iria a saber até mais tarde. Dois dias depois de me ter contado que algo o perturbava, ele foi a uma festa de uns amigos. Eu tinha um mau pressentimento. Nessa noite, não dormi. Na minha cabeça ecoavam os avisos que eu lhe tinha feito antes de ele sair de minha casa: "Não conduzas embriagado, ou com sono, ou drogado, melhor, não te drogues, por favor? Já não te peço para não beberes, mas pelo menos não conduzas se o fizeres.". Ele gracejou que eu parecia a sua mãe e saiu. Mas não havia meio de eu não ficar preocupado. Foi na manhã seguinte, a um sábado, tocaram à porta às nove. A mãe e o pai já tinham saído para ir às compras. Eu atendi a porta, pensado que eles se teriam esquecido de algo. Afinal era a mãe dele. Ela tinha uma olheiras negras e profundas, quase como covas de um cadáver em tardio estado de decomposição. Soube que ela era a mensageira da morte. Uma única palavra bastou. Não foi "morreu", nem sequer foi o seu nome. Foi o meu nome. Ela proferiu o meu nome, num suspiro solto, que ansiava por se libertar. Eu não consegui mexer-me. Ela esticou-me o braço, entregando-me um papel que trazia com ela. Era uma folha branca. Toquei-lhe. Não era um folha branca qualquer. Era daquelas folhas do bloco de desenhos dele. Já as conhecia pela textura sedosa. Olhei para o papel. As lágrimas já só me deixavam ver indistintamente a sua letra desenhada, redonda, direita. Finalmente, consegui ler o que ele tinha escrito.
"Dia 1. Contei ao meu melhor amigo que algo me preocupa. Ele perguntou-me o que era. Mas como posso eu, um rapaz, dizer a outro que... Que o amo? Ele provavelmente diria 'Sim, também te amo como a um irmão'. Mas não, não o amo como a um irmão. O amor que sinto por ele, é aquele amor que me faz querer abraçá-lo, sussurrando-lhe coisas românticas ao ouvido, beijá-lo ternamente quando ele precisar de apoio. Mas não quero perder a amizade que tenho com ele, que, apesar de não tão boa como o seu amor, é algo que me acalma esta dor, esta ansiedade... Que batalha decorre no meu coração... Tive de escrever, de desabafar... Não sei o que fazer..." O papel estava um pouco borrado. Era uma lágrima sua. "Quero tanto estar com ele... Só me apetece morrer. Mas tenho medo da morte... Da morte que sinto que se aproxima de mim a cada batimento do meu coração. Do meu coração que já não bate por mim, mas sim por ele. Amo-o. E quero tanto dizer-lhe isso. Mas não sei como."
Primeiro, perguntei-me a mim mesmo. Como foste capaz de não me dizer? Como foste capaz de me ocultar isso? Como foste capaz de beber demais, não seguir os meus conselhos e morreres num acidente estúpido de automóvel? Como fui eu capaz de te deixar ir, sem te dar aquele beijo, aquele abraço... Que agora ficam aqui perdidos, no tempo, nos "e ses" que atormentarão ternamente a minha vida. Abraços e beijos, que imagino dar-te, agora que olho para a lápide à cabeceira da tua sepultura. Estás perto... Mas tão longe... Inalcançável. Nunca mais voltarei a ouvir a tua voz, a ver o teu sorriso, a sentir o teu cheiro. Nunca mais poderei saber como era abraçar-te, ouvir o teu sussurro no meu ouvido, sentir os teus lábios tocar os meus. E assim, fica a minha vida dominada por tristes e melancólicas suposições, e imaginações e nostálgicas recordações de quem eras, mas já não és.
2 comentário(s):
Quase que me puseste a chorar, porque revi-me completamente neste texto, parece escrito por mim. Está lindo!
:) Obrigado pelo elogio, Lobo Solitário... Foi algo que me saiu. Simplesmente senti-o e escrevi. Já há algum tempo que isto não acontecia... x)
Cheers!! =D
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