A escuridão da noite começava a abater-se sobre a praia vazia. Apenas eu e Dante nos encontrávamos no areal. Ele estava sentado na toalha e eu estava deitado, com a cabeça no seu colo, enquanto ele me desalinhava os cabelos. Decidi fazer a pergunta que há muito me andava a incomodar.
- Dante, porque é que tu e o Jack acabaram o namoro?
Ele foi apanhado completamente de surpresa. Olhou para o oceano longínquo.
- Ele foi por maus caminhos e nem mesmo eu o consegui demover... Por isso, optei por acabar a relação que tínhamos. Ele estava completamente diferente do rapaz por quem eu me tinha apaixonado. Mudou... para pior.
- E achas que ele já voltou a recuperar?
- Não sei...
- Então... Que problemas é que ele tinha?
- Principalmente, andou nas drogas...
A minha cara contorceu-se numa expressão de surpresa e repulsa. Tentei olhar para os olhos de Dante, mas apenas conseguia vislumbrar o seu queixo, pois ele estava a observar as estrelas por cima de nós.
- Principalmente... ? Ele tinha mais algum problema?
- Não lidou muito bem com a minha decisão... e tentou...
- O quê? - perguntei, com medo da resposta.
- Encontrei-o na rua, num beco, perto de casa dele. Era pleno inverno em Montreal. Só o consegui ver por causa da neve manchada de sangue, que me chamou a atenção... Ele tinha cortado os pulsos para que eu me sentisse obrigado a voltar para ele...
- E o que é que fizeste? - Interroguei.
Dante continuava a olhar para as estrelas. Quem o ouvisse falar, surpreender-se-ia com o quão calmo ele conseguia estar a falar sobre o assunto e poderia pensar que não o afectava. Mas afectava. Eu conhecia-o, e sabia que aquela calma fria era um instrumento de defesa para afasta os seus verdadeiros sentimentos e conseguir falar sobre assuntos difíceis.
- Nada. Quer dizer... Levei-o para o hospital. Ele achou que me devia ficar para sempre grato por lhe ter salvo a vida... E desde então que tem andado sempre atrás de mim...
- A perseguir-te? - murmurei.
- Pode-se dizer que sim...
Notei que havia algo mais que o incomodava.
- Quando te deixei sozinho com ele... Falaram sobre o quê? - Instiguei.
- Sobre ele... - comentou. A sua voz transparecia alguma preocupação e medo.
- Que disse ele?
- Disse que queria voltar para mim... que me amava e que faria tudo por mim, mesmo que fosse uma loucura imensa.
Sentei-me de um salto e olhei-o nos olhos.
- Dante! Será que ele queria dizer que se ia...
- Provavelmente... - Disse, fria e melancolicamente.
- E tu deixaste-o andar por aí sozinho?! - Repreendi.
- Eu... Não sei que mais fazer. - Os seus olhos brilharam com as lágrimas que começavam a toldar-lhe a visão. - Não sabes o quão frustrante e doloroso é saber que a vida de alguém está dependente de ti e que, para a salvares, terás de te afastar da pessoa que mais amas neste mundo...
Estremeci com as suas palavras. Não sabia. E Ninguém devia passar por isso. Ele começou a soluçar e eu envolvi-o instintivamente com os meus braços, protegendo-o. Dei-lhe um beijo leve na cabeça e sussurrei-lhe que tudo ia ficar bem, que eu estaria sempre ali para o apoiar. No entanto, não conseguia deixar de pensar no que estaria Jack a fazer naquele momento. Um telemóvel tocou. Era o de Dante. Ele olhou para o número e pediu-me à pressa para atender, pois era o padrasto dele e não queria que percebesse que Dante estivera a chorar.
- Estou! - Cumprimentei, no tom mais alegre que pude.
- Estou, Dante? Não, tu deves ser o...
- Kyle, sim. O Dante... foi à água, mas eu posso passar-lhe o recado, se quiser... - disse, fazendo o meu namorado sorrir com a minha desculpa inventada à pressa.
- O quê? Mas vocês estão em alto mar e vão à água a estas horas?!
Olhei para Dante, encolhendo os ombros.
- Alto mar, como assim? - respondi, sentindo o meu sorriso morrer lentamente.
- Vocês não estão no Iate?
- Nenhum de nós tem as chaves do barco, como poderíamos estar no iate?
- Mas as chaves estavam aqui em casa, no chaveiro e agora não estão! - Exclamou o padrasto dele.
- Bem, o Dante não tem as chaves do barco...
- Então quem raios levou as chaves?!
Eu revirei os olhos e encolhi os ombros, transmitindo a mensagem a Dante, que as chaves tinham desaparecido. Ele ficou pensativo e, de repente, os seus olhos abriram-se numa expressão de medo e pânico que eu apenas vira uma vez: quando Dante se tinha apercebido que estava a nadar nas mesmas águas que um tubarão-branco, semanas antes, poucas horas antes de eu quase ter sido morto pelo animal.
- Que se passa? - Interroguei, quando ele se levantou repentinamente.
- A única pessoa que esteve em casa para além de mim foi o Jack. Eu lembro-me de ter aberto a porta e ter visto as chaves no chaveiro, mas quando saí para vir ter contigo, as chaves do barco já lá não estavam. Pensei que tivesse sido o meu padrasto a tirá-las, mas pelos vistos não foi... - Contou, rapidamente, enquanto corria pela praia fora, em direcção ao cais.
Lembrei-me que ainda estava ao telemóvel, e que do outro lado da linha estava um homem preocupado em saber o que se estava a passar.
- Emergência. Caso de vida ou de morte, por amor aos deuses chame a guarda-costeira! - resumi, desligando o aparelho e correndo atrás de Dante.
0 comentário(s):
Enviar um comentário