Três dias tinham passado desde que eu vira Jack pela primeira vez, em frente à casa de Dante. Eles já haviam tido uma relação bastante próxima. Mas eu sabia que havia algo que Dante não me estava a contar sobre Jack, já que ele não parecia muito agradado com a presença do rapaz ruivo. Eles tinham ficado a conversar durante um bocado fora do meu alcance de audição e Jack acabou por se ir embora, pouco depois. Mas voltou lá no dia seguinte. E eu também o vira lá esta manhã, mas preferi deixá-los sozinhos e fui para a praia.
As ondas estavam convidativas e rapidamente me pus em cima da prancha. Senti o ar passar-me entre os cabelos e acariciar-me a cara enquanto saltava da crista da onda, dando uma pirueta enquanto segurava a prancha para não me sair de debaixo dos pés. O som da rebentação era uma melodia calmante para os meus ouvidos e depressa esqueci as minhas preocupações acerca de Dante e Jack.
Quando voltei à areia, ouvi um som familiar. Aquele som compassado das cordas da guitarra eram-me inconfundíveis. Corri para a fonte do som. Reconheci-a. Ela estava prestes a começar a cantar, quando eu a interrompi-a cantando a música que ela tocava.
- Do you hear me? I'm talking to you, across the water, across the deap blue ocean under the open sky, oh my, baby I'm trying*
Ela olhou-me, cumprimentando-me com um largo sorriso e continuando a tocar.
- Boy, I hear you in my dreams, I feel you whisper, across the sea, I keep you with me, in my heart, you make it easier when life gets hard.*
Os seus cabelos dourados balançaram quando pousou a guitarra e se ergueu para me cumprimentar, com os seus olhos verdes transbordando de saudade.
- Kelly! Que estás a aqui a fazer? - Perguntei, surpreendido.
- Vim visitar-te, obviamente! - Respondeu com o seu sotaque Australiano. - Deuses, estás enorme! Estás tal e qual o Tom!
Ela sorriu melancolicamente ao mencionar o meu irmão. Kelly ainda se sentia culpada pela morte dele. Ela achava que se não tivesse insistido para que ele fosse surfar com ela àquelas horas da noite, o tubarão não o teria atacado. Mas depois da morte do meu irmão, eu e ela nunca mais perdemos o contacto, ajudando-nos mutuamente a ultrapassar o choque e dor que a perda de Tom causou.
- Já vi que também andaste a praticar as tuas habilidades de surfista... - comentou.
- Estiveste a ver-me? - interroguei.
- Sim, mas só por um pouco. Vim agora de lá de casa...
Percebi a hestitação dela.
- Oh... Ela ainda está alterada? A minha mãe, digo. - Perguntei.
- Apercebi-me que a Annah estava, de facto, preocupada com alguma coisa... Mas o teu pai não me quis dizer o que se passa... Disse que era melhor perguntar-te a ti...
Revirei os olhos e deixei-me cair na areia.
- O que se passou, Key**? - Interrogou.
Ela era uma das únicas pessoas que me tratava pela primeira letra do meu nome. A única pessoa para além dela que o fazia era o meu irmão.
- Muita coisa mudou desde a última vez que nos vimos, Kelly... - começei.
- Credo, até parece! Não cresceste assim tantoo... - gracejou.
Eu sorri amargamente e ela fez-me sinal para que continuasse.
- Bom... Há um rapaz novo em Newport Beach, o Dante.
- Más companhia, é? - disse ela, flectindo os músculos da testa numa expressão quase cómica de repreensão e dúvida.
- Não... Só que... - hesitei.
- Desenvolve, por favor, estás a matar-me com tanto suspance! - Avisou, acentuando a última palavra.
- Oh, credo, o teu sotaque francês é horrível! - Critiquei, rindo-me.
Ela riu-se também, mas pediu logo de seguida para que eu não desviasse o rumo da conversa.
- Eu apaixonei-me por ele. - informei, de uma só folgada de ar.
O riso que ela soltou atingiu-me como um camião.
- Estás a brincar, só pode! - Exclamou. O seu riso esmoreceu. - Oh... Não estás... e contaste aos teus pais?
- Não... Contei o meu pai. O meu pai contou à minha mãe... - Respondi, cruzando os braços.
- Mm... Desculpa ter-me rido.. apanhaste-me de surpresa... - desculpou-se.
- Não faz mal, Kelly.
Ela abraçou-me. Ouvi passos perto de nós e espreitei pelo canto do olho.
- Dante... - cumprimentei.
- Oh, então tu és o Dante? - perguntou Kelly, virando-se de costas para mim e de frente para ele. - Então espero que trates bem o Kyle, senão vais ter de prestar contas com estes meninos!
Ela ergueu os punhos fechados, ameaçadoramente, numa posição de lutador de boxe. Tentei conter o riso, em vão. Pouco depois estávamos a rir os dois em conjunto, arrancando um sorriso de Dante.
- Sim, eu sou o Dante... e tu és?
- Kelly. Kelly Gale. A namorada do irmão do Kyle... Bom... agora sou apenas a amiga do Kyle. - informou, com a dor patente na voz.
Os seus olhos verdes ficaram ensombrados com a saudade e a mágoa. Eu conhecia aquela expressão. Era a expressão com que tinha ficado imenso tempo após a morte do meu irmão. Mas ela já não usava aqual expressão há anos, nem mesmo quando falava de Tom. Aquilo era algo mais.
- Que se passa Kelly? - Perguntei.
- Key... Não te lembras?
- DO quê? - Perguntei, em uníssono com Dante.
- Não queria ser eu a recordar-te... Mas faz hoje três desde o ataque...
- Oh... Três anos desde a morte do Thomas... - completei.
Fiquei pensativo, reflectindo como o tempo passava depressa, e como era ainda mais rápido a tirar-nos o que gostamos e aqueles que amamos. Dizem que o tempo cura tudo. Mas nem tudo pode ser curado, nem mesmo com o tempo. A única coisa que poderia curar a nossa dor, era que o Tom não estivesse morto. Mas ele não podia voltar a viver. E nós ficávamos, para aprender a lidar com a situação. Mas apenas podíamos aprender a lidar com a dor todos os dias, até ela se tornar suportável. No entanto, suportável não é inexistente.
* Primeiras estrofes da música Lucky, do Jason Mraz em dueto com a Colbie Caillat
** Key, é a pronunciação inglesa da letra "K", a inicial do nome de Kyle.
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