quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 11

O coração bombeava-me freneticamente o sangue à medida que corria ao longo do cais. Já ultrapassara Dante haviam uns segundos antes. Conseguia ouvir a sua respiração ofegante e desesperada atrás de mim. O clarão veio primeiro, das rochas. O estrondo seguiu-se rapidamente. Os nossos olhos ficaram pregados no iate que se esmagava contra as rochas. O motor tinha explodido em chamas amarelo-avermelhadas, como se um pequeno Sol tivesse acabado de nascer. Não hesitei. Senti o betão do cais ausentar-se por baixo dos meus pés, quando me atirei no ar. O meu corpo esticou-se em prancha, os meus braços estenderam-se em frente à minha cabeça. As minhas mãos foram a primeira parte do meu corpo a sentir a água fria do mar. Só quando já me encontrava abaixo da superfície comecei a praguejar comigo mesmo. A noite era a altura dos caçadores marinhos e eu acabara de entrar num elemento que, apesar de por mim amado, não era meu. Tentei esquecer essas preocupações e nadei ate ao local onde o barco estava encalhado, em chamas. Nadei à volta, tentando encontrar uma escada segura para subir. Sim. Encontrei. Subi rapidamente. Olhei à minha volta. O convés estava destroçado. Algo vermelho chamou a minha atenção à minha esquerda. Uma bilha de oxigénio. As chamas lambiam ameaçadoramente a madeira perto do contentor do gás comprimido. Voltei a atirar-me para trás, num salto, agarrando-me com dificuldade às escadas. As chamas engoliram a bilha e fizeram-na rebentar, lançando projecteis de metal mortífero pelo ar. Um som gelou-me o sangue. O som de carne a ser dilacerada por um fragmento de metal. O grugulejar de alguém que sentira aquele ferrão de aço espetar-se algures no seu corpo, provavelmente nas costas, ou no peito. Os grunhidos aflitos de um ser humano a lutar contra o sangue que lhe inundava os pulmões, tentando desesperadamente respirar a mais pequena golfada de ar. Eu não queria ver aquela imagem. Não queria ver Jack assim... A cabeça dele apareceu por cima de mim, espreitando sobre a amurada. Ele estava assustado. Mas não parecia estar ferido.
- Kyle! Depressa! Tens de vir!
Ergui o meu corpo pelas escadas do barco, um pouco curioso para saber quem mais se encontrava no barco para além de mim e de Jack. Quando os meus olhos ultrapassaram o nível do convés, o meu coração parou e senti-o encolher, definhar com o medo, com o terror, com a surpresa. Dante contorcia-se no chão, agarrado a um pedaço da bilha de oxigénio que estava espetado no lado direito do seu peito. O sangue carmesim manchava-lhe a camisola e a cara, escorrendo pela sua boca. Jack correu para ele, agarrando no pedaço de metal.
- Não! - berrei, após o súbito despertar do meu lado racional. - Se tirares isso podes piorar a hemorragia e tirar-lhe tempo precioso de vida!
Jack afastou-se. As lágrimas cobriam-lhe os olhos. A minha visão também estava um pouco enevoada. Aproximei-me de Dante e tentei acalmá-lo. O meu cérebro trabalhava a duzentos à hora. Apenas uma pergunta me passava na cabeça: "como é que tinha sido ele a apanhar com os destroços?" Recordava agora das primeiras imagens que vira antes de me escapar da explosão. Jack a sair de dentro da sala de controlo do iate, Dante a subir pelas rochas do outro lado do barco. Dante a correr para Jack. Eu a atirar-me para trás. A explosão. Dante a sufocar nos meus braços. Ergui-lhe a cabeça. obrigando-o a olhar-me nos olhos. Ele tentou dizer-me alguma coisa.
- Shhh, não digas nada, bebé, mantém a calma, vai tudo ficar bem. Depois disto eu levo-te até ao aquário, e vamos ver os tubarões a uma distância segura...
Um sorriso começou a formar-se na sua face, que de novo se contorceu de dor. Ele tentou puxar o bocado de metal.
- Não, não tires isso, eu sei que dói, eu sei que te dói imenso, querido, mas tens de aguentar, por mim, por favor... - Continuei a encorajá-lo, encostado a minha testa à dele.
Um clarão branco cruzou o convés. Ao longe, ouvi um helicóptero. Atrás de mim, o som de um motor de uma lancha ficava mais próximo. a guarda-costeira tinha chegado. Pouco depois, paramédicos tiraram-mo dos meus braços. Eu entrei em pânico. Queria saber se ele ia ficar bem. Jack aproximou-se de mim.
- Desculpa... fui tão parvo... quem devia estar ali era eu... ele apercebeu-se da explosão e correu, meteu-se entre mim e a garrafa de oxigénio... Eu..
- Não. Digas. Mais. Nada. - sibilei, olhando-o friamente.
Eu culpava-o pelo que se acabara de passar.
- Se ele não se safar, - ameacei. - tu não vais voltar a ver a luz do dia!
Alguém me puxou, gritando que tínhamos de sair do barco, que estava prestes a afundar-se. Entrei na lancha.   O meu pés escorregou, e caí à água. Fechei os olhos, tentando relaxar. De repente, lembrei-me que as minhas roupas estavam cobertas de sangue. Os guardas-costeiros apontaram um holofote na minha direcção. A luz branca atravessou a água, e reflectiu-se nos seus olhos. Aqueles olhos que me eram inconfundíveis. Ele estava de volta. O Grande Tubarão Branco. Eu estava preso no seu domínio. Algo me puxou para fora de água. E o tubarão seguiu-me. Ergueram-me para o convés da lancha. E o Tubarão seguiu-me. Alguém soltou um grito de terror quando viu os dentes brancos serrilhados quase a alcançarem a minha pena. Os seus olhos negros fitavam-me famintos. Voltou a desaparecer sob a superfície das águas. E eu olhei para o guarda-costeiro que me puxara. O meu coração quase me caiu aos pés quando vi que quem me tinha agarrado não era nada mais, nada menos, do que Jack. Aquele que quase roubara a vida do meu amado, acabara de salvar a minha.

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