quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda - Capítulo 7

A noite já ia avançada quando voltámos do jantar. A minha mãe foi logo deitar-se pois estava exausta. A ida ao restaurante correu bem. Os meus pais ficaram a conhecer Dante um pouco melhor. Sentei-me no sofá, esticando as pernas e ligando a televisão. O meu pai aproximou-se lentamente.
- Posso falar contigo, Kyle?
Olhei para cima. Ele estava apoiado no braço do sofá, com a cabeça por cima da minha. Ele era um homem de aspecto jovem, com trinta e cinco anos. Os seus cabelos dourados eram curtos e estavam espetados. Uma pêra loira cobria-lhe o centro do queixo, desde por baixo do lábio até à ponta. A sua expressão era grave, com os seus olhos verdes perfurantes iguais aos meus.
- Que se passa? - Perguntei, estranhando.
- Há algo que não me estás a contar.
O meu coração falhou um batimento, num compasso de espera que me pareceu interminável, antes de voltar a bater rapidamente.
- Hum? - Respondi, sem saber o que dizer.
- Sabes que me podes contar tudo o que quiseres, filho. Isso não vai mudar nada do que penso acerca de ti.
Agora já não estava a olhá-lo nos olhos, mas sim para o tecto branco por cima da cabeça dele.
- Tu e o Dante... são mais do que amigos... não são?
Tentei olhá-lo de novo nos olhos, mas acabei por ficar a observar os óculos de sol que lhe pendiam na gola em "v" da t-shirt azul-clara com a imagem de um surfista cartonizado. Levantei-me lentamente, cruzando as pernas à chinês e apoiando a cabeça nas mãos. Os meus cotovelos faziam pressão nos meus joelhos. Eu ficava assim quando estava pensativo.
- Kyle... - Insistiu.
- Sim... eu e o Dante somos mais do que amigos.
- E gostas mesmo dele? - Interrogou, sentando-se ao meu lado.
Sorri ao pensar em Dante, nos seus cabelos pretos, nos seus olhos de um intenso azul-marinho, no seu cheiro doce a pinho misturado com água límpida.
- Sim... - confirmei, sentindo o sangue aquecer-me as faces.
- E ele gosta mesmo de ti? - Continuou o meu pai, desta vez de modo mais agressivo e protector.
- Hey, acho que sim! - exclamei.
O meu pai soltou uma pequena risada.
- Também me parece que sim. Espero que se dêem bem. - Desejou.
Ele levantou-se. Estava quase a sair da sala quando o chamei.
- Sim? - replicou, virando-se.
- Não te faz confusão que eu...goste dele?
- Faz. E não compreendo. Mas o amor é algo que é incompreensível por natureza, quer seja entre um homem e uma mulher, quer seja entre dois homens. E muita gente não compreende. A diferença é que eu não tenho medo nem sinto repulsa por aquilo que não compreendo, ou o meu trabalho não seria tentar compreender aquilo que o ser humano ainda não descobriu acerca dos mares e das criaturas que neles habitam.* E tu és meu filho. Não vale a pena tentar compreender o amor, porque é impossível, mas vale a pena tentar aceitá-lo exactamente porque és sangue do meu sangue.
Eu não esperava um discurso daqueles vindo do meu pai. Fiquei atónito a olhar para ele. Respondeu-me com um sorriso e subiu as escadas. Enterrei-me no sofá, reflectindo sobre as palavras dele.

* os pais de Kyle são, como mencionado num capítulo anterior, Biólogos marinhos.

9 comentário(s):

Mark disse...

... e que todos os progenitores do sexo masculino fossem como o pai do Kyle. O mundo seria um lugar melhor e mais aprazível. (:

Ragdoll disse...

Pois... Era bom que todos os pais fossem assim. Eu tenho a sorte de ter um pai assim [ (: ]. Ele foi inspirado no meu próprio pai. Não foi na mesma situação que o Kyle, mas deu-me apoio num assunto que eu achava que ele não iria compreender. Surpreendeu-me. Mas a narrativa ainda não acabou e nem tudo serão um mar de rosas, tal como na vida real. Por isso, "não percam o próximo episódio, porque nós também não" xD

Mark disse...

O meu pai também é bastante aberto e liberal. É pena, porém, que esteja longe de mim. (:

Ahahaha, gostei da frase que, salvo erro, era do Dragon Ball. :D

Ragdoll disse...

Exactamente, é a frase do Dragon Ball xD (pessoalmente, quando era pequeno delirava com o desenho animado, mas agora já não lhe acho tanta piada... mas já está tão incutido no meu passado que não consigo evitar citar a tão famosa frase que era proclamada no fim de cada episódio xD)

Mark disse...

Eu, por acaso, não gostava muito do Dragon Ball. No entanto, a frase é épica. :D
Os meus desenhos animados preferidos eram as Navegantes da Lua (Sailor Moon), os Power Rangers e os Pokémon, claro. (:

Ragdoll disse...

Haha eu também via Sailor Moon Lol. Os Power Rangers ainda gosto de ver de vez em quando. Pokémon.... é um delírio todos os dias à uma a ligar no Panda Biggs para ver *.* xD (ultimamente não tenho visto, mas é um vicio que adoro, chama-me criança, eu digo que sou um preservador de bons hábitos. Aprendi muito mais acerca da amizade e da justiça com os desenhos animados que via o que com as notícias do telejornal...)

Mark disse...

Ahaha, fazes muito bem em continuar a ver desenhos animados. ^^
Eu já não vejo porque o tempo não mo permite, mas jamais me esquecerei de tudo o que me fez sonhar em criança. :)
É bom não deixar morrer a criança que vive em nós. :)

Ragdoll disse...

Apoiado: é bom ter sempre presente uma parte da criança que fomos outrora, para tornar a vida um pouco mais suportável em tempos mais difíceis e muito mais divertida em tempos de bonança ;p

Mark disse...

Só uma dose de inocência nos poderá salvar neste mundo cruel e agressivo. ^^

Concordo contigo.

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