domingo, 13 de fevereiro de 2011

Na Crista da Onda- Capítulo 3

bip. bip. bip.
Acordei com o som irritante das máquinas. Uma luz branca feriu-me os olhos através das pálpebras cerradas. Abri os olhos, fechando-os de novo com o clarão que me cegou. Alguém me largou a mão e correu para a porta. Vozes indistintas. Alegres. Aliviadas. Espera. Onde estou? Abro os olhos novamente, erguendo-me, com a imagem dos seus olhos negros a sorrirem-me maliciosamente, esfomeados, perversos, mortais. Um grito dilacerante e assustado escapou-me da garganta, calando todos os que se encontravam no quarto do hospital. Olhei em volta. Não. Já não estava na água, a tentar escapar do Tubarão. Dante. Ele estava no topo da rocha. Trepara por ela acima. Mas eu escorreguei. Olhei à volta. Lá estava ele, à minha direita, com um olhar assustado.
- Não me largaste? - Perguntei-lhe, estupidamente.
Ele soltou um riso nervoso e aliviado.
- Parece que não.
- Que é que se passou quando... - apalpei a ligadura que tinha na cabeça e observei a que me cobria o peito.
- Escorregaste. Eu consegui agarrar-te. - Contou Dante, com o seu ligeiro sotaque francês. - Estavas quase a cair, não sei onde fui buscar forças para te segurar, mas deve ter sido da adrenalina. A Guarda-Costeira apareceu  e o tubarão foi-se embora.
- Como é que conseguiste trepar por aquela rocha? - Interroguei, surpreendido.
- O meu pai levava-me muitas vezes para as zonas montanhosas a norte e praticávamos alpinismo, escalada e rappel. - informou. - Talvez te ensine um dia.
As pessoas que ouviam a nossa conversa em silêncio não conseguiram ficar caladas por muito mais tempo e começaram a fazer-me perguntas. Sem que ninguém esperasse, ouviu-se estalo sonoro e senti a pele da cara queimar. A minha cabeça pendeu para o lado, mas virei-me rapidamente para ver quem fizera aquilo. Era Amanda. As lágrimas escorriam-lhe pelos olhos. O silêncio voltara a cair no quarto.
- Seu... Seu... irresponsável! Sabias muito bem que era perigoso nadar com os Leões-Marinhos ao entardecer, que é a altura em que o Tubarão-Branco caça! Seu incompetente! Que foi aquilo de saltares para cima daquela besta!? Não, tu é uma besta! Fazeres-me pensar que te ia perder! E ainda bem que estás vivo, porque senão eu ia ao inferno para te atormentar!
Quando acabou de falar, abraçou-me, chorando no meu ombro. Olhei, espantado e indefeso à minha volta.
- Dá-te como sortudo... - Comentou Dante. - Ela também me fez isso... e ainda levei logo a seguir com a Jessie...
Reparei que uma das suas faces estava anormalmente vermelha.
- Espera, quanto tempo é que estive apagado? - Perguntei.
- Cerca de oito horas. - Informou Sam, que também se encontrava no quarto.
Pela primeira vez vi quem lá estava. Amanda, Dante, Jessie, Sam, o pai de Jessie e uma mulher que eu não conhecia, mas que era parecida com Dante. Foi então que os vi, mais ao canto. Os meus pais. Ele tinha uma expressão aliviada, mas a minha mãe estava a tentar conter a preocupação e as lágrimas. Amanda e Sam seguiram o meu olhar e perceberam o que se estava a passar. Sam parecia já estar pronto para enfrentar aquela situação, mas Amanda ficou surpreendida, por não se ter lembrado daquilo. Ela afastou-se, tapando a boca com a mão.
- Cristo, não tinha pensado nisso... - começou.
- Amanda, deixa estar, eu preciso de descansar. - cortei.
Eles perceberam a deixa e todos saíram, excepto os meus pais.
- Desculpa ter-vos feito passar por isto... de novo... - gaguejei.
- Oh, filho, por favor. - Disse ela. - A culpa não é tua, não era possível que soubesses com certeza que lá ia estar aquele... demónio.
O meu pai abraçou-a, tentando acalmá-la. Senti tudo de novo. Estava a reviver o que acontecera. E não queria fazê-lo. Sentir de novo aquela dor, sentir de novo a dor dos meus pais. O meu pai apercebeu-se que eu estava incomodado com aquilo e disse que me ia deixar descansar. Levou-a para fora do quarto. Ouvi o início do choro dela, que me fez sentir ainda mais culpado.
Apercebi-me demovimento vindo da porta da casa-de-banho do quarto, que estava escura. Ele apareceu.
- Desculpa... com a confusão de pessoas a sair fui empurrado para ali... não queria interromper... - desculpou-se.
- Não faz mal... - respondi.
- O que se passou? - Interrogou. - Para dizeres que os fizeste passar por isto de novo?
Ele só se apercebeu da pergunta quando já era tarde demais, quando já a havia feito.
- Oh, não... Não precisas de responder.. - balbuciou.
- Deixa estar... posso contar-te... - repliquei. - Eu tinha um irmão três anos mais velho, o Thomas. Tom. Ele era o melhor surfista que eu conhecia. Ele sempre teve cuidado com os Tubarões. Ele conheceu uma rapariga Australiana, quando ela cá passou uma temporada. O Tom apaixonou-se por ela e, quando fez dezoito anos, foi ter com ela à Austrália. Os meus pais quiseram estar presentes quando ele a reencontrasse e também foram. Levaram-me com eles. No inicio eu não queria ir, porque tinha um mau pressentimento. Os meus pais disseram que era apenas uma birra e obrigaram-me a ir. Ao fim da tarde, o Tom e a tal rapariga australiana foram surfar. Os meus pais e eu ficámos na praia a observá-los.
Dante estremeceu, mas a história não acabava ali, infelizmente, e eu continuei.
- Começou a escurecer. Fui o primeiro a vê-lo. A Kelly, a rapariga por quem o meu irmão se apaixonou, foi a segunda a detectá-lo. Ela gritou-lhe desesperadamente, mas o Tom já estava na crista de uma onda. Ela nadou para perto dele, para o avisar. O tubarão apanhou-o pela prancha e por uma das pernas e ainda atingiu a Kelly com a cauda. O meu pai entrou na água. Mas, entretanto, outro tubarão apareceu. O meu pai só a conseguiu salvar a ela por causa disso.
- Oh... quando foi isso? - perguntou, sussurrando.
- Há três anos atrás. Estive quase um ano com medo de entrar na água por causa disso e, desde então, que não consigo ficar muito tempo no mar sem pensar que pode estar um Tubarão-Branco a observar-me. Mas ultimamente tem melhorado. Excepto quando à leões-marinhos por perto... Toda a gente sabe que leões-marinhos ao entardecer é uma equação que resulta em tubarão...
Ele murmurou algo, para me confortar. Mas eu já não ouvi. Dante saiu do quarto, deixando-me sozinho. As lágrimas correram-me, ao recordar-me desse dia. Estava escuro. Mas o sangue vermelho do meu irmão contra a espuma branca da água era uma imagem que estava bastante clara na minha mente.


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