Fecho a máquina de lavar, esfregando as mãos. Finalmente, acabo a minha tarefa dessa noite. Olho em volta. Ainda me estou a habituar àquela casa, apesar de já nos termos mudado para lá há uma semana e meia. Giuseppe entra na cozinha, sobressaltando-se com a minha presença.
- Oh, que se passa? - Interrogo, desconfiado.
- Ah, nada, nada... - Responde.
Ele procura por algo nos armários da cozinha, de forma agitada. Percebo que ele está a tentar disfarçar.
- Giuseppe. - Rosno. - O que é que te está a dar cabo dos nervos...?
- Ok, olha, se eu te disser, promete-me que fica entre nós...
Cruzo os braços e batuco com o meu pé descalço nos mosaicos brancos, esperando as suas palavras seguintes.
- Então... Há uns dias, eu conheci uma rapariga... E ela era girinha... Estava convidativa... Notava-se à distância que ela queria brincadeira...
- Oh, se me vais dar pormenores do que fizeste com ela, esquece, meu querido! - Exclamo, fazendo uma careta.
- Nada disso... Pronto, para resumir, deixei-me levar. Estava inclinado para raparigas naquela noite...
- Sim, já percebi que foste para a cama com ela! - Corto eu, erguendo uma sobrancelha.
- Só houve um pormenor que ela me ocultou...
- Que foi...?
- Ela era casada...
Eu estou prestes a chamá-lo uma série de nomes pouco bonitos, mas o italiano apercebe-se e deita-me a mão à boca, cortando-me a respiração.
- O pior ainda está para vir... - Informa, olhando-me nos olhos.
Vejo a aflição naquelas duas auras cor de avelã. O assunto parece sério.
- Ela não é casada com um tipo qualquer... Ela é casada com um polícia.
- E isso interessa para a história porquê?! - Pergunto. - Ela era casada, não ias para a cama com ela. Bom, muito menos sabendo que o marido dela é polícia...
- Sim, mas eu só soube disso anteontem...
- E...?
- E ela gostou tanto de estar comigo... Que queria mais, eu disse-lhe que não. E ela chantageou-me... Ameaçou que, se eu não me continuasse a encontrar com ela, contava ao marido que eu a tinha violado...
Os meus olhos abrem-se de espanto. Se ele não estivesse tão sério, a fitar-me os olhos, eu não acreditaria naquela história.
- E sabes o nome dela...? - Interrogo.
- Sei... Cristina. Cristina Arcada. - Informa.
Engasguei-me ao ouvir o apelido. Giuseppe tentou ajudar-me mas eu afastei-o.
- Meu grandessíssimo pitosga! - Exclamo. - Mas não sabias que ela é a mulher de um Polícia?!
- Conhece-la?
- Claro, o marido dela passa todas as manhãs pela mercearia para comprar os vegetais frescos, depois de vir do turno... - Sento-me numa das cadeiras. - Meu Deus... depois disto não sei como vou olhar para cara do homem...
- Fala com ele! Conta-lhe a verdade!
- Vamos lá a casa deles! - Digo, erguendo-me.
- Agora?
- Sim! Esta história tem de ser tirada a limpo!
- Que história? - Pergunta Matilde, que entretanto entra na divisão, alertada pelo tom alto das nossas vozes.
- Não há tempo para explicar. Anda! - Ordeno.
Puxo pelo braço de Giuseppe, arrastando-o até ao meu mini cooper. Ele tenta ainda fazer-me voltar atrás, mas estou decidido a resolver toda aquela trapalhada rapidamente, antes que tome medidas desproporcionadas. A dada altura da viagem, ele começa a suplicar-me na sua língua materna.
- Não vale a pena, caro, eu não te percebo! - Minto, olhando em frente par a estrada.
- Ah, percebes sim! - Replica, já em português.
quando finalmente chegamos, ele recusa-se a sair do carro. Eu caminho determinado em direção à vivenda. É ela quem me atende a porta. Algo na sua expressão me diz que ela sabe porque estou ali.
- Posso falar com o seu marido...? - Pergunto, amavelmente.
- Não sei se podes...
- Oh, Ivo! Entra! - Exclama uma voz poderosa do interior da casa.
Eu aceito o convite dele e peço-lhe para falar com ele em privado. Subitamente vem-me à cabeça que posso estar prestes a destruir um casamento. Mas aquele homem merece melhor do que uma mulher daquelas.
- Sr. Arcada, tenho algo para lhe dizer... Lembra-se de eu ter falado no meu amigo Giuseppe...?
- Sim! Claro. Meteu-se em alguma alhada de novo?
- Pois... E o Sr. não vai gostar de saber em qual foi...
Conto o sucedido pausadamente, avaliando a reação do homem. Os sinais indicam que ele está desapontado e zangado.
- O Giuseppe tem sorte em ter um amigo que se preocupe tanto com ele como tu... Eu vou falar com a Cristina... As coisas não podem continuar assim... Peço desculpa por ela me ter usado como forma de obrigar o teu amigo a fazer o que ela queria...
Sento-me de novo ao volante, respirando fundo. Giuseppe observa-me.
- Tu tens um jeito para as pessoas... Não devias ter escolhido a mercearia...
- Cala-te... - Rosno, com voz profunda e cansada. - Não quero ter essa conversa agora. Apenas certifica-te de que não destróis mais nenhum casamento...
Faço pressão no pedal com o meu pé, fazendo o carro avançar de novo em direção à nossa casa. Sinto-me mal comigo mesmo quando me vou deitar, depois do que eu acabara de dizer aquele homem tão paciente e justo. Cristina era uma das razões que me faziam ter dificuldade em confiar nas pessoas. As aparência iludem, e cada um aparenta ser apenas aquilo que quer que os outros vejam neles.
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