Uma gota escorreu-lhe pelo nariz arqueado. Os seus olhos abriram-se, revelando-se castanhos, transparecendo bondade e preocupação. As nuvens cinzentas refletidas nos seus olhos ameaçavam desabar sobre Lourdes. Olhou à sua volta, vendo as gentes atarefadas, correndo de um lado para o outro, fugindo da chuva. Olhou para o seu peito. O manto de lã castanha escondia-lhe a túnica branca e imaculada, onde se encontrava bordada a cruz vermelha dos templários. Ao longe, um estranho burburinho ergueu-se no ar, chamando-lhe a atenção. Um pequeno grupo de guardas da cidade moveu-se rapidamente em direção aos portões da cidade. O jovem estava prestes a dar maia volta, para se afastar da confusão, quando ouviu o trote de um cavalo. Era uma criatura magnifica, de pêlo negro luzidio, em tratado, mas já carregando com o seu cavaleiro o fardo do cansaço. Mas algo lhe chamou a atenção naquele jovem cavaleiro. Soube nesse mesmo instante que tinha de intervir. Um guarda preparava-se para desferir um golpe no pobre animal, perto de atirar com o cavaleiro ao chão. O som de metal a morder aço troou no ar, silenciando todos. A sua capa castanha caíra. A sua túnica branca brilhava levemente.
- Pierre, que fazeis aqui...? - Perguntou o Templário num francês áspero.
- Uma mensagem do Grão-Mestre, e algo mais que ele me pediu para lhe entregar.
- Tratemos disso depois, agora tereis de me ajudar a subir para esse fantástico animal, para que possamos partir o quanto antes.
Os guardas não se mostraram alheios à conversa e investiram. Habilmente o templário afastou-os com a sua espada, que soprava o ar, com um ameaçador silvo e um brilho de metal sedento de sangue. O assobio de uma flecha passou-lhe perto do ouvido, terminando com um som seco de carne a ser perfurada e um grito contido do desafortunado mensageiro. Fernando, o Templário, decidiu finalmente erguer-se para o dorso do cavalo, fazendo-o galopar pela cidade. Os homens do Rei tentavam correr atrás do animal, sem sucesso. Os portões fechados barravam o caminho dos dois homens.
- Teremos de usar outra via... - Comentou o Templário.
- Não, senhor, deixai-me para trás, que eu sou dispensável e estou ferido. Levai o cofre e a carta lacrada. As instruções do Mestre de Molay estão aí nesse papel. Ide, e que o Senhor vos acompanhe.
Fernando era jovem, mas já tinha batalhado contra os mouros lado a lado com os seus companheiros. Sabia melhor que ninguém que às vezes um homem tinha de ser sacrificado por um bem maior. O próprio Jacques de Molay um dia lhe dissera:
- Quando é necessário sacrificar uma vida para salvar milhares de outras, a única escolha que temos é esquecer que ele morreu, ou rezar para sempre pela sua alma. Mas se essa vida tem de encontrar o Senhor lá no alto para que mais possam usufruir da sua na Terra, então que seja, meu filho.
Pegou na pequena caixa de madeira e na carta que o jovem Pierre lhe entregava, ergueu-se no dorso do cavalo, e saltou para um telhado baixo de uma das casas. Saltando de telhado em telhado, esquivando-se de flechas que ameaçavam morder-lhe os calcanhares, conseguiu finalmente chegar a uma casa cujo todo quase chegava ao da paliçada. Um salto de fé e transpôs as defesas da cidade, caindo nos ramos de uma árvore que ali repousava há anos. As folhas ampararam a queda, mas os espinhos afiados das ramagens atravessavam-lhe a túnica e picavam-lhe a pele. Deixou-se escorregar do ramo e caiu no chão lamacento. Teria de ir para algum lado onde os homens do Rei não o pudessem alcançar. Teria de fugir de França. À sua frente, majestosos, erguiam-se os Pirenéus, com os cumes brancos com neve, manchados do cinzento da rocha. Por trás deles escondia-se a Península Ibéria - Espanha e Portugal. Decidiu rumar até ao país vizinho, antes de abrir o envelope lacrado, decorado habilmente com tinta negra.
- Para Espanha sigo então... - Comentou para si mesmo, correndo rapidamente por entre os arbustos.
Atrás de si, podia ouvir o trotar de cavalos e o som de botas metálicas a pisarem a gravilha do caminho que se estendia em frente à cidade.
- Para Espanha sigo então... - Comentou para si mesmo, correndo rapidamente por entre os arbustos.
Atrás de si, podia ouvir o trotar de cavalos e o som de botas metálicas a pisarem a gravilha do caminho que se estendia em frente à cidade.
0 comentário(s):
Enviar um comentário