Peso o saco com as mação que a D. Lídia me entregara para a mão. Depois de um sonoro bip, indico-lhe o preço:
- São dois euros e trinta e oito cêntimos, por favor.
- Ah, acho que não tenho certo para te dar, meu filho... - Queixa-se a idosa.
- Ora, não seja por isso, eu tenho troco! - Tranquilizo, sorrindo-lhe amavelmente.
Enquanto ela procura por moedas, chega-me aos ouvidos a conversa de outras duas senhoras já de idade.
-... o italiano, se queres que te diga, também não é nada inocente. Se ele refreasse os cavalos, o casamento deles não chegaria ao fim...
- Estão a falar do episódio da novela de ontem? - Sussurra-me a voz de Sandra, por trás de mim, junto do meu ouvido.
- Provavelmente.
- Conheço-te. Vi que a conversa te afetou. E se falam de um italiano, provavelmente é do Giuseppe. Que se passou?
- Já te conto. - Digo, apressado, entregando o troco à D. Lídia e registando as compras das outras duas mulheres.
Elas encontram-se caladas, olhando-me de alto abaixo, avaliando a minha expressão. Finjo que não ouvira nada do que acabaram de dizer e despeço-me dela da forma mais simpática que consigo.
- Sim, era sobre o Giuseppe... Sabes que os Arcada se vão separar...?
- Ah, sei. Não se ouve outra coisa na vila a não ser que ela traiu o marido... - Sandra pausa repentinamente, e quase posso imaginar uma luz acender-se por cima da sua cabeça. - Ela traiu-o com o Giuseppe?
- Sim... Eu tive que lá ir contar ao pobre coitado do marido, para ela parar de o chantagear...
A pedido dela, conto-lhe o que se passara três noites antes. A sua expressão vai evoluindo à medida que o grau de surpresa que ela sente vai aumentando cada vez mais. No final da história ela olha para o vazio.
- É por isso que tens andado tão ausente...?
- Sim... Esta história toda... Eu não me sinto no direito de destruir uma relação...
- Mas ela não é mulher para ele. Foi melhor assim. Olha, vou andando. Tenho de ver se consigo algum trabalho...
Despeço-me dela com um beijo na cara e olho em volta. A mercearia está vazia, mas não por muito tempo. Óscar e Giuseppe entram de rompante pela loja.
- Não me digam que estavam à espera que ela saísse para virem aqui falar comigo... - Comento, apontando para o local onde tinha estado Sandra.
- Sim... Nunca ficaste curioso sobre o que é que a levou a desaparecer da forma que o fez? - Pergunta Óscar.
As suas sardas dão-lhe um aspeto de criança, e a sua expressão atual apenas ajuda a fazer com que ele pareça ainda mais jovem.
- Não quero esta conversa agora. - Resmungo, fitando ligeiramente o italiano.
- Vá lá, sabes bem que queres saber! - Exclama ele, em resposta ao meu olhar.
- Sim... - seduz o ruivo. - Vá lá, bebé...
Rosno-lhe, tirando a minha bata e atirando-a para cima do balcão. Ele chama-me assim quando me quer levar a fazer algo. Não que eu sinta algo por ele. Mas é a forma como ele o diz. Faz-me sentir especial. E é raro alguém me fazer sentir assim. Mas Óscar sabe como entoar aquela palavra de forma a que eu o siga como um cachorro. Ele consegue imitar na perfeição a voz que um ex-namorado me fazia quando me chamava por aquela alcunha.
- Vocês já sabem de alguma coisa? - Pergunto.
- Não... Mas há uma pessoa que talvez saiba...- Comenta Giuseppe.
- Quem?
- Estás mesmo a fazer essa pergunta? - Interroga Óscar. Ao ver que eu estava a falar a sério, ele revela o que estava a pensar. - Tenho um nome para ti: Daniel Rodrigues.
Daniel era o namorado de Sandra quando ela desaparecera. Na altura, ele dera a entender que sabia qual o motivo da fuga da rapariga, já que dizia ser o culpado por tal ter acontecido. Mas ele já nem morava em Sintra.
- E como pensam contatá-lo? - Inquiro, tentando demovê-los daquela ideia.
- Sabemos que ele mora em Coimbra... Sabemos quem ele é... - Murmura Óscar.
- E tu sabes a morada dele... - Atirou Giuseppe.
- Como é que... Quero dizer! Não, não sei! - Gaguejo.
- Sim, sabes!
- Ok, mas não quero falar com ele! - Replico.
- Porquê? - Exclamam em uníssono
- Porque não. Estamos a invadir a privacidade de ambos! - Argumento. - E agora saiam-me daqui que devem aparecer clientes a qualquer altura!
Abano a bata à minha frente afugentando-os. Eles saem do estabelecimento com caras de desapontamento. Eu corro para o balcão e procuro pela agenda que costumo guardar comigo. Lá está ela, intacta, com todos os meus apontamentos que fizera ao longo da vida sobre lugares, pessoas e sobre mim mesmo. Se eles tomassem mão àquele livro, desvendariam segredos que eu não lhes queria revelar nem mesmo a eles, os cinco amigos que me são mais próximos.
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