Abri a porta lentamente. O auditório parecia-me agora assustador. Havia pelo menos umas quinze pessoas sentadas na primeira fila de cadeiras forradas de tecido vermelho. Entre elas estavam Speedy e Quica. No palco, o professor Jorge gesticulava enquanto explicava qualquer coisa aos alunos. Agachei-me, tentando não ser visto, caminhando por entre as filas de cadeiras. Sente-me discretamente a meio do auditório, observando. Um rapaz caminhou para o palco. Eu já o tinha visto pela escola. Era alto, de cabelos castanhos. Ele estava prestes a cantar, quando o professor lhe chamou a atenção para parar. Fiquei curioso. De repente, Jorge olhou para mim e apontou, chamando-me para o palco. Senti todas as quinze cabeças a fixarem-me. Afundei-me na cadeira, antes de conseguir fazer as minhas pernas obedecerem-me e levarem-me até ao palco.
- Bom, aqui está o rapaz de que vos falei, o Martim. - Apresentou ele. - Ele vai mostrar-nos o que sabe fazer.
Ele afastou-se de mim, dando-me a palavra. Eu não sabia o que fazer. Estava a entrar em pânico. Eu não conseguia fazer aquilo! Nem sabia que música cantar! Estava prestes a dar um passo atrás quando me lembrei da letra de uma música. Dizia que devíamos arriscar, sair da nossa zona de conforto para conquistarmos os nossos sonhos, que não devíamos ficar à espera do lado de fora. Caminhei para o piano. Fechei os olhos e respirei fundo. Passei a mão lenta e suavemente pelas teclas do instrumento. Abri os olhos olhando para o verniz preto que reflectia a minha imagem.
- Não me deixes ficar mal agora... - Sussurrei para o instrumento.
Comecei a tomar. Na sala apenas se ouviam as notas do piano, claras, melódicas. Na minha cabeça marcava o compasso. Era agora que tinha de começar a cantar.
- You'll never enjoy your life, living inside the box. You're so afraid of taking chances, how you gonna reach the top? Rules and regulations, force you to play it safe. Get rid of all the hesitation, it's time for you to seize the day. Instead of just sitting around and looking down on tomorrow. You gotta let your feet off the ground, the time is now...
Senti a música fluir ao longo do meu corpo, movendo-o ao som da melodia. A minha voz transmitia os meus sentimentos, fiel, como sempre tinha sido, apesar de terem passado anos sem a testar. uma nota mais alta. O coração batia rapidamente, ansioso para que eu conseguisse alcançá-la. Sim, consegui. Senti a confiança aumentar, o nervosismo a soltar-se. Enchi o peito de ar para continuar a cantar o refrão. O tempo passou depressa. Estava já nos últimos versos.
- I'm Waiting...waiting...just waiting...I'm waiting, I'm waiting...waiting...just waiting, I'm waiting...waiting outside the lines. Waiting outside the lines, waiting outside the lines. You'll never enjoy your life living inside the box, you're so afraid of taking chances, how you gonna reach the top?
Fui diminuindo lentamente o tom da minha voz até à última nota, finalizando a música. Fechei os olhos e as palmas encheram-me os ouvidos. Quando me levantei, as minhas bochechas começaram a arder, vermelhas com o sangue que me fluía para a cara. O Professor Jorge aproximou-se de mim.
- Fizeste a escolha acertada. Tu tens talento e não faz sentido desperdiçá-lo por causa de algo que não foi culpa tua.
Olhei para ele.
- O senhor estava no outro carro... Com a sua mulher... - Comentei.
- Sim. Mas isso é passado e nunca culpei os teus pais ou a ti pelo que aconteceu à minha mulher...
- Oh, ajuda-me com a próxima música, por favor! - Suplicou a Quica.
- Bringe me to Life dos Evanescence? - Perguntei, recebendo um aceno energético de cabeça.
Voltei a sentar-me ao piano. De novo a melodia aguda e tão familiar troou pela sala. Pouco depois, Quica começou a cantar, surpreendendo-me mais uma vez com o alcance da sua voz.
- How can you see into my eyes like open doors. Leading you down into my core. Where I've become so numb? Without a soul; my spirit's sleeping somewhere cold, until you find it there and lead it back home.
- Wake me up - Respondi à música, cantando com Quica.
- Wake me up inside.
- I can't wake up.
- Wake me up inside.
- Save me.
- Call my name and save me from the dark.
- Wake me up.
- Bid my blood to run.
- I can't wake up.
- Before I come undone.
- Save me.
- Save me from the nothing I've become.
Eu e ela entreolhámo-nos, acompanhando a música com movimentos dos nossos corpo. Ela rodopiava pelo palco, cheia de energia. Continuámos a música. Alguns alunos já nos acompanhavam também no refrão. Finalizamos em conjunto com o último e longo bring me to life. Os aplausos voltaram a soar no auditório. Recebemos um sorriso de aprovação de Jorge e voltámos a sentar-nos nos nossos lugares, atentos às actuações seguintes.
2 comentário(s):
Óptima escolha musical!
Obrigado x)
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