Estávamos na última semana de aulas to primeiro semestre. Agora que o tempo estava mais frio, os alunos preferiam abrigar-se no interior da academia. No ar ouviam-se vozes ansiosas. Soavam músicas da época natalícia por todos os cantos. As decorações eram já iluminadas por lâmpadas coloridas. Nessa tarde, voltei a refugiar-me no auditório.
Sentei-me ao piano, pensativo. Toquei alguns acordes soltos, mas parei quando me apercebi de movimento atrás de mim.
- Daniel...? - Arrisquei.
- Sim... Como sabias que era eu? - Interrogou, surpreendido.
- Consigo sentir a tua aura maligna e de tédio...-gozei.
- Não estou propriamente onde pertenço...
- E porque achas isso?
- Porque sou um vencedor, e o CAP não é um clube vencedor.
Ele estava sempre a dizer aquilo, a desprezar os nossos colegas. Aquela tinha sido a última gota.
- Ok. - Ripostei, agarrando-o pelo braço. - Achas que a música é apenas sobre a competição?! Vem comigo.
Apesar de eu não tornar a minha condição física tão óbvia como ele fazia, isso não significava que não tinha a força para o puxar. O facto de eu não me gabar de ter obtido um porte atlético com os longos anos de natação que eu fazia desde pequeno, fez com que ele se surpreendesse por eu ser capaz de o arrastar pelo auditório.
Levei-o ao longo da academia e das ruas em redor. Parava um pouco sempre que ouviamos pedaços da Last Christmas, dos Wham!, da All I Want For Christmas e de algumas outras cantandas em português.
- E isto tudo foi para...? - Perguntou ele, revirando os olhos.
- Para perceberes que a música não é uma batalha constante para ser o melhor. É uma forma de exprimires o que sentes. E todos sentimos de forma diferente, e é por isso que há tanta variedade de estilos e géneros de música. Por isso é que é possível haver músicas diferentes para diferentes épocas. Agora cantam-se as boas festas, daqui por uns tempos cantamos as janeiras e mais tarde cantamos a Eu Gosto É Do Verão!
Ele olhou-me. Parecia agradado pelo meu discurso mas, ao mesmo tempo, relutante em dar-me razão.
- Canta uma música que transmita o que sentes! - Desafiei.
- Eu canto músicas que transmitem o que sinto. Por exemplo a Eye Of The Tiger... É sobre ser melhor que o teu adversário.
Suspirei, fitando os seus olhos. Detectei uma pequena hesitação no seu olhar, um pouco de medo.
- Não. Canta músicas que descrevam o que realmente sentes, não o que queres que os outros pensem que sentes.
Ele abriu a boca, prestes a protestar, mas calou-se quando ergui a mão, cortando a sua fala.
- ok. E o que achas que sinto?
- Diz-me tu! - exclamei. - Sei lá... Sentes a falta de algo ou de alguém?
- Sim... De alguém... - Murmurou, olhando para o chão.
Sentei-me ao piano, pensando na música perfeita para o momento. Comecei a tocar no piano perguntando se ele conhecia aquela canção. Ele respondeu afirmativamente e começou a cantar após o meu sinal. Ele parecia nervoso, mas conseguiu cantar.
- Making my way downtown, walking fast, faces passed and I´m home bound staring blankly ahead, just making my way, making my way trhough the crowd.
Juntei-me a ele para o refrão.
- And I need you. And I miss you. And now I wonder... If I could fall into the sky, do you think time would pass me by? ´Cause you know I´d walk a thousand miles if I could just see you... tonight.
Quando acabámos a música, ele suspirou.
- O meu pai está presente muito poucas vezes, por causa do seu trabalho... Sinto a falta dele. - Contou.
- Eu sei o que isso é... - Comentei.
- Todos dizem isso para me animar. Nem sei porque te estou a contar isto...
- Não é para te animar. Estou a dizer a verdade... Apesar de estarem presentes no meu pensamento e no meu coração, nunca mais poderão estar presentes fisicamente...
- Oh! - Exclamou, surpreendido. - Eles...? Desculpa, não sabia...
- Não faz mal... - a campainha soou, interrompendo a conversa. - Tenho de ir para a aula, vêmo-nos depois.
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