Passaram-se alguma semanas desde que eu entrei para o Clube das Artes de Performance. Fiquei a saber que havia um outro clube do género na escola, ao qual o Daniel e a Julie pertenciam. Todos os anos, no final do ano lectivo, esses dois clubes juntavam-se num duelo de talentos e os alunos escolhiam para quem iria o troféu de melhor clube de música e teatro da escola. Descobri ainda que não ganhávamos há alguns anos. Decidi treinar um pouco mais a minha voz e, sempre que podia, escapulia-me para o auditório. Primeiro certificava-me de que estava sozinho e depois começava a cantar.
Nesse dia, quando cheguei, reparei que as últimas pessoas a usarem o palco o tinham deixado desarrumado, e decidi dar uma pequena ajuda, arrumando as roupas que estavam espalhados pelo chão. Enquanto o fazia, comecei a cantarolar.
-Sozinho na noite, um barco ruma, para onde vai...? Uma luz no escuro, brilha a direito, ofusca-as demais. - Pendurei alguns casacos e aumentei um pouco o tom da voz para o refrão. - E mais que uma onda, mais que uma maré, tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé, mas vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme...
- Vai o homem do leme... -Respondeu uma voz familiar, vinda dos bastidores.
Sobressaltei-me, deixando cair mais umas roupas, girando para ver quem me observava.
- Oh, Daniel... - Murmurei.
Ele aproximou-se, avaliando-me com os seus olhos magnéticos, de um verde que parecia fluir, como metal líquido. Tinha um sorriso de escárnio na cara, numa atitude de desprezo e intimidação.
- Então... Tu sabes quem eu sou. Óptimo. - Respondeu, com uma voz grave e profunda, passando a mão pelos cabelos loiros.
Estremeci ao aperceber-me de que a camisola de manga curta lhe assentava que nem uma luva. Era branca, com uma imagem do Big Ben com a bandeira Inglesa como fundo, que se desvanecia nas bordas. O decote em "v" descia-lhe até dois terços do peito. O tecido mostrava o relevo dos seus músculos bem definidos, que eram visíveis logo abaixo das mangas justas. Ele até podia se giro, mas isso não lhe dava o direito de ser arrogante com as pessoas.
- Não sei se é assim tão bom saber quem tu és. - Ripostei, apanhando as roupas que deixara cair.
- Mm? - Questionou
- Pelo que me disseram, és uma pessoa com uma personalidade... Que eu não considero boa.
- Ambicioso, competitivo? - Perguntou, cruzando os braços.
- Não, disseram que eras mais arrogante, convencido, nariz empinado e...
- Hei, já chega, já chega! - Pediu, fingindo-se ofendido e erguendo os braços em jeito de rendição. - Mas isso não é verdade. Eu não sou convencido, sou realista. Eu tenho talento.
Soltei uma gargalhada, desvalorizando as suas palavras e atirando com as roupas para dentro da arca. Ele continuava a caminhar perto de mim.
- Mas pelos vistos também sabes cantar... - Comentou. - Devias vir para o...
- O C.A.P.* já me fez esse convite e aceitei-o. - cortei.
- Devias saber escolher melhor os teus amigos... - Sibilou.
- E ser teu amigo? Desculpa, mas se eu quisesse ser mal visto, já o saberias. - Repliquei.
- Ainda vais a tempo de mudar de ideias. - Insistiu.
- Porquê tanto interesse em mim? - Perguntei.
- És talentoso, uma mais valia para o nosso clube. - Afirmou.
- Estarei eu a detectar uma nota de medo? - Perguntei, retoricamente. - Eu sei escolher os meus amigos e não preciso de um rapaz mimado a contar-me o que fazer.
Ele abriu a boca. Desta vez a surpresa e ofensa eram verdadeiras. Contive o sorriso que ameaçava formar-se na minha cara, e virei costas. Ele segurou-me no ombro.
- Amanhã, ás quatro, aqui. Um concurso, três juízes imparciais, que não conheçam nenhum de nós. Se eu ganhar, tu vens para o Clube de Música e Teatro. Se tu ganhares, o que duvido que aconteça, eu vou para o C.A.P.
Ergui uma sobrancelha, observando a mão que ele me estendia.
- De acordo. - Disse, apertando-lhe a mão.
Ora bolas, onde é que eu me fui meter?
*C.A.P. - Clube das Artes de Performance
*C.A.P. - Clube das Artes de Performance
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