sábado, 2 de abril de 2011

A Maldição - Capítulo 3

Alguém bateu à porta do quarto de Luís Afonso. Ele ajeitou o seu colete preto, antes de atender. Quando abriu a porta, observou a mulher que se encontrava à sua frente. Ela observava-o com uns par de olhos verdes grandes. Uma madeixa de cabelo loiro estava solta da touca que trazia. Envergava o traje típico das mulheres que trabalhavam no palácio.
- Sr. Luís Afonso, Sua Alteza Real D.Sebastião espera-o na sala do trono...
Luís seguiu-a, em silêncio. Observava os retratos expostos nas paredes, de antigos reis, condes e aristocratas. Sempre lhe fascinara a mestria com que os pintores conseguiam representar na tela o que viam no mundo real. Quando finalmente chegou, apercebeu-se que o rei conversava baixo com um rapaz jovem. Aparentava ter a mesma idade que Sebastião e que o próprio Luís Afonso, nos seus vinte e poucos anos, talvez dezanove.
- Mas é como digo, deveríeis ter mais atenção! - Repreendia o jovem. - Os mouros são trapaceiros.
Finalmente, os seus olhos cor de chocolate cruzaram-se com os olhos azuis de Luís Afonso. Este, subitamente, reconheceu o rapaz.
- Cristo! Como crescestes desde a última vez que vos vi, Carlos! - Exclamou o banqueiro. - Éreis ainda um pequeno moço quando aqui estive a última vez.
- Oh, Luís Afonso, vós por seu lado continuais bem preservado! - Replicou o jovem.
- Pensei que não se reconhecessem! Companheiros de brincadeiras fomos enquanto moços, companheiros nas armas havemos de ser quando nos tonarmos grandes! - Exaltou D. Sebastião.
- Oi! Acaso suponhais que eu estou de acordo em ir a África digladiar-me com os mouros?! - Pigarreou Luís.
- Sim, eu homem de armas também não sou! - Apressou-se Carlos a dizer.
- Uoi! Temos galinhas por aqui em meu palácio, ou homens feitos?! - Criticou o rei, sorrindo de seguida. - Mas tudo bem, se vós não quereis ir batalhar por Deus e por Cristo, irei eu.
- Batalhar numa guerra que muitos mortos fez, e que morto há-de fazer um Rei? - Cumprimentou o cardeal D. Henrique.
- Não agoureis, meu querido tio! - Exclamou Sebastião.
- Apenas dito as verdades divinas e nada mais. - Defendeu-se o clérigo.
Ele parou, em frente ao trono, fez uma vénia e virou-se de seguida para Luís.
- Como passais, Afonso? - Perguntou. - Não estais interessado em tomar o trono em substituição do meu sobrinho sem juízo?
- Oh, devia acusar-vos de traição, seu velhaco! - Exclamou Sebastião, fingindo-se ofendido.
D. Henrique sorriu, revirando os olhos e bateu com o seu cajado na anca do rei, que se sentou de imediato no trono. De seguida, pediu privacidade com o monarca, dispensando o banqueiro e o jovem Carlos, que se dirigiram aos jardins do Palácio.
- Então, há quanto tempo não nos víamos, Afonso? - Perguntou Carlos.
- Há já alguns anos... - Comentou Luís. - Mas bons amigos sempre se reencontram e somos a prova viva disso.
- Pois... Como vão as coisas no Porto? Já ganhastes sotaque nortenho e tudo! - Surpreendeu-se Carlos Jorge, provocando um riso sonoro a Luís.
- Meu pai vai bem de negócios, mas mal de reumatismo. No entanto, esta demanda a África por parte de D. Sebastião obrigou-me a voltar, para ver e lhe incuto algum juízo na testa...
- Foi o Cardeal que te pediu ajuda?
- Sim... Mas parece que com o meu retorno, o rei está ainda mais determinado em ir combater... - Murmurou.
- Talvez se conseguirdes provar que ele não está a tomar a decisão certa, o consigais demover de tal demanda suicida. - Palpitou o outro jovem.
- Também já tal coisa me passou pela cabeça, mas não há meio de como pôr o plano em prática.
Os homens ouviram passos atrás de si. Era a mesma mulher que tinha estado à porta do quarto de Luís Afonso.
- Carlos! Carlos! Está a nascer!! - Exclamou ela, agarrando as saias do vestido, e puxando-o pela mão.
Carlos agarrou o braço do amigo e arrastou-o consigo.
- Quem está a nascer? Tendes um filho, Carlos? - Interrogou o banqueiro.
- Ora essa! Ainda sou demasiado jovem e boémio para ter uma criança! É a minha égua que está a parir um potro! Não, ela vai parir um garanhão, isso sim!
Luís Afonso riu-se, acompanhando o seu amigo e a criada até aos estábulos do palácio.

6 comentário(s):

Lobo Solitário disse...

Como eu adoro este conto Medieval, só estou ansioso para ver se vais causar alguma blasfémia por aqui, olha que o Sebastião ainda te aparece no nevoeiro!

Ragdoll disse...

haha Blasfémia contra o D. Sebastião? Pior, para aquela altura, que o rapaz fez, não consigo inventar: há relatos que o D. Sebastião andou no bem bom com outros rapazes xD

Mas ainda bem que estás a gostar ;p

Gil Silva disse...

D.Sebastião por entre as nuvens x) A estátua dele está na minha terrinha x)

Ragdoll disse...

haha :P Por acaso o D. Sebastião é um dos meus reis preferidos, principalmente por causa da sua coragem e patriotismo e por causa do mistério à volta da sua morte... Inspira-me. Gostava de ver essa estátua... :P

adorkably-silva disse...

hahaha, um potro? e eu que pensava que ia dar a luz um filho bastardo ou algo assim... #dailydoseofdrama
e é verdade mesmo isso de o d.sebastião ter andado aí no regabofe com outros rapazes? XD eu já tinha lido isso, mas questionable source is questionable! XD
vou ler os outros caps e já comento! :D estou a adorar esta história!

Ragdoll disse...

Eu li isso num artigo de uma revista, que tinha excertos do livro "Reis que amaram como Rainhas" x)

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