quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Minha Melodia 2: Subida ao Topo - Capítulo 5

Suspirei, limpando o quadro com um pouco de mais força. Era esse o meu, melhor, o nosso castigo. Durante o mês seguinte, eu e Xavier tínhamos de ajudar nas limpezas da escola.
- Ok, talvez tu até tenhas jeito para isto, mas eu não tenho mãos de fada para andar a limpar. – Resmungou Xavier, deixando cair o pano que tinha nas mãos.
- Não abuses, se não queres ficar com o outro olho igual ao que tens negro… - Sibilei.
- Isso é uma ameaça? – Perguntou.
- Não, é um aviso. As ameaças podem não ser cumpridas, os avisos são cumpridos. – Repliquei.
Ele rosnou, voltando a pegar no pano. Desta vez fui eu que atirei com o meu pano para cima da mesa.
- Ouve lá, seu asno tapado, de onde vem tanto preconceito contra os meus pais? – Disse, confrontando-o.
Ele ficou desarmado perante tal pergunta e apenas recebi silêncio como resposta.
- E eu que pensava que a humanidade era ignorante ao arranjar argumentos da treta para defenderem a sua posição contra os homossexuais! Mas tu consegues ir mais longe e nem uma única razão me dás! – Exclamei, surpreendido. – São pessoas de mente fechada como tu que não merecem que as suas opiniões sejam ouvidas.
Voltei a pegar no pano e continuei a limpar o quadro. Ouvi-o sem que ele se apercebesse. Estava a aproximar-se de mim.
- A atacar-me por trás? – Desafiei, continuando a minha tarefa.
Ele urrou, puxando-me pela camisola, atirando-me ao chão. Sentou-se em cima da minha barriga, prestes a dar-me um soco. Rebolei, atirando-o para o pavimento e ficando por cima dele. Agilmente, contorceu-se, esquivando-se de mim e rolando pelo chão. Pouco depois, estava de novo em pé. Voltou a atirar-se a mim. Segurei-o pelos braços, agachei-me e fi-lo passar por cima das minhas costas. Ele aterrou com um som seco em cima de uma das mesas e prendi-o com o meu braço.
- Fica sabendo que os meus pais me educaram para situações destas em que me tivesse que defender. – Informei.
Ele não respondeu, apenas soluçou. Estava a chorar?! A grande estrela da música estava alia a chorar à minha frente!
- Cristo, magoei-te assim tanto? – Perguntei, preocupado.
Não me lembrava de ter usado tanta força… Mas naquelas alturas eu podia perder o controlo muito facilmente.
- Sim! Foram pessoas como tu que destruíram a minha família! – Berrou.
- Do que é que estás a falar, pessoas como eu? – Perguntei, calmamente.
- Gays! Ele trocou-a por um homem! Aquele tipo nojento abandonou-a com um recém-nascido para fugir com outro!
A raiva brilhava-lhe nos olhos. Todos sabiam que a mãe de Xavier o tinha criado sozinha, mas ninguém sabia porquê. Agora, ele havia revelado o que se passara com o pai.
- E achas que os meus pais são como o teu?! – Exclamei. – Afinal ainda és mais asno do que eu pensava! Cada caso é um caso, cada pessoa tem os seus valores. Lamento que o teu pai tenha feito o que fez, mas os meus pais não merecem pagar pelos erros de alguém que eles nem sequer conhecem!
Larguei-o, agarrando no meu pano e saindo da sala. Esperei à porta. Dois minutos depois, ele saiu, olhando-me.
- Mais calmo? – Perguntei.
- Sim… - Disse, incerto.
- Ótimo, já posso acabar a limpeza! As minhas “mãos de fada” odeiam limpezas. – Comentei, dirigindo-me de novo para o interior da divisão.
- Desculpa…
- Será que eu ouvi um pedido de desculpas? – Disse, sorrindo, colocando a mão em concha em volta da minha orelha. – Gostaria de ouvir uma súplica…
- Deves estar com sorte! – Respondeu, revirando os olhos e dando-me com o pano no ombro.
- Nem por isso. – Concordei.
Fez-se uma pequena pausa. Finalmente, ele voltou a falar.
- Hugo… tu…?
- Eu o quê? – Incentivei.
- És… tu sabes…?
- Como os meus pais? – Perguntei.
- Sim…
- Lá por ter pais homossexuais não quer dizer que eu também seja… – Respondi. Mas sou como eles e, ao mesmo tempo, não o sou.
- Como assim? – Interrogou, com uma sobrancelha erguida.
- É… complicado… Uns dizem que pessoas como eu não existem, outros dizem que sou apenas um homossexual com medo de me assumir completamente e que continua com um pé no armário… Mas eu não concordo com nenhuma dessas pessoas.
- Mas afinal o que és?
- Alguém que não pode ser definido por etiquetas, como a sociedade adora fazer e, ao mesmo tempo, alguém que é definido por uma, como a sociedade adora fazer. Eu gosto de me chamar a mim próprio “um ser versátil que se adapta a todas as situações”.
- Não percebo.
- Digamos que não sou esquisito quanto ao sexo da pessoa que amo.
- És bi? – Perguntou.
- Urgh… - Suspirei. – Como lhe queiras chamar… Vocês lá sabem as etiquetas com que nos querem identificar...
A conversa ficou por aí. Durante o resto das duas horas que se seguiram, a sala passou a ser apenas uma divisão onde se encontravam dois rapazes pensativos.

1 comentário(s):

Unknown disse...

Estou a prever que a relação entre eles vai ser muito boa.

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