quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Rapaz da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 1

Uma Nova Experiência
Laika está sentada no meu colo. Olho em volta para o meu quarto. Fora duas semanas antes que eu conhecera Quim, aquele rapaz cá da aldeia. Primeiro ele parecia-me uma criança, infantil para os seus quinze anos, tantos como os meus. No primeiro dia que ele ali havia estado, tinha entrado pela janela. Eu chorar em frene a ele, porque desesperei de preocupação. Se aquele rapaz tivesse caído, isso traria ainda mais problemas à minha família. Na aldeia à muitos mexericos sobre os meus dois pais, Frederico e Carlos. Inclusive, há pessoas que dizem que somos uma família fruto do pecado. Eu só vejo amor entre os meus pais. Claro, fiquei revoltado quando nos mudámos de Lisboa para cá, por causa do emprego do Pai Carlos. ele é veterinário, e teve de vir para aqui. Nós seguímo-lo e viemos viver para a Casa Amarela. Foi ali, em frente à cama que ele despiu a camisola. a primeira coisa em que reparei foi na sua pele morena, e nos seus músculos definidos, provavelmente mantidos com uma vida agitada de brincadeiras e trabalho no campo. Depois, vi aquela longe e irregular cicatriz que lhe desce pelas costas, fruto de um acidente com uma foice. Já tinha ouvido pessoas dizer "escapei por um triz à foice da morte", mas não se podiam gabar de dizer isso no sentido literal.
Laika ergue a cabeça de repente e corre pelas escadas fora. eles estão aqui. Quim e Pluto, o pastor alemão que sempre lhe fez companhia, acabam de chegar. Ouço-o cumprimentar jovialmente os meus pais, sempre naquele seu tom de menino de nove anos de que eu aprendi a gostar tanto. Ele sabe aproveitar a vida, porque quase a perdeu, e está a ensinar-me a fazer o mesmo.
- Olha o que trouxe! - Exclama, erguendo na sua mão um gafanhoto, com um sorriso triunfante na cara.
O insecto salta-lhe da mão e voa pelo quarto, fazendo-me soltar um guincho de susto. Ele ris-se, divertido com o nojo que eu tenho de insectos, e corre a apanhar o gafanhoto. Quando se inclina, a camisola justa desenha-lhe a forma dos músculos das costas, e aquela linha inquietante que parte do seu ombro é realçada pelas pregas do tecido branco. Conheço-o há tão pouco tempo, mas não posso mais negar que me sinto atraído por aquele rapaz. Ele ergue-se, com o insecto preso entre os dedos.
- Pronto, vou deixá-lo ir... - Diz, abrindo a janela.
Outra coisa que me fascina é a quantidade de sabedoria que se esconde por trás daquele semblante infantil. Eu gosto de pensar que ele é uma criança, que pensa e sabe como um adulto, presa no corpo de um adolescente. Isso fascina-me. Aproximo-me ele, tocando ligeiramente com o meu braço no seu ombro. a acrescentar ao facto de se parecer uma criança, Quim é mais baixo do que eu um seis ou sete centímetros. Sinto-o estremecer um pouco. Ele olha-me, mas depois desvia a cara, sentando-se no chão em pernas à chinês. Chega a hora de praticar a minha imaginação. Quim contara-me que quando ele brincava, o mundo à sua volta transformava-se completamente, mas isso só era possível fazer com muita imaginação, porque é uma mudança na nossa mente, só para nós, que não afecta fisicamente o mundo que nos rodeia. Quando lhe disse que não conseguia fazê-lo, ele inventou este exercício. Sentamo-nos no chão, frente a frente, de pernas à chinês, de olhos fechados. Ele descreve o mundo imaginário à sua volta e eu tento retratá-lo na tela negra das minhas pálpebras fechadas. Costumo conseguir, mas hoje não consigo fechar os olhos. A única coisa que vejo quando o faço é a sua imagem. Aproveito, é o agora ou nunca. Inclino-me para a frente, seguro-lhe a cara com a mão e beijo-o. Ele desequilibra-se e cai para trás, mas os seus braços musculados e fortes envolvem-me, puxando-me para ele. Corresponde ao beijo, sofregamente. Os nossos lábios movem-se em sintonia e as nossas línguas acariciam-se mutuamente.
- Jaime? Jaime?! - Exclama a sua voz potente, acordando-e da minha fantasia.
ele está perto. Tão perto... Consigo sentir o aroma campestre da sua pele e o cheiro adocicado a morando do seu hálito.
- Não me parece que estivesses nas pirâmides do Egipto, neste momento... - Comenta, rindo-se.
- Não... Não estava, estava a imaginar outra coisa... - Murmuro.
- O quê? - Pergunta, curioso. - Nos biscoitos dos teus pais?
Cruza-se-me na mente de novo a imagem dele a puxar-me para si com os braços, a beijar-me.
- Não... Mais num amor impossível, que não é correspondido. - Comento.
Ele observa-me. Sei que me quer perguntar algo delicado. Incentivo-o com um gesto de cabeça a contar.
- Jaime, tu és como os teus pais?
- Gay?
- Sim.
- Sou.
- Tem a ver com o facto de terem sido eles a educarem-te?
- Não! Isso é algo que nasce connosco, só tenho a sorte de ter pais que me compreendem. - Afirmo. - Mas porque perguntas?
- Porque há uns dias... - Começou. - Passou-me pela cabeça um pensamento... Como seria beijar um rapaz... Eu já beijei a Clarinha, a neta da Dona Alberta, mas não foi nada de especial... E gostava de saber como é com outro rapaz.
Olho para ele incrédulo.
- Estás a pedir que eu te beije? - Interrogo.
AS suas faces morenas ficaram vermelhas, e a sua boca entre-aberta. Levanto-me, e faço-lhe sinal com a mão, para fazer o mesmo. Aproximo-me dele. Já sinto o calor do seu corpo, e parece que consigo ouvir um baixo eco do seus batimentos de coração vigorosos. Num curto passo, elimino os centímetros que nos separavam. O seu peito está junto ao meu. Uma das suas mãos pousa na minha cintura, como que para me impedir de fugir. Aproximo os meus lábios do dele e murmuro baixo:
- Queres mesmo fazer isto...?
Ele engole em seco e gagueja um sim quase inaudível. Finalmente, os meus lábios tocam os seus. Tal como na minha fantasia, a sua língua não demorou a procurar a minha, acariciando-a, saboreando os meus lábios e eu os dele. Subitamente, uma rajada de vento provocada pela porta do quarto a ser aberta surpreende-nos, quebrando o beijo.
- Os biscoitos estão...! Cristo, oh, desculpem! - Suplica Frederico, envergonhado.
Eu e Quim entreolhamo-nos. Ambos estamos tensos, muito direitos. Sustemos a respiração. Ele é o primeiro a tentar falar, mas não consegue. Afasta-se saindo do quarto. O meu pai olha-me surpreendido, mas encorajando-me. Eu tenho exactamente a mesma reacção de Quim e saiu sem dizer uma palavra.

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