quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Rapaz da Casa Amarela - Livro IV - Capítulo 2

Herói Escondido
Quim engole sofregamente o bocado de pão que acabara de mastigar. ele fita-me, com os seus olhos castanhos ainda húmidos.
- Então, vais-me contar porque é que te foste embora...? - Pergunta.
- Tu ias-te matando por minha causa. Se eu não tivesse aparecido, a tua avó ainda estaria viva e tu não te terias atirado daquela torre. - Afirmo, sentando-me na cadeira em frente a ele.
Ele olha para mim. Os meus olhos estão pregados no chão.
- Desculpa teres assistido à minha queda... Eu lembro-me de te ouvir chamar... - Comenta.
- Oh ele fez mais do que assistir... - Começa o meu pai.
- Pai! - Corto. - Agora não, por favor.
Frederico deteta o olhar confuso de Joaquim.
- Não lhe contaste? - Pergunta, escandalizado.
- Não me contou o quê? - Interroga Quim.
Araújo contorce-se, desconfortável. O sobrinho dele percebe que estamos a esconder-lhe algo. Quim ergue-se.
- O que é que me estão a esconder.
- Quem te salvou a vida. - Revela Araújo. - Mas é melhor explicares-lhe tu, Jaime.
Eu olho furioso para o velho. Eu não quero recordar aquilo que se passara um ano antes, no campanário da Igreja. Não quero relembrar a dor... A dor psicológica e física.
- Conta-me, por favor. - Suplica Quim.
Eu suspiro, preparando para lhe contar o que se passara naquela noite.
- Eu fui ter contigo à Igreja, e vi-te lá em cima. Corri que nem um desalmado para lá chegar antes de te atirares. Quando finalmente alcancei o topo, já te estavas a soltar. Eu chamei por ti, e segurei-te o braço. Bateste com o peito na parede da torre, e perdeste os sentidos... A tua mão começou a escorregar, e eu não estava a aguentar contigo, por isso... Atirei-me, envolvi-te com os meus braços, e quando atingimos o chão, rebolei, para dissipar alguma energia... Ainda assim tu partiste uma perna e eu parti uma perna e desloquei um ombro...
Sinto uma lágrima escorrer pela minha face, ao relembrar-me do que sentira, do ar a passar pelo meu corpo, do meu estômago parecer subir-me à garganta.
- Porque é que... Porque é que o fizeste? - Sussurra Quim, pegando-me na mão.
- Porque não suportava a ideia de te ver ali, caído, morto no chão, sabendo que pelo menos poderia tentar alguma coisa para te ajudar...
- E porque te foste embora quando eu mais precisava de ti?
- Tu... Eu... Não sei... Não te queria fazer sofrer mais do que fiz... - Digo, olhando para o tecto.
- Tu não me fizeste sofrer... Nem tu nem ninguém. Foi apenas obra do destino. Mas eu preciso de ti. Preciso do teu apoio, do teu abraço... Eu amo-te, Jaime...
Araújo endireita as costas com aquela revelação. É-lhe ainda difícil de enfrentar o facto de que o seu sobrinho nutre aquele sentimento por outro rapaz. 
Eu envolve-lhe o pescoço com os braços, puxando-o para mim, beijando-o carinhosamente. Quim corresponde, acariciando-me a cara e os cabelos. O beijo é interrompido por alguém a entrar de rompante na pequena cozinha.
- Cristo! Frederico! Eu estava preocupado! Disseram-me que tinhas vindo para aqui! O que é que se passou, querido?! - Exclama o Pai Carlos.
A sua voz morre num beijo caloroso dado por Frederico, que o faz corar. Carlos olha em volta e apercebe-se do que se passara.
- Como estás, Quim? - Pergunta, amigavelmente.
- Muito bem. Melhor do que nunca. - Afirma, olhando para mim com um sorriso rasgado.
- Vocês deviam ter dito o que se passou. - Comenta o Pai Carlos. - Têm noção e que deixaram a Laika sozinha em casa?
- Oh, onde é que ela está? - Interrogo, preocupado.
- Trouxe-a comigo. Está no quintal a brincar com o Pluto... Acho que aqueles dois estão a seguir o exemplo dos donos... - Responde, rindo-se. - Mas fico feliz por vocês.
Araújo ausenta-se, dizendo que se vai deitar. Os meus pais avisam que vão dar um passeio pela aldeia, antes de voltarem à Casa Amarela. Eu fico ali, sentado, olhando para Quim. Ele volta a beijar-me, desta vez mais calorosamente. Sinto a saudade nos seus lábios que se movem em uníssono com os meus, transparece o desejo na sua língua que toca a minha timidamente, demonstra carinho nas suas mãos que percorrem lentamente o meu corpo. Ele quebra o beijo, encostando a sua testa à minha.
- Quero que isto nunca mais acabe. - Diz, mantendo os olhos fechados, como que fazendo um desejo. Quando os abre, fixa-os nos meus. - Promete-me que não te voltas a ir embora... Por favor, promete.
- Eu prometo. Nunca mais vou ficar longe de ti. - Afirmo, beijando-o novamente.

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