sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Rapaz da Casa Amarela - Livro II - Capítulo 4

Amar, Respeitar, Orar
Era já o final da tarde quando me decidi a entrar. A pequena igreja estava vazia. Ajoelho-me e faço o sinal da cruz. Sento-me num banco, olhando em volta e ajoelho-me na tábua à minha frente. Enterro a cara nas mãos.
Porquê, meu Deus? Porque permites a estas pessoas que digam mal dos meus pais, que tanto bem me fizeram... Que mal tem o amor que eles sentem um pelo outro? Interrogo-me.
- Porquê...? - Murmuro, soluçando.
- Filho, Ele nem sempre responde, se precisares de falar com alguém que saiba o que te dizer, podes falar comigo... - Diz uma voz masculina familiar e amigável.
Ergo o olhar, limpando as lágrimas. É o padre da aldeia.
- Senhor Padre? - Interrogo incrédulo.
- Joaquim. - Corrige. - Podes tratar-me pelo nome... Tu deves ser o Jaime. O Carlos falou-me de ti.
O nome dele fez-me estremecer.
- Conhece o meu pai? - Pergunto.
- Sim. - Confirma, sentando-se ao meu lado e fazendo-me sinal para que o imitasse. - Ele veio ter comigo quando ouviu o que as pessoas diziam sobre ele.
- A sério?
- Sim. Queria apoio de Deus.
- E o senhor padr... Joaquim, o que acha deles? - Interrogo, referindo-me aos meus pais.
- Acho que os paroquianos deviam aprender a amar e a respeitar como eles. - Informa. - Já os vi juntos e sei que aquilo é o mesmo amor que uniria um homem e uma mulher. Deus ensina-nos a respeitar o próximo, coisa que as pessoas não fazem em relação aos teus pais. No entanto, quando o teu pai Carlos chegou perto de mim,a  única coisa que disse foi: "Senhor Padre, todos dizem que eu peco... Peco por amar alguém. não acredito nisso. Peço então a Deus que os perdoe, por falarem sem saber, por difamarem sem conhecer.". Eu respondi que ele não devia deixar-se levar pelas frases dos outros e que deveria continuar a amar e a respeitar o Frederico como sempre o fez.
- O senhor era a última pessoa com quem eu esperava poder contar... - Digo, suspirando aliviado.
- Tenho de admitir que estranhei quando soube acerca dos teus pais. Mas como já disse, vi como eles estão juntos. Amam-se um ao outro mais do que muitos casais que eu já vi. E é um amor tão puro que não olha sequer ao género.
Sorrio.
- Gostava de pensar que também encontrei um amor assim... Mas a família dele não é muito fã disso...
- Mm... Não que eu oiça os mexericos, mas não pude deixar de saber que se fala por aí que tu e o Quim são muito próximos.
- Sim...
- A Dona Alzira vem cá todos os dias de manhã, rezar pelo filho. São muito conservadores. - Comenta o Padre. - Não te deixes abater pelo que aquela senhor diz... e não penses mal dela. Ela é uma mulher muito bondosa, de carácter forte. O seu único defeito é, Deus me perdoe por dizer isto, mas ela é casmurra que nem uma mula, nem com a cenoura lá vai!
Solto uma gargalhada com as palavras do Padre.
- Jaime, ouve. Eu percebo a tua dor e a tua revolta. E é bom que te vires para Deus nestas alturas.
- É... O meu pai Frederico não acredita em Deus, mas diz-me que ter esse tipo de apoio de uma entidade divina nos torna mais fortes.
- É isso que surpreende! - Exclama o Padre. - Como os teus pais são sensatos! Como eles são capazes de respeitar e tentar compreender pontos de vista que nem sequer apoiam. É como digo, as pessoas bem que podiam aprender umas quantas coisas com eles.
Eu sorrio em resposta, admirando os elogios daquele homem de cabelos castanhos e olhos negros.
- Bom, agora vou deixar-te à vontade com Ele, - diz, apontando para o crucifixo. - e aproveito para preparar o sermão para a missa de Domingo... Conto ver-te por cá amanhã, hun?
- Cá estarei, senhor padre. - Respondo, acenando-lhe.
Ainda fico mais algum tempo na igreja. Rezo. Rezo para que as pessoas pensem como o Padre, rezo para que as pessoas não me roubem Joaquim, rezo para que Deus me dê forças para aguentar firme as más-línguas do povo.

Quando passo pelo largo em frente à igreja, apercebo-me de cinco pessoas em frente ao carro. São dois idosos e três mulheres de idade avançada, entre elas, Dona Alzira e Dona Armanda. é um carro de marca, negro. Observo os aldeões gesticular.
- Ai, alguém que vá chamar o Araújo ou o Quim, que não percebemos nada do que estes ingleses dizem!
Aproximei-me calmo.
- Need any help? - Pergunto, dirigindo-me à condutora loira.
- Oh, gosh! Yes, please! - Supolica. - Finally, someone that's able to speak to us!
- Don't mind them... Not every Portuguese learned English at school... - digo, gracejando.
- Ok, look, honey, I'm trying to find Frederico, an architect I met in London... He said he was living here, but I don't find his address.
- Oh, he's actually my father! - Exclamo. - If you give me a ride I can point you the way.
- Hop in, honey! - Convida, sorrindo-me e tirando os óculos de sol, mostrando os seus olhos verdes.
Antes de entrar, olho para o grupo de anciãos.
- Podiam pedir-me ajuda a mim, não há problema. - Digo, sorrindo triunfante.
- Adorei as caras deles... - Comenta ela, num português com sotaque forte.
- Oh, a senhora sabe falar português?! - Interrogo, rindo-me.
- Sim. Eu tinha-te visto e reconheci-te... queria que brilhasses.
- Mas como? - Pergunto.
- Quando disse que tinha conhecido o teu pai, era verdade. Sabes que ele morou em Londres até aos dezassete. Os teus avós eram portugueses e ensinaram-no a falar as duas línguas, e ele ensinou-me a mim. Mas já está enferrujado. - Comenta. - Tu e eu conhecemo-nos quando tinhas seis anos, já não te lembras de mim Jimmy...?
- Oh! Anne! - Exclamo, lembrando-me dela. - Meu Deus! nem pensei que poderias ser tu...! Mas não eras ruiva?
- Ah... sim... I was a Ginger*... Mas tive de pintar de loiro para o último filme que fiz.
- Então sempre conseguiste seguir a carreira de actriz?
- Claro!
Eu olho para a Casa Amarela. Laika já corre em volta do carro. Também reconhece aquela mulher que passou umas semanas em nossa casa, há uns anos atrás. Ela é a melhor amiga do pai Frederico.
- Vim cá passar umas semanas... Mas eles não sabem. - Informa, pisando-me o olho.
- Eu acho que vão adorar a surpresa.

*"I was a Ginger." - Eu era ruiva.

tradução da conversa entre Anne e Jaime
- Need any help? - Precisa de ajuda? 
- Oh, gosh! Yes, please! - Oh, deuses! Sim, por favor!
- Don't mind them... Not every Portuguese learned English at school... - Não lhes ligue... Nem todos os portugueses aprendem inglês na escola...
- Ok, look, honey, I'm trying to find Frederico, an architect I met in London... He said he was living here, but I don't find his address. - Ok, olha, querido, estou à procura do Frederico, um arquitecto que conheci em Londres... ele disse que morava aqui, mas não encontro a sua morada.
- Oh, he's actually my father! If you give me a ride I can point you the way. - Oh, ele é na verdade o meu pai! Se me der uma boleia, posso indicar o caminho.
- Hop in, honey! - Salta cá para dentro, querido!


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