O dia hoje está mesmo agitado. Há já quase duas semanas que moro naquele minúsculo apartamento, ao qual, por carinho, dei o nome de Petite Maison. É o contraste com a casa dos meus pais, sim senhor.
- Eu não acredito que não me tinhas contado! – Grita uma voz por trás de mim, quase fazendo a minha mão cair dentro da frigideira que estava à minha frente.
- Oh, Maurice, agora não! Estou a trabalhar! – Repreendo, afastando-me um pouco do lume.
- Mas não me contaste que saíste da toca dos Lobos! – Exclama.
Ele sempre tratou os meus pais por Lobos. Acho que é porque eles nunca gostaram de me ver a confraternizar com um motoqueiro, apesar de ele ser de boas famílias. Quando os meus pais dizem “boas famílias”, leia-se “Famílias ricas”.
- Tencionava contar-te, mas tenho estado cheio de trabalho, monsieur.
- Então quando saíres avisa, para irmos dar uma volta na Duca.
A Ducatti dele. Uma mota desportiva, vermelha e preta, que ele tratava como se fosse uma filha bebé de carne e osso. Eu não tenho medo de andar de mota… Só tenho medo de andar numa mota que o Maurice esteja a guiar. Ele até sabe guiar, mas sabe guiar bem demais para o meu gosto… Enfim, ele é meu amigo e tenho de o aturar, c’est la vie.
O dia corre devagar quando se espera por algo. Quando finalmente consigo ir ter com Maurice, parece que passaram semanas desde que o vi esta tarde. Dou-lhe todos os pormenores da pequena batalha que tive contra o meu pai, sem ouvir uma única palavra a interromper-me. O que eu adoro no Maurice é que ele nunca interrompe quando falo. Espera sempre pelo fim para dar impressões.
- Ai, ai… Só digo que já devias ter feito isso à mais tempo…
- Eu sei… - Digo, revirando os olhos.
- Ontem falei com a Claire… - Informa.
- Foste a casa dos Bonnet? – Pergunto, surpreendido.
- Não, claro! Nessa toca não me quero enfiar tão cedo! – Exclama.
- Mas isso com a Claire é sério ou não? – Pergunto.
- Talvez… Ainda não aconteceu nada com ela, frère…
- Está a fazer-se difícil… Mas acho que ela gosta de ti… - Afirmo. – Pelo menos ela não falou noutra pessoa, da última vez que passei por casa deles…
- Como é que tu ainda não aproveitaste uma rapariga daquelas?! – Pergunta.
- Não é o meu tipo… - Respondo, rapidamente.
Parece uma conversa estranha? Sim. Eu sempre tive aqueles desejos de estar com outro homem. Mas no meu meio, isso é errado. Não faria de mim um “homem a sério”. Por isso, desde que me apercebi destes desejos que os escondo dos que me rodeiam. Nem mesmo Maurice, que conheço desde criança, conhece esse meu segredo. Mas como todos os segredos que eu tento esconder, este é mais um que pouco vai durar.
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