Corro atarefado pela cozinha, tentando corresponder aos pedidos daquele tão concorrido restaurante parisiense. O final do dia aproxima-se, e também os clientes o fazem. A cozinha é dominada pelo som de tachos e de comida a ser cozinhada. O ar está impregnado com o odor da carne misturado com o peixe e legumes.
Finalmente, já passa da uma da manhã, e o último cliente sai do restaurante. Como empregado novo, cabe-me a mim ficar a limpar a cozinha.
- Lindo… Se eu quisesse ser torturado ficaria com o pai e a mãe na Grande Maison…
- Mas ainda bem que não ficaste, porque trabalhaste muito bem hoje. – Comenta o chefe.
Bernard Bellevie é um homem entroncado, altivo de corpo, mas criança de cara, com faces muito vermelhas e rechonchudas. A sua voz grossa e potente faz-se ouvir sempre que fala.
- Oh, obrigado, Monsieur Bellevie.
- Não precisas de agradecer, meu caro. Devo dizer que o meu primo tinha razão quando te mencionou. No início estava com medo que tivesses mexido naqueles miolos de pintainho, mas afinal ele estava certo.
Não consigo deixar de sorrir com o seu comentário. O irónico é que eu tinha mexido com Miguel, e muito. Falando no diabo, Miguel entra pela porta das traseiras, cumprimentando alegremente o seu primo, que se retira.
- Parece que o teu primeiro dia correu bem… - Comenta, envolvendo-me com os seus braços.
- E tenho de te agradecer a ti por esta dádiva! – Digo, beijando-o.
Há algo de errado com ele. Parece estar preocupado com algo.
- Que se passa? – Interrogo.
- Hun?
- Há qualquer coisa que está a mexer aqui contigo. – Informo, tocando-lhe com um dedo na testa.
- É que… Os meus pais vêm amanhã de Portugal… - Conta, olhando para o chão.
- Mm… Queres que conheça os teus pais? – Pergunto, incrédulo.
- Não! Quer dizer, sim, quero… Mas eles não sabem que…
- Oh, não sabem que és gay? – Exclamo, surpreendido.
- Não…
- Um garanhão atiradiço como tu, não contou ainda aos pais!? – Digo, jocosamente. – Esta deve ser nova! Eu bem achava que eras parecido com o Brian Kinney, mas nunca pensei que levasses essas semelhanças ao nível seguinte…
Ele contorceu-se ligeiramente, desconfortável.
- Se não quiseres contar já aos teus pais, tudo bem, não vou exigir que o faças, já és crescido o suficiente para decidir o que queres fazer…
- Os teus pais abem que…
- O meu pai expulsou-me de casa antes que eu lhe pudesse contar. Aparentemente ser chef é sinónimo de não ser um homem a sério. Imagino o que homossexual será para ele… Enfim.
- Vocês ricos são mesmo intolerantes… - Comenta, desenhando-se no seu rosto aquele sorriso atrevido de que tanto gosto.
- Não te ouvi a queixar ontem à noite… - Remato, beijando-o.
- Quero que eles te conheçam. – Diz, de repente.
- Tudo bem… Queres combinar um jantar, ou assim? – Pergunto.
- Sim, e sei quem poderá ser o cozinheiro perfeito para o trabalho. – Replica, piscando-me o olho.
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