terça-feira, 19 de abril de 2011

O Rapaz da Casa Amarela - Livro I - Capítulo 1

Uma Espada e um Barco
- Argh! - Berra o pirata à minha frente. - Não vais tomar o meu navio!
Ele empurra-me cada vez mais para a ponta da prancha. Sinto os tubarões a rondarem as águas agitadas lá em baixo, como se fossem lobos dos oceanos. Agito freneticamente o meu sabre à minha frente, afastando as investidas da cimitarra do capitão corrupto. Corto uma das tranças desgrenhadas da sua barba, o que o enfurece ainda mais.
- Ah-Ah! - Exclamo. - Não vais sair impune dos teus crimes! Pelo Rei e pelos corsários!
Finalmente, consigo empurrá-lo para o lado, fazendo-o cair da prancha abaixo. Corro de novo para cima do convés, sem ficar para ver o mar manchado de sangue. Assim que vêem o seu capitão caído ao mar, os piratas começam a dispersar. Olho para o meu primeiro-tenente. Um corte adorna-lhe a cara, dando-lhe um ar temível.
- Senhor Pluto, creio que tem um novo troféu de batalha! - Elogio, guardando o meu sabre e caminhando para o gabinete do pirata.
- Auf! - Responde o meu primeiro-tenente.
- Quiiim! Vem almoçar! - Grita a minha avó da varanda da torre do castelo que se distingue ao longe.
O meu estômago ronca em resposta. A torre do castelo volta a ser a antiga casa de pedra de aldeia, o mar volta a ser a terra castanha do quintal, e o barco volta a ser o barracão velho e decadente de madeira escurecida pelo tempo. Pluto, o meu pastor alemão, olha para mim, desejoso de comer.
- Velho sarnento esfaimado! - Gracejo. - Quem chegar primeiro fica com o bife maior!
Ele ladra-me aceitando o desafio e corremos lado a lado, atravessando a garagem, para subir as escadas exteriores que levam à parte de habitação da casa. O longo corredor e sinuoso parece escuro e ameaçador aos meus olhos encadeados pela luz. Felizmente, a cozinha é mesmo à entrada e não preciso de caminhar pela goela daquele Dragão adormecido. O cheiro de batatas fritas e carne grelhada desperta-me da nova fantasia que ameaçava dominar a minha mente.
- Aposto que tantas brincadeiras te dão fome, filho. - Comenta a Avó Alzira.
A sua cara enrugada pelo tempo olha-me com carinho. Eu respondo com um sorriso satisfeito, tão grande que me obriga a fechar os olhos, e agito a cabeça energicamente.
- Sim, sim, sim! - Confirmo. - Muita fome. E hoje eu cheguei primeiro que o Pluto!
O cão ladra em protesto à minha frase proferida com orgulho.
- Mas podes dar-lhe o bife maior... Ele quer ser maior! E precisa de curar o corte que os piratas lhe fizeram!
- Oh, ouvi piratas?! - Exclama a voz fingidamente assustada do Ti Araújo, o irmão mais novo da Avó.
Corro para o cumprimentar. Nas mãos traz uma espada de madeira rudimentar, que faz os meus olhos brilhar. Ele agita-a levemente no ar.
- Onde estão esses escorbutosos dos mares?!
Eu rio-me.
- Esses escor... escor... quê? - Pergunto.
- Escorbutosos, que têm escorbuto. - Informa, dando-me a espada para a mão.
- o que é isso? - Interrogo, curioso.
- É uma doença dos mares terrível, que te faz inchar as gengivas e cair os dentes todos!
- Araújo! Por favor, o menino vai comer agora! - Exclama a avó, repugnada.
- Iác! - Replico. - Eu não quero ter escorbuto!
- Então tens de comer muita fruta fresca! - Conta o Tio.
- Ah, mas eu gosto da fruta fresca da Dona Armanda da mercearia! - Afirmo. - A sério, podes perguntar à Avó, ao Pluto e à Dona Armanda!
- oh, então acredito em ti. - Diz ele, encaminhando-me para a mesa da cozinha. - Mas ala, lavar as mãos para merendar, que isto é preciso crescer-se forte. E depois, vais ajudar-me a construir um barco com uma tábuas velhas que o Zé da serralharia me trouxe, que te parece?!
- Siiim! - Berro, entusiasmado.
- Mas tende cuidado com os pregos, que isso é coisa perigosa! - Avisa a avó.
O resto da tarde passo-a com o Tio, a construir o malfadado barco. Pluto ajudou a levar algumas tábuas leves e tudo! Eu gosto de conviver com o Ti Araújo porque ele me conta muitas histórias. Ele já foi professor aqui na aldeia e sabe muitas coisas. Foi ele que me contou sobre os cavaleiros, sobre os reis, os dragões, as princesas, os piratas, os corsários e os escorbu... escorbu... os que têm escorbuto! Hoje conta-me que os corsários eram os heróis do mar. Perguntei se eram heróis do mar como nós portugueses cantamos no nosso hino. Ele diz que não, e acrescenta que como nós portugueses ou melhores não há, que fomos os primeiros a ir para o mar, a passar as tormentas das tempestades. Pergunto se o pai e a mãe também tinham ido muito ao mar. Ele confirma que sim, que eles lutam pelo país na marinha do nosso povo. E faço a pergunta que sempre fiz, desde muito novo: Porque é que o pai e a mãe não voltaram. Ele não responde e começa a ensinar-me coisas. A escola da aldeia fechou há muitos, muitos anos, e a mais próxima que havia, era noutra aldeia e também fechou. Por isso nunca pude ir para a escola, mas tenho o Ti Araújo, que é um professor dos melhores que há! ele fala-me de muitas coisas! Até conta histórias de fantasmas, como a do Holandês Voador, um navio fantasma que assombra os oceanos. Está decidido. Na próxima brincadeira, eu, o Corsário Descobridor Português Capitão Joaquim Fernandes e o meu fiel Primeiro-Tenente Pluto vamos procurar pelo Holandês Voador, e livrar os mares da sua maldição!

6 comentário(s):

Unknown disse...

Lindo

Unknown disse...

x) obrigado. Muito desta personagem do Quim é inspirada em mim próprio na infância e de como eu me sentia quando brincava. x)

ψ Psimento ψ disse...

Também brincava assim, deve ser por isso que me identifico tanto com os filmes do Toy Story ;)
Já li o proximo capítulo também. Estou a gostar imenso ;)

Unknown disse...

(: ainda bem que gostas! Por acaso também gosto imenso dos Toy Story, mas ainda não tive hipóteses de ver o 3 ):

Wolverine disse...

*sigh* as brincadeiras de infância...

O filme Toy Story 3 é lindo. Até me vieram as lágrimas aos olhos.
Vi-o há pouco tempo, com o meu irmão.
Dos outros já nem me lembro... x)

Unknown disse...

x) Tenho de ver... Pelo menos dizem que é um bom filme.

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