Estou a tentar recuperar do choque. O pior aconteceu. O meu chefe despediu-me hoje. Quando chego a casa, a única coisa em que consigo pensar é como é que me hei-de safar. Tentei falar com a Vivi, mas ela está em Roma. O Maurice não pensa noutra coisa senão na Claire. Já é de noite. Decido ir ao bar. Vou-me embebedar até cair.
Sento-me ao balcão. Estou prestes a pedir um whisky quando alguém me chama a atenção por trás de mim.
- De novo aqui? – Pergunta Miguel. – Que se passa?
- Para que queres saber? Para me embebedares e voltares a f…
- Hei, hei, tem calma! – Corta. – Só quero ajudar, Ric.
Observo-o, desconfiado.
- Ontem… Houve algo que eu não te contei.
- O que foi?
- Depois de termos tido sexo, tu ficaste a olhar para mim. E eu perguntei-te o que te estava a passar pela mente. Tu disseste que não costumavas fazer aquilo, porque eras mais uma pessoa de manter compromissos… Na verdade, eu também era assim, até há algum tempo… E quanto eu estava com outros homens, eles olhavam para mim com luxúria… Tu olhaste-me nos olhos com carinho… Um carinho que eu já há muito não sentia…
- Oh… - Suspiro, surpreendido. – A sério…?
- Sim… Mas se contas a alguém, eu mato-te… tenho uma reputação a manter. – Acrescenta, rindo-se.
Eu olho para o copo à minha frente. Perdi a vontade de beber.
- Queres contar o que se passou? – Pergunta.
- Fui despedido… - Conto.
- Oh, desculpa! Eu não te queria fazer perder o trabalho! – Suplica, passando-me a mão pelas costas.
- Eh… parece que tenho de deixar a culinária para outra vida. – Queixo-me.
- Se a cozinha é assim tão importante para ti, porque não abres o teu próprio restaurante? – Interroga.
- Porque preciso de ter mais alguma experiência… - Informo.
- Ok, espera aqui um pouco. – Pede, levantando-se do balcão e tirando o telemóvel do bolso.
Volta cinco minutos depois, com um sorriso triunfante.
- Falei com o meu primo Bernard Bellevie. – Anuncia.
Eu afundo-me no banco do balcão, ao reconhecer o nome.
- O Bernard Bellevie do Bellevie Restaurant? – Pergunto, num ganido.
- Sim… Ele disse que estava a precisar de um novo chef. E eu estou encarregue de te testar, por isso, vamos para minha casa e tu preparas-me o melhor jantar que já alguma vez provei.
Ele não me dá tempo para responder e puxa-me pelo braço. Desta vez, estou sóbrio quando entro no apartamento dele. É simpático, com as paredes pintadas de branco, alguns quadros… Para minha surpresa, o que mais enche as paredes são estantes ligeiramente retorcidas com o peso de todos os livros que aguentam. Ele indica-me onde fica a cozinha, e eu começo a “praticar a minha magia”, como ele lhe chama.
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