Desaparecido
Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Ta...- Filho, anda almoçar. - Chama o Pai Fred, interrompendo o relógio.
- Argh, que tédio! - Exclamo, sentando-me à mesa. - O pai Carlos, ficou de novo a trabalhar até tarde?
- Sim... Teve de ser... Mas deve estar mesmo aí a chegar. - Diz, tentando convencer-se a si próprio.
- Sim... Deve estar.
Comemos em silêncio, apenas olhando de vez em quando um para o outro. Laika também está a comer a sua refeição, na cozinha, junto aos meus pés. Olho para o calendário. Um ano. O meu pai apercebe-se onde está pousado o meu olhar.
- Filho...
- Tenho tido um mau pressentimento... Pai... Sonhei que ele... Sonhei que o Quim tinha mesmo... - Um soluço interrompe-me, e as lágrimas correm-me pelos olhos.
O Pai Frederico salta da cadeira, contornando a mesa e abraçando-me ternamente.
- Pronto, está tudo bem, ele está bem, filho.
- Como podes ter a certeza?! Há um ano que não temos notícias. Um ano de incertezas e de dor!
O telefone toca. O meu pai ergue-se, certificando-se de que estou bem. Ele pega no aparelho e atende.
- Estou, sim, quem fala?
Oiço um sussurro vindo do auscultador, mas não percebo nada. No entanto, o meu pai começa a demonstrar sinais de surpresa e de pânico.
- Meu Deus... E encontraram-no...? Não?
Comecei a temer pelo pai Carlos.
- Ok, Araújo, tenha calma, sim, eu vou para aí. Sim, já.
Um ano tinha passado antes de ouvir aquele nome. É o tio de Quim. O meu peito aperta-se. Algo estava errado. Algo estava muito errado.
- Filho, mantem a calma... - Pede o meu pai, com voz trémula. - Mas esta manhã, deram uma missa em honra da Dona Alzira. O Quim estava lá, mas saiu a meio a chorar e a correr. Ainda não o encontraram e ninguém sabe onde está...
Levanto-me de um salto, agarro no meu casaco e no meu telemóvel.
- Então de que estás à espera! Vamos!
A viagem de carro dá cabo dos nervos aos dois. Primeiro porque temos medo de chegar tarde demais, depois porque não queremos abusar da velocidade na estrada. Três horas depois, começo a ver a entrada da Vila. Não se vê ninguém nas ruas. O meu pai para o carro em frente à casa. A casa de Alzira. Entro, sentindo o cheiro a velas e incenso.
- Frederico, ainda bem que pôde vir. Estamos desesperado. A vila anda toda à procura dele, mas ninguém o descobre. - Diz Araújo, saindo da cozinha.
Discutimos um pouco onde ele poderá estar, e procuramos em seguida. Percorremos a vila de uma ponta a outra, mas nada nos dá pistas onde ele possa estar. O meu medo de que ele se queira matar de novo enche-me a alma. Não o quero perder. Prometo a mim mesmo que depois disto moverei montanhas para estar com ele. A noite começa a cair e voltamos a casa de Araújo. O homem idoso está sentado numa poltrona, respirando com dificuldade. O meu pai tenta acalmá-lo. Sento-me no chão, meditando. Sinto um corpo quente atrás de mim. Viro-me, olhando para o enorme Pastor alemão castanho que me olha, suplicante.
- Pluto... Anda cá, rapaz. - Chamo carinhosamente.
Ele aproxima-se, deixando cair algo no chão, que trazia na boca. Olho para o que ele deixara no soalho.
- Oh, meu porco agora andas a arrancar bocados de azulei...
Reconheço o padrão. Reconheço a forma. Não era um azulejo, mas sim um fragmento de porcelana. Uma porcelana branca pintada de azul. Numa das brincadeiras com Pluto e Laika, dento de casa, eu tinha dado um encontrão àquela jarra. Para esconder as provas, enterrara-a no jardim das traseiras.
- Cristo, já sei onde ele está! - Grito, levantando-me após se ter feito luz na minha cabeça.
Corro como um doido colina acima, na direção da Casa Amarela, que outrora me pertencera. Trepo pelo portão, e passo pela porta arrombada. Oiço alguém lá em cima. Aquela voz, que tão bem conheço, a gritar pelo meu nome.
- Jaime! Jaime! Por Favor! Jaime!
Entro no meu antigo quarto. Ele contorce-se num pesadelo.
- Meu Deus! Quim! Joaquim! Amor, acorda!
Ele abre os olhos, de repente. Olha em volta. Envolvo-o com os meus braços. ele descarrega mais lágrimas nos meus ombros, apertando-me contra o seu corpo quente. Pluto entra no quarto, seguido de Araújo e do Pai Fred. eles entreolham-se, aliviados.
- Deixaste-me tão preocupado... - Comento, dando-lhe um beijo leve na orelha.
- Jaime... - Chama, com voz rouca... - Porque te foste embora... Nunca mais me deixes... Preciso tanto de ti...
- Eu sei, eu sei... Perdoa-me... - Suplico. - Mas vens comigo primeiro, comer e beber qualquer coisa e depois respondo a todas as perguntas que tiveres... Não me vou embora, prometo.
2 comentário(s):
Quase que chorei nestes dois últimos capitulos, agarrei-me tanto à personagem.
Sorry for making you cry... x) Mas as coisas acabam por se resolver ;)
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