Paris. A cidade do amor. Para mim, era a minha casa. Sempre aqui vivi. Nunca percebi aquela fixação dos estrangeiros pela cidade onde eu nascera. Sempre ouvia os turistas, e até mesmo outros franceses, dizerem que eu era sortudo em ter nascido naquela cidade, no ceio de uma das famílias mais ricas da capital francesa. Eu, pessoalmente, não me sentia assim tão abençoado. Os meus pais sempre foram um par bastante controlador e demasiado protector. Quando cheguei ao mundo real, longe dos colégios privados e dos casarões apetrechados de empregados, senti-me vulnerável. Mas descobri algo que me fez esquecer isso tudo. Algo que os meus pais não queriam para mim. A cozinha. Sim. Oh, aquele ali com a roupa branca e de avental sou eu. Os meus olhos estão fixos no prato que acabo de preparar. Não, ainda não sou um grande chef, mas trabalho num restaurante chamado La Sirène. Optei por dar os primeiros passos assim. Aproveitei ainda a ausência dos meus pais para arranjar emprego. Não é pelo dinheiro, porque esse, tenho bastante. Ou melhor, os meus pais têm bastante. Mas gosto de estar na cozinha, misturar os temperos, sentir o cheiro dos refogados, dar-lhe o meu toque especial. Faz-me sentir bem comigo mesmo.
- Aqui está o prato para a mesa três! – Informo, usando a minha voz grave para espalhar as minhas palavras pela cozinha barulhenta.
Um garçon passa rapidamente por mim, raptando o meu prato e levando-o para longe daquela divisão dominada por fogões e frigoríficos. O dia é extenuante, como sempre. Oiço alguém reclamar, perto da porta das traseiras do restaurante, que faz a ligação entre a cozinha e o exterior.
- Eu tenho de entrar! Tenho de falar com o Ric! – Berra a voz da minha irmã.
- Oh, não! Vivi, que estás a fazer aqui?! – Exclamo, limpando as mãos ao avental, e ajudando-a a livrar-se dos ajudantes de cozinha que lhe estavam a travar o caminho.
- O papá e a mamã voltaram mais cedo!! Eles estão lá em casa e querem falar contigo! Agora!! – Informa, num francês fluente e rápido.
Sinto o meu coração travar e um nó apertar-se-me no estômago.
- Oh… Que os deuses me ajudem! Há quanto tempo é que eles chegaram? – Pergunto.
- Cerca de meia hora… Despacha-te, tens de ir antes que eles desconfiem de alguma coisa!
- Ok, mas preciso de boleia! – Aviso.
- Eu sei, o Pierre está lá fora no carro, vai! E muda de roupa!
Pierre é o marido da minha irmã. Também ele vem de famílias abastadas da grande Paris. Corro pelo beco por trás do restaurante, até ver o BMW preto.
- Não dás nada nas vistas, cunhado… - Resmungo em jeito de cumprimento.
Ele revira os olhos castanhos e acelera a fundo. Olho pelo canto do olho para o topo da Torre Eiffel e tiro o meu avental. Suspiro.
- Argh, não tens aí nada para trocar? – Pergunto-lhe.
- Não sou propriamente do tipo que tem de trocar de roupa várias vezes ao dia… Mas podemos passar por minha casa e ver o que lá tenho.
- Ok. Mas não esperes que vais ser a minha fada madrinha e ver se o fato me fica bem ou tenho de mudar… - Comento.
- Já me chega as vezes que a tua irmã me obriga a fazê-lo, dispenso… - Sibila.
Para as pessoas que observam a minha relação com o Pierre, é normal parecer que nos odiamos, mas sempre nos demos bem. Os modos com que nos dirigimos um ao outro são puro companheirismo. E isso pode-se ver pelo sorriso que ele agora ostenta, um sorriso genuíno de divertimento. Se ele me odiasse, nunca me deixaria entrar no seu BMW. Se eu o odiasse… bom, ele já não teria um BMW onde eu pudesse entrar.
2 comentário(s):
Gostei
me gusta relações esquisitas
Enviar um comentário